Osteoartrite e medidas terapêuticas
O número de casos de osteoartrite (OA) tem vindo a aumentar devido à maior esperança de vida, sendo que a OA tem um impacto importante na sociedade por ser uma das principais causas de incapacidade nas idades avançadas, particularmente pelo envolvimento dos joelhos e anca. O estudo de Rotterdam que avaliou 1.040 indivíduos, com idades compreendidas entre os 55 e 65 anos, mostrou que só 135 dos indivíduos estudados, não apresentavam sinais radiográficos de OA, um outro estudo mostrou que em Itália, a prevalência de sintomas de OA em indivíduos com mais de 65 anos, era de 15% para as mãos, 30% para os joelhos e 8% para a anca. Entre os americanos, ocorre dor e limitação funcional relacionada com OA nos joelhos em mais de 13% dos indivíduos entre os 55 e 64 anos e em mais de 17% dos que possuem idades compreendidas entre 65 e 74 anos.
A osteoartrite afecta com maior frequência as mãos, joelhos, coluna vertebral, ombro e anca, podendo atingir, na mesma pessoa, vários tipos de articulações.
Causas da OA
A OA caracteriza-se por perda da cartilagem à qual se associa alteração do osso com esclerose, colapso do osso subcondral, quistos ósseos e formação de osteófitos. A perda da cartilagem pode iniciar-se a partir de um ponto específico que se estende e envolve o compartimento articular conduzindo à perda progressiva da cartilagem. A perda de proteinoglicanos de pequenas e grandes dimensões associa-se à degradação do colagénio tipo II e de muitas outras moléculas fundamentais e a progressão da doença conduz à perda maior ou menor da cartilagem da superfície da articulação. Todo este processo envolve mecanismos complexos de reacções enzimáticas e outras, responsáveis pela degradação progressiva da articulação e desenvolvimento de processos inflamatórios que podem acelerar a degradação da articulação.
Sintomas
O sintoma principal é a dor articular difusa que alivia com o repouso, não existindo relação directa entre o grau de alterações e as imagens radiológicas, dado que só 30% dos doentes com imagens radiológicas sugestivas de OA se queixam de dor. Há doentes que acordam com a dor e é comum a existência de uma certa rigidez matinal de curta duração e, à medida que a doença progride, pode haver limitação de movimentos, contracturas, espasmos musculares e bloqueio mecânico. Os ruídos que podem surgir com o movimento da articulação podem ser atribuídos à perda de cartilagem, a irregularidades da superfície da articulação e ao aumento de volume das articulações que pode ser atribuído à sinovite secundária, ao aumento do líquido sinovial ou a alterações proliferativas da cartilagem ou do osso (osteófitos). Nas fases avançadas da AO, as articulações apresentam deformações marcadas pela perda de cartilagem, colapso do osso subcondral, formação de quistos e crescimento ósseo excessivo.
Factores de risco para a OA
Considera-se que existem factores que podem contribuir para o desenvolvimento da OA, sendo eles:
Idade e sexo
A idade é um dos principais factores de risco para a OA qualquer que seja o local onde se desenvolva. A prevalência da OA aumenta muito após os 40 anos na mulher e os 50 anos no homem, afectando cerca de 50% dos indivíduos com 65 anos ou mais, chegando a atingir 85% dos indivíduos após os 75 anos.
O sexo também influencia a prevalência e incidência de OA, sendo mais frequente a OA isolada na mão ou joelho na mulher e, na anca no homem.
Etnia
A influência étnica na OA não está bem definida. No entanto há estudos que sugerem uma maior prevalência da OA no joelho na mulher negra mas não no homem. O estudo Johnston County sugere que não existem diferenças na prevalência da doença de joelho, enquanto para a OA da anca, o homem negro tenha uma probabilidade de mais 35% do que o homem branco.
Genética
A influência genética pode ser importante como factor de risco da OA como confirmam alguns estudos epidemiológicos na OA da mão, joelho e anca, admitindo-se que alterações genéticas envolvem defeitos estruturais do osso e da cartilagem.
Estado hormonal e densidade óssea
Após a menopausa, a mulher está mais susceptível à OA, dado que se admite que os estrogénios exercem efeito protector da OA. Considera-se também que a osteoporose possa ter efeito protector contra o início da OA dado que a maioria dos estudos mostrou que a densidade óssea elevada se associa a um aumento da frequência da OA no joelho, anca e mãos.
Factores nutricionais e metabólicos
Há dados que sugerem que os níveis elevados de glucose no sangue estão associados a um aumento da frequência da AO e, parece também que níveis reduzidos de vitamina D contribuem para o aumento do risco de OA.
Obesidade
Os indivíduos com excesso de peso e obesidade possuem maior probabilidade de desenvolverem OA, sendo que a perda de peso pode reduzir esse risco.
Lesão aguda e deformação da articulação
São situações que podem constituir factores de risco para desenvolver OA por aumento da instabilidade da articulação.
Factores ocupacionais
Exercício e tarefas repetitivas das articulações sobrecarregam-nas bem como aos músculos que as suportam, o que aumenta o risco de OA.
Desportos
Há desportos que podem aumentar o risco de OA, particularmente os que exercem impacto directo sobre as articulações e os que exigem intensidade elevada.
Fraqueza muscular
A fraqueza dos quadriceps pode constituir um factor de risco para a OA do joelho.
Consequências da OA
À OA associa-se geralmente a incapacidade física que se reflecte em problemas sociais em termos de perdas de dias de trabalhos e aposentação antecipada. Factores ligados à incapacidade envolvem dor, fraqueza muscular, fraca capacidade aeróbica e imagens radiológicas.
Diagnóstico
Actualmente, o diagnóstico efectua-se essencialmente pelas imagens radiológicas que podem ser inespecíficas, não havendo ainda um teste específico para o diagnóstico claro da OA.
Marcadores bioquímicos da cartilagem e osso
Têm sido realizados diversos estudos no sentido de encontrar marcadores bioquímicos específicos da OA que permitam um diagnóstico precoce e efectivo, no entanto ainda não existe um teste laboratorial específico e definitivo para as anomalias da AO, apesar de vários testes estarem em investigação e haver indícios de alguns parâmetros que estão alterados na osteoartrite.
Aspectos gerais do tratamento da OA
Os principais objectivos do tratamento da OA consistem no controlo da dor, na melhoria funcional e na redução da incapacidade. Considerando a evolução da OA, as medidas aplicadas devem ser reavaliadas e reajustadas face a essa evolução. Considera-se que a educação dos doentes constitui uma medida importante por permitir uma melhor gestão da doença pelo indivíduo bem-educado.
Terapêutica medicamentosa da OA
Analgésicos
A dor moderada de OA no joelho e anca pode ser aliviada com analgésicos simples como paracetamol na dose de 1 g, tomado de 6 em 6 horas, substância considerada segura.
O paracetamol tomado em doses superiores pode causar toxicidade para o fígado e rins.
Anti-inflamatórios
Há estudos que sugerem que os anti-inflamatórios são mais efectivos que analgésicos ligeiros. A dor moderada de OA no joelho e anca pode ser aliviada com ibuprofeno na dose de 1,2 g por dia a 2,4 g por dia dividida em 2-3 tomas, isto é, 400 mg a 800 mg de 8 em 8 horas, que é bem tolerada.
Existem diferenças entre os vários anti-inflamatórios, sendo que a intolerância gastrointestinal que ocasionam frequentemente (dispepsia, dor abdominal, náuseas) também varia entre eles, podendo ainda ocasionar ou agravar uma doença renal, para a qual contribui, caso existam, a desidratação, hemorragias, insuficiência cardíaca moderada a grave, diurese excessiva e cirrose com ou sem ascite. Os idosos possuem risco aumentado de doença renal pelos anti-inflamatórios.
Alguns anti-inflamatórios causam problemas gastrointestinais com menor frequência sendo os de escolha para doentes idosos e mais susceptíveis.
O risco de agravamento de hipertensão e edema é análogo para todos os anti-inflamatórios.
Analgésicos opióides
O tratamento com analgésicos mais potentes do que o paracetamol está indicado para dores moderadas a graves de OA. Utiliza-se o tramadol, que pode ser associado ou não ao paracetamol, escolhendo-se quando o paracetamol e os anti-inflamatórios falham no alívio da dor.
Note-se que o uso crónico e contínuo deste tipo de analgésicos opióides conduz a redução da sua eficácia e obriga a aumentos progressivos de doses necessárias para produzir o mesmo grau de analgesia. De considerar ainda que estes medicamentos ocasionam sempre obstipação e que geralmente requerem a toma de laxantes para o seu controlo, durante o tratamento.
Pode associar-se, se necessário, o tramadol a um anti-inflamatório para obter melhores resultados.
Analgésicos tópicos
A aplicação local de analgésicos, como o creme de capsaicina ou de anti-inflamatórios é frequentemente efectuada, com ou sem prescrição médica. Podem ser utilizados isoladamente ou se necessário, podem constituir um tratamento adicional aos analgésicos ou anti-inflamatórios referidos anteriormente. Este tipo de fármaco aplicado localmente é efectivo e apresenta menos efeitos secundários, sendo de preferir em situações localizadas.
Corticosteróides intrarticulares
Para tratamento de crises dolorosas agudas de OA, particularmente se houver evidência de inflamação e inchaço da articulação, as injecções intrarticulares de corticosteróides têm sido utilizadas com bons resultados quando a restante terapêutica não se mostra suficiente.
Ácido hialurónico intrarticular
Também se tornou um tratamento aceite no controlo da dor, a injecção intrarticular de ácido hialurónico, cuja eficácia e segurança tem sido demonstrada.
Agentes modificadores da doença - osteoartríticos
Há algumas substâncias que estão em estudo como sendo capazes de modificar o curso da osteoartrite embora não haja ainda resultados definitivos. Estão neste caso as tetraciclinas e alguns derivados (doxiciclina e minociclina), factores de crescimento, manipulação de citoquinas, terapia génica e açúcares sulfatados e não sulfatados.
O sulfato de glucosamina tem sido administrado por via oral e intramuscular, sugerindo-se que é uma substância capaz de modificar o curso da doença, na dose de 1,5 g por dia. Também tem sido estudada a diacereína, 50 mg duas vezes ao dia, que mostrou efeitos benéficos num estudo de 3 anos.
Apesar destes dados há necessidade de mais estudos que comprovem a utilidade destas substâncias.
Tratamento não medicamentoso da OA
Apesar de também serem muito utilizadas medidas não medicamentosas em doentes com OA, não há grande evidência da sua utilidade.
Exercício físico
O exercício físico tem gerado muito interesse como medida não medicamentosa na OA, particularmente o exercício aeróbico e de aumento de força, que parecem igualmente efectivos no alívio da dor e melhoria funcional em doentes obesos com OA. Associado a dieta, o exercício pode apresentar bons resultados em termos de melhoria da qualidade de vida e funcionalidade física.
Suporte e calçado
Medidas de suporte e calçado correctivo podem ser benéficos e alternativas a intervenções mais complexas, no entanto existem poucos estudos que avaliem estas intervenções embora haja indicações de alívio sintomático.
Reabilitação física
Têm sido estudadas várias modalidades de reabilitação física no tratamento da AO, designadamente a terapia térmica (calor, frio, ultrassons), a estimulação eléctrica transcutânea (TENS), terapia electromagnética, lazer, e estimulação eléctrica têm sido medidas adjuvantes utilizadas na OA. Apesar da sua utilização, não há resultados definitivos de estudos que demonstrem a sua eficácia.
Intervenções comportamentais
Intervenções comportamentais podem melhorar a OA embora raramente eliminem a dor, contudo, reduzem frequentemente o sofrimento e os custos. A educação do doente sobre a gestão da OA é central no tratamento para melhoria do estado de saúde.
Tratamentos alternativos da OA
Muitos são os doentes que recorrem a terapias alternativas ou complementares dos medicamentos. Estão neste caso as plantas medicinais, dietas, homeopatia, intervenções mente-corpo, calor manual, terapia electromagnética e acupunctura.
Tratamento cirúrgico da OA
A cirurgia é apenas considerada após a falha das medidas de tratamento enunciadas, existindo vários tipos de intervenções cirúrgicas que são decididas face ao tipo de OA, localização e doente.
Guidelines para o tratamento
O tratamento da OA deve ser efectuado de forma individualizada face às necessidades de cada doente, tendo sempre em conta a relação benefício/risco.
É importante considerar inicialmente se existe dor e se é acompanhada de inflamação. Caso não pareça existir inflamação basta administrar analgésicos mas, se ela estiver presente, é necessário usar os anti-inflamatórios.
O tratamento medicamentoso oral pode beneficiar se for acompanhado pela aplicação local, na articulação em causa, de medicamentos em creme. Se for necessário, devem ser tomados analgésicos mais potentes, como o tramadol.
Em casos de persistência dolorosa, há frequentemente, a necessidade de recorrer a infiltrações de corticosteróides ou de ácido hialurónico.
Bibliografia
Piercarlo Sarzi-Puttini, Marco A. Cimmino, Raffaele Scarpa, Roberto Caporali,
Fabio Parazzini, et al. Osteoarthritis: An Overview of the Disease and Its Treatment Strategies. Semin Arthritis Rheum. 2005. 35 (suppl 1):1-10.