Enfermagem

Área privilegiada na promoção dos direitos da criança e jovem

Atualizado: 
29/05/2015 - 16:26
A violência contra crianças e adolescentes é um grave problema de saúde, portanto, deve ser identificado e abordado pelos profissionais o mais precocemente possível e de uma forma eficaz e oportuna.

Este artigo tem como objetivo apresentar/argumentar a enfermagem como campo crucial e facilitador na promoção e proteção dos direitos individuais, sociais, económicos, e culturais da criança e jovem, de forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral. Centrar-nos-emos na pesquisa bibliográfica e da experiência profissional e ainda no trabalho enquanto presidente da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Viseu. Iniciaremos por uma breve abordagem à Criança como Sujeito de Direitos, passando pelos vários patamares de intervenção na área da proteção e promoção dos direitos da criança, onde aludiremos à enfermagem como agente crucial e facilitador na intervenção na área dos maus tratos. Terminaremos com uma breve referência à experiência como presidente de uma CPCJ, apontando algumas sugestões de melhoramento para a intervenção e promoção dos direitos da criança.

Reconhecer, a criança como sujeito de direito, titular de direitos humanos, fundados na sua inalienável e inviolável dignidade, constitui o eixo central de todo o sistema. Para além dos direitos humanos, reconhecidos a qualquer pessoa, a criança é ainda titular de direitos humanos específicos, resultantes da sua condição de criança.

Entre as expressões mais significativas do reforço da afirmação da criança como sujeito autónomo de direitos, salientam‑se a Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1959, a Convenção dos Direitos da Criança, aprovada pela ONU, em 1989, e ratificada por Portugal em 12/09/90.

Podemos garantir que a nossa ordem jurídica dispõe de um assinalável conjunto de dispositivos jurídicos muito relevantes para o reconhecimento e a concretização dos direitos da criança. Dentro desses instrumentos mais significativos da ordem jurídica portuguesa importa considerar, nomeadamente, a Convenção dos Direitos da Criança, a Constituição da República Portuguesa e a legislação ordinária.

A Convenção impõe aos Estados deveres relativos ao reconhecimento e efetivação dos direitos da criança declarados na Convenção, sem prejuízo da aplicação de disposições mais favoráveis à realização dos direitos da criança que possam figurar na legislação do Estado ou no direito internacional em vigor nesse Estado.

No que respeita à Constituição da República Portuguesa, topo da hierarquia das leis, o reconhecimento da criança como sujeito autónomo de direito encontra consagração e reflexo (genericamente como cidadão que é, ou especificamente como criança) a dois níveis diferentes, mas complementares dos direitos fundamentais: ao nível dos direitos, liberdades e garantias pessoais e o reconhecimento da criança como sujeito autónomo de direito, consagrado constitucionalmente também ao nível dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais.

A legislação ordinária é muito abundante, sendo de salientar as disposições de direito civil relativas ao direito de família, de que se destacam as do Código Civil e as diversas leis, de que se salientam, pela especial pertinência e relevância, a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147, de 01/09), que visa a promoção dos direitos e a proteção das crianças e jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem‑estar e desenvolvimento integral, e a Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, de 14/09), que tem como objetivo a educação do menor (com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos que pratica facto qualificado como crime) para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade.

Destas duas leis, resulta um sistema de tratamento das situações de crianças e jovens em perigo distinto do regime de intervenção nas situações da prática, por jovens com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos, de facto qualificado pela lei como crime, sem prejuízo do dever de apensação de processos judiciais quando se cumulam essas situações entre si ou ainda com processos relativos a providências tutelares cíveis, nomeadamente as respeitantes à regulação do exercício do poder paternal, à inibição, total ou parcial, ou estabelecimento de limitações ao poder paternal, à tutela, à fixação de alimentos  (Lei n.º 147. de 01/09), art.º 81.º).

Como acabamos de referir, atualmente os Direitos da Criança estão definidos juridicamente, mas na realidade cada vez mais somos confrontados com crianças em risco, sendo esta uma realidade com dimensões e implicações gigantescas para a sociedade, à qual não se pode mostrar indiferença.

Para além da corresponsabilidade do Estado e da sociedade na promoção e defesa dos direitos de todas as crianças, impõe‑se ao Estado, central e local, às entidades com competência em matéria de infância e juventude, às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, ao Ministério Público, aos Tribunais e à Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, responsabilidades específicas de atuação articulada face a crianças e jovens em risco e em perigo.

As situações de risco implicam um perigo apenas potencial, eventual, para a efetivação dos direitos da criança. Podem, naturalmente, ter vários graus e diversas expressões, mas não atingem o grau de perigo muito provável ou acentuadamente possível (embora não traduzido já em efetivo dano) que integra o conceito legal de perigo para a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança.

A intervenção, no domínio da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, processa‑se segundo o bem conhecido princípio da subsidiariedade [art.º 4.º, al. j), 8.º, 11.º, 67.º e 68.º - Lei 147/99 de 1 de setembro], ou seja, o princípio do primado da intervenção informal e de proximidade (intervenção na base, em primeira linha, das Entidades com Competência em Matéria de Infância e Juventude, situando‑se as Comissões de Proteção num segundo patamar e o Tribunal no topo da pirâmide do sistema.

Este princípio tem como fundamento essencial a constatação de que a intervenção mais informal envolve menores riscos de estigmatização e suscita mais facilmente as sinergias e responsabilidades comunitárias. Alicerçado nesta base, é fundamental a intervenção, de primeira linha, das entidades com competência em matéria de infância e juventude — nomeadamente o município, freguesia, serviços de educação, saúde, segurança social, organizações não-governamentais, misericórdias, instituições particulares de solidariedade social.

Ao falarmos do princípio da subsidiariedade (Lei 147/99 de 01/09, art.º 4º), isso implica um modelo integrado de intervenção, uma estratégia que procure coordenar o desenvolvimento e a implementação de políticas transversais a departamentos e agências, especialmente para abordar problemas sociais completos como a exclusão e pobreza, de uma forma integrada. É uma estratégia que procura juntar, não só os departamentos governamentais, mas também um conjunto de instituições privadas e de voluntariado, trabalhando transversalmente tendo em vista um objetivo comum (Bogdanor, 2005). Esta governação integrada pressupõe uma cultura de responsabilização, onde o “intervir” pressupõe um intervir de modo consensual com os pais, representante legal ou pessoa que tenha a guarda de facto da criança ou do jovem, utilizando recursos próprios e, sempre que conveniente, em parceria com outras entidades. Uma das formas de corresponsabilidade que o sistema pressupõe é o que constitui como funções das Comissões de Proteção, nomeadamente na modalidade alargada: sensibilização e possível promoção de apoios a essas entidades para o exercício da sua competência (Art.º 18º da Lei 147/99, de 1/09).

Em qualquer dos três patamares de intervenção referenciados, é essencial ter em especial consideração - numa perspetiva dinâmica e criativa de profunda e constante densificação, em geral e a propósito de cada caso - a enorme relevância dos princípios orientadores da intervenção constantes do art. 4.º da Lei 147/99 de 01/99, pelo repositório que significa de valores fundamentais a ter constantemente em conta na concretização do sistema centrado na criança como sujeito de direitos.

Segundo Magalhães (2010), os maus-tratos na criança e jovem resultam, essencialmente, de aspetos como as várias vertentes do conceito de maus-tratos, relacionados com os fatores culturais, socioeconómicos e com a área profissional ao nível da qual é feita a sua abordagem. Desta afirmação podemos concluir que os “maus-tratos” emergem fundamentalmente das várias vertentes do conceito de maus-tratos, relacionados com os fatores culturais, socioeconómicos; e com a área profissional ao nível da qual é feita a sua abordagem, para além das várias modalidades de abordagem da problemática, desde a intervenção (informal ou formal) à prevenção.

O dever ser, e o como intervir, são fundamentos importantes - na medida em que tendo por centralidade o respeito pelos direitos da criança ou do jovem que lhes são confiados para cuidar e proteger - sem no entanto esquecer que essa mesma criança ou jovem tem uma identidade, tem raízes, criou afetos e tem um contexto sócio familiar próprio que importa preservar, sempre que possível, bem como por configurar uma clara vinculação à garantia do direito à privacidade e ao respeito. Deste modo, o conceito da subsidiariedade constitui-se como o princípio de base, na medida em que supostamente todos os outros princípios da intervenção (Princípios orientadores da intervenção - art. 4.º da Lei 147/99 de 01/99) são cumpridos, pois diz que a intervenção deve ser feita sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais. Todos devem trabalhar de um modo consensual, e considerar a família como pilar de toda a intervenção.

Uma pergunta se poderá fazer: onde se poderá posicionar o profissional de enfermagem no Principio da Subsidiariedade?

Penso que é consensual que o profissional de enfermagem poderá ser interventivo ao nível de todos os patamares da pirâmide, uma vez que desde sempre a interação com as famílias esteve presente nos cuidados de enfermagem, e a formação específica na área de enfermagem dos sistemas familiares permite-lhe o contacto com um corpo extenso de conhecimentos que abrange a teoria dos sistemas familiares, a avaliação, da investigação na família à intervenção (Wright e Leahey, 2009). Nesta linha de pensamento, o enfermeiro integra equipas/entidades de primeira linha, entidades com competência em matéria de infância e juventude (ex. unidades de saúde, instituições particulares de solidariedade social, associações de Jovens...). Num segundo patamar, integrando as comissões de proteção (como representante de uma entidade ou como cooptado), e no topo da pirâmide colaborando com as equipas de assessoria ao tribunal.

Contudo, e de acordo com o guia de orientações para os profissionais da saúde na abordagem de situações de maus-tratos ou outras situações de perigo, o enfermeiro, à semelhança de outro qualquer profissional com intervenção nesta área, deve ter em conta que:

  • Tem formação especializada e experiência na área específica da infância. A formação no domínio dos maus-tratos é necessária, na medida em que sensibiliza para a deteção dos casos e oferece ao profissional ferramentas para a compreensão e a abordagem destas situações;
  • Deverá atuar em relação à problemática dos maus-tratos numa perspetiva integral. Isto é, deve considerar a criança, tal como os restantes doentes, como um todo biopsicossocial, imerso num meio familiar, ambiental e social que é fulcral para o seu desenvolvimento e bem-estar.
  • Os maus-tratos têm origem psicossocial. Os maus tratos ocorrem em consequência de disfunções nas dinâmicas das relações criança - pais/prestador de cuidados. É muito frequente os sintomas que a criança apresenta, como comportamentos de oposição ou estados de “nervosismo”, deverem-se à situação sociofamiliar que está a viver e às relações em que se encontra imersa. Por isso, é conveniente uma abordagem ecossistémica considerando não só os sintomas que a criança apresenta, mas também as suas circunstâncias familiares e socioculturais. O aconselhamento, nestes casos, parece ser uma resposta importante (Pedreira, 1990).
  • O objetivo fundamental é a proteção da criança. A criança deve ser protegida, atendendo-se a uma das suas necessidades básicas que é a de poder estabelecer laços seguros e saudáveis com os seus cuidadores num ambiente familiar.
  • A criança é um indivíduo com direitos e as intervenções devem ser vocacionadas para a prevenção de todas as situações que sejam suscetíveis de violar os seus direitos e prejudicar o seu desenvolvimento.
  • É fulcral que desde o princípio estabeleça uma relação de confiança com os pais / cuidadores, motivando-os para uma intervenção do tipo psicossocial. A confiança e a motivação dos pais / cuidadores são fatores imprescindíveis para reconhecerem o problema de relação e abuso com os filhos, e para aceitarem a ajuda psicossocial.
  • É inevitável fomentar a coordenação com outros profissionais através de um enfoque interdisciplinar e intersectorial, para evitar a falta de respostas e / ou a duplicidade de intervenções.
  • Deverá facilitar a transmissão de informação integrando, sempre que possível, dados complementares recolhidos por outros profissionais. A informação transmitida deve ser fundamentada em afirmações precisas, apoiadas em dados médicos, e incluir uma avaliação dos fatores de risco psicossociais.
  • É crucial dispor de instrumentos que permitam recolher de forma ordenada e sistemática as características dos maus-tratos, bem como protocolos de intervenção que facilitem e sistematizem o tratamento destas situações.
  • Necessita de conceder tempo e tomar as precauções necessárias para estudar o caso (e.g.: reações da criança, da família, da relação pais - filhos) com objetividade e profundidade.
  • A criança maltratada tem necessidades emocionais importantes e requer uma atenção, cuidados e apoio especiais.

É notório que o enfermeiro, na área dos cuidados primários e serviços de pediatria, mantém um contacto constante e estreito com os pais e a criança. Este contacto periódico e estreito com os pais e a criança durante a infância, mais particularmente nos cuidados primários, permite ao enfermeiro efetuar um acompanhamento do desenvolvimento físico da criança, do seu nível de desenvolvimento geral e dos cuidados que recebe. Esse contacto próximo também permite ao enfermeiro observar disfunções nas relações pais / filho e investigar as situações em que existe suspeita de maus-tratos. Segundo Ferreira (2011), podemos dizer que a capacidade destes profissionais deverá assentar em três condições: responsabilização ética; competência técnica e exigência técnica; e sensibilização socioeducativa dos pais/cuidadores para estabelecer bases de educação adequadas e promover relações positivas entre pais e filhos.

  • Deteção de algum tipo de lesão ou sequelas resultante de abusos ou negligências.
  • Deteção de atrasos de desenvolvimento ou problemas comportamentais que não tenham uma etiologia orgânica diagnosticada.
  • Deteção de risco ou perigo devido à incapacidade temporária ou permanente dos seus pais / cuidadores, seja por abuso de substâncias ou devido a perturbações psicopatológicas, elevado nível de stress, problemas físicos ou comportamentais significativos na criança, etc.
  • Atenuação das crises de origem ambiental, encaminhando os pais / cuidadores para a Equipa Municipal de Serviços Sociais, que pode prestar ajuda económica, psicoterapêutica, habitacional, laboral, etc.
  • Colaboração na ação protetora dirigida por outros profissionais: facultando relatórios documentados sobre o estado de saúde da criança, informando sobre a origem das lesões, etc.; proporcionando informação periódica acerca da evolução da saúde da criança ao serviço territorial competente em matéria de proteção de crianças; participando na concretização dos objetivos da ação protetora, nomeadamente apoiando e ensinando os pais / cuidadores a satisfazer as necessidades físicas e emocionais do filho, e reforçando o seu envolvimento nos cuidados a prestar a este último, etc.

Podemos dizer que o profissional de enfermagem, principalmente nas áreas de pediatria e cuidados primários, tem grande comprometimento na prevenção e proteção do mau trato à criança e jovem. Contudo, e face às responsabilidades descritas anteriormente atribuídas a este profissional no âmbito da proteção e prevenção dos maus tratos à criança e jovem, acrescido de tempos marcados pela complexidade, com uma enorme frustração pela ausência de soluções definitivas para os principais problemas sociais e o condicionamento da crescente escassez de recursos, impõe-se o desafio de procurar novos caminhos.

No manifesto desta procura, impõe-se a qualquer técnico (com intervenção no grave problema de saúde “violência contra crianças e jovens”) uma capacidade crítica e um pensamento reflexivo, com impacto na responsabilidade social e na resposta profissional competente e de qualidade aos desafios da sociedade contemporânea, marcada pela globalização social.

Segundo Ferreira (2011), esta capacidade deverá assentar em três condições: responsabilização ética; competência técnica; exigência técnica, onde a responsabilização ética, com a introdução das novas tecnologias, obriga a repensar o modus de trabalho e as interações entre parceiros, e a reelaborar metodologias de intervir institucionalmente. No que se refere à competência técnica, pressupõe um maior conhecimento teórico por parte do profissional com intervenção na área dos maus tratos a crianças e jovens, tornando-se produtor de elementos essenciais à qualificação e requalificação dos quadros metodológicos de intervenção.

Relativamente à exigência técnica, flutua com a interdisciplinaridade (melhor dizendo, transição da multidisciplinaridade para a interdisciplinaridade), a qual implica uma metalinguagem que no seu princípio respeite a heterogeneidade dos saberes. Esta será visível no saber fazer...saber aprender... saber ser com o outro.

Em suma, face à conjetura que a atualidade impõe aos vários profissionais no âmbito do mau trato a crianças e jovens, há a necessidade permanente de introduzir novas tecnologias de informação e comunicação, adequar as metodologias de avaliação e intervenção no processo interventivo dos mesmos, obrigando estes profissionais a reequacionar teorias e metodologias de suporte à sua pratica, sem prejuízo do seu conteúdo teórico, epistemológico, metodológico, instrumental, analítico e qualitativo, enquanto bases históricas e culturais que constituem o fundamento e dimensão científica da sua profissão.

Lalayantes & Epstein (2005) referem que a intervenção com crianças vítimas de maus-tratos e negligência requere um conjunto alargado de profissionais com competências técnicas complementares, assim como a mobilização de diversos recursos da comunidade. O manifesto que subsiste a esta realidade leva-nos a refletir nalguns pontos com os quais hoje nos confrontamos enquanto presidente da Comissão de Proteção de Menores de Viseu e que passamos a expor seguidamente. 

Concordamos com Graças & Passos (2013), quando nos referem no seu estudo “O Papel da Liderança de Equipas no contexto das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens”, que a liderança das equipas multidisciplinares, que intervém com crianças e jovens em risco, é crucial para melhorar a eficácia da sua intervenção que, por sua vez, tem impacto em toda a comunidade.” Dizemos mais: a eficácia das Comissões de proteção de crianças jovens, devido às suas características, têm um forte impacto a nível das crianças, jovens e família com quem intervêm, assim como as entidades e instituições que delas fazem parte e que nelas estão representadas. Por isso, é de extrema importância repensar o papel do presidente destas organizações, assim como da representatividade das entidades que se fazem afigurar sem descurar as características e a configuração como destacam o seu representante. No entanto, e num sentido construtivo a serem investigados e trabalhados, parece-me importante salientar algumas ideias resultantes da minha experiência como presidente, algumas das quais já foram também sentidas e salientadas por Ferreira (2011).

É intolerável que uma comissão com um volume processual na ordem dos 600 processos / ano trabalhe apenas com dois técnicos a 100%, e nove técnicos afetos um dia e meio por semana, sendo que nestes nove há uma rotatividade constante. É imprescindível que os tempos de afetação às comissões sejam revistos. Para além de “mais tempo nas comissões”, tem que haver uma maior articulação entre as entidades com competências em matéria de infância e juventude, a tão desejada governação integrada que se discute na atualidade. Há necessidade urgente de consciencializar as várias entidades parceiras e integrantes para a área dos menores, e que esta é de intervenção prioritária conforme refere o artigo 25º da Lei 147/99, de 01/09.

Não é tolerável que uma comissão não faculte recursos materiais e físicos que possibilitem a privacidade, segurança nas condições de trabalho e outros confortos que compensem e confortem aquelas situações mais difíceis por que passam os vários intervenientes.

Como trabalho desgastante e complexo que é, urge uma maior supervisão. Esta poderia passar por garantir uma maior proximidade com os tribunais de família e menores de forma a agilizarem procedimentos e a desburocratizarem a intervenção.

Na minha opinião, as Comissões deveriam ser um serviço com autonomia funcional, financeira e jurídica, com quadro de pessoal próprio e especializado. Não pode ser subsidiada pela cooptação ou, melhor dizendo, pela boa vontade individual. No formato atual de uma comissão, reina a burocracia em vez de reinar a ajuda, a operacionalização das respostas e a prevenção. Um dos nossos objetivos enquanto presidente da Comissão de Menores de Viseu é intensificar a atividade da comissão alargada e uma maior envolvência da comunidade. Se há campo onde poderemos aproveitar a boa vontade individual (e o voluntariado) é na área da prevenção da criança e jovem, a qual simultaneamente protege e promove os seus direitos. 

É consensual, entre a maior parte dos técnicos com os quais convivemos periodicamente, que é urgente e necessário criar maior espírito de prática em equipa multidisciplinar a tempo inteiro, e criar instrumentos de recolha de informação mais simplificados e eficazes.

Para terminar, anuímos com Auslooc que “o profissional necessita de apreender a valorizar e a reconhecer os processos de mudança mínima, atribuindo à família capacidades para aprender e / ou responder a melhorar a sua qualidade de vida” (Auslooc 1996).

Conclusão

Podemos garantir que a nossa ordem jurídica dispõe de um assinalável conjunto de dispositivos jurídicos muito relevantes para o reconhecimento e a concretização dos direitos da criança. Dentro desses instrumentos mais significativos da ordem jurídica portuguesa importa considerar, nomeadamente, a Convenção dos Direitos da Criança, a Constituição da República Portuguesa e a legislação ordinária.

A intervenção no domínio da Lei 147/99 de 1/09 processa‑se segundo o princípio da subsidiariedade, ou seja, o princípio do primado da intervenção informal e de proximidade (intervenção na base, em primeira linha, das Entidades com Competência em Matéria de Infância e Juventude, situando‑se as Comissões de Proteção num segundo patamar e o Tribunal no topo da pirâmide do sistema) [1] Cf. os arts. 4.º, al. j), 8.º, 11.º, 67.º e 68.º, todos Lei 147/99 de 1/09. É fundamental a intervenção, de primeira linha, das Entidades com competência em matéria de infância e juventude.

A intervenção com crianças vítimas de maus tratos e negligência requere um conjunto alargado de profissionais com competências técnicas complementares, assim como a mobilização de diversos recursos da comunidade.

Foi consensual que o profissional de enfermagem, principalmente o que exerce funções nas áreas de pediatria e cuidados primários, tem grande comprometimento na prevenção e proteção do mau trato à criança e jovem.

Por fim, a eficácia das Comissões de proteção de crianças jovens, devido às suas características, tem um forte impacto a nível das crianças, jovens e família nas quais intervém, assim como as entidades e instituições que dela fazem parte e que nela estão representadas.

Referências Bibliográficas

Ausloos, Guy (1996), A Competência das Famílias – Tempo, Caos, Processo. Lisboa. Climepsi Editores.

Bogdanor, V. (ed) 2005). Joined.up Government, Oxford University Press.

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Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinquência juvenil, de 14 de Dezembro de 1990 (Diretrizes de Riade).

Ferreira, Jorge M. L. (2011). Serviço Social e Modelos de Bem-Estar para a Infância: Modus Operandi do Assistente Social na Promoção da Proteção à Criança e à Família. Lisboa, Quid Juris.

Graças, Ana Margarida Graça & Passos, Ana Margarida (2013)-Crianças em risco e perigo, contextos, investigação e intervenção: O papel da liderança de equipas no contexto das comissões de proteção das crianças e jovens. Lisboa, Edições Silabo, Lda.

Lalayantes, M. & Epstein, I. (2005). Evaluating multidisciplinar child abuse and neglect teams: A research agenda.Child Welfare, 84.433-458.

Magalhães, T. (2010). Violência e abuso - Estado da Arte. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.

Pedreira, J.L. (1990). Aproximación sociopsicológica a los malos tratos a la infancia. Pediatría Infanto Juvenil, 4. 250-258.

Recomendação R (90) 2 do Comité de Ministros aos Estados-Membros sobre medidas sociais relativas à violência no seio da família.

Soriano, F. Javier Romeu et all (2004). Promoção e Proteção dos Direitos das Crianças: guia de orientações para os profissionais da saúde na abordagem de situações de maus tratos ou outras situações de perigo. Generalitat Valenciana

Ramião, Tomé D´ Álmeida (2014). Lei de Proteção de crianças e Jovens em Perigo – Anotada e Comentada 7.ª Edição (revista e atualizada. Lisboa, Quid Juris.

 

António Manuel da Costa Fernandes

Enfermeiro especialista em saúde infantil e pediátrica no CHTV, serviço de Neonatologia e Vmer.

Presidente da CPCJ de Viseu.

Licenciatura em enfermagem (1997).

Mestrado em Saúde Infantil e Pediátrica.

Mestrado em Intervenção Psicossocial em Crianças E Jovens em Perigo.

A Frequentar o Doutoramento em Serviço Social (iscte-iul).

Autor: 
António Fernandes
Nota: 
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