Criar 900 “peritos em depressão” nos centros de saúde
Os centros de saúde são muitas vezes a primeira porta de entrada no sistema de saúde para pessoas com depressão, mas muitos dos seus profissionais não estão preparados para lidar com este problema de saúde, afirma o psiquiatra Ricardo Gusmão. Um programa nacional de formação vai criar nos centros de saúde 900 “peritos em depressão”, entre médicos de família, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais, explica o responsável pelo projeto. Dois dos objetivos são a prevenção do suicídio e a redução do consumo de ansiolíticos, escreve o jornal Público na sua edição digital.
O psiquiatra Ricardo Gusmão estima que 20% das pessoas que vão ao médico de família tenham tido uma depressão no último ano. Mas cerca de 90% são depressões ligeiras a moderadas, nota, e nestes casos “não faz sentido referenciar para a psiquiatria. Há a capacidade para tratar nos cuidados primários.”
O problema é que os médicos de família tiveram durante a sua formação cerca de duas a três cadeiras de saúde mental e passaram três meses num serviço de psiquiatra. “É muitíssimo pouco”, diz. Depois disso, ficam por sua conta.
Ricardo Gusmão afirma que a resposta de muitos médicos de família, quando percebem que podem estar em causa depressões, "é prescreverem um placebo, caso dos fortificantes, ou benzodiazepinas [ansiolíticos]” ou então receitam antidepressivos. Mas também "há médicos de família que não percebem que podem estar em causa sintomas de depressão e, se percebem, muitos não sabem o que fazer". Este projeto pretende chegar a cerca de 15% a 20% dos médicos de família do país.
Mas, nota o médico, “temos de ser justos, os médicos de família não tem tempo para fazer psicoterapia, nem os psicólogos [dos centros de saúde]”. Então o objetivo é que seja dada formação a cerca de 900 profissionais, entre médicos, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais, que funcionarão como “peritos em depressão” e que, por sua vez, deverão transmitir os conhecimentos que adquiriram a 3400 profissionais das suas respetivas áreas.
O programa quer chegar a um total de 4300 profissionais e assim atingir um milhão de utentes, entre os quais 200 mil pessoas com depressão e outras doenças mentais, ajudando a prevenir o suicídio, já que se admite que “o suicídio é uma complicação da doença mental, nomeadamente da depressão”, explica Ricardo Gusmão, que é presidente da Eutimia-Aliança Europeia Contra a Depressão em Portugal, associação que propôs o projeto.
O projeto Primary Care Mental Health Sustained Capacity-Building for Depression and Suicidal Behaviour (PrimeDep), prevê um modelo de formação de oito horas mais 4 de e-learning. “Pretende-se que os médicos de família aprendam a diagnosticar, a prescrever e a monitorizar corretamente”, notando que prescrever benzodiazepinas ou antidepressivos deveria implicar que “o doente deveria ser visto pelo menos uma vez por mês, para aferir o resultado”.
A ideia é que muito do trabalho de seguimento possa ser feito por enfermeiros e psicólogos que possam criar “grupos psicoeducacionais”, onde é transmitida ao doente informação sobre a sua doença, sobre como gerir os seus sintomas, conhecer os efeitos secundários dos medicamentos. E, como objetivo último, deverão ser criados grupos de auto-ajuda de doentes.
Outras das ferramentas do programa envolverá uma plataforma informática que poderá ser prescrita pelo médico, sendo dado ao doente um login e palavra-passe, sendo o seu uso acompanhado por um profissional de saúde. "É uma ferramenta de auto-ajuda guiada”, que será “receitada” caso estejam cumpridos alguns critérios, como, por exemplo, o utente não querer tomar medicação, ter alguma literacia informática, explica o médico.
O programa vai ser posto em prática em centros de saúde das administrações regionais de saúde do Norte, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. O Alentejo e Algarve são as regiões do país com maiores taxas de suicídio, “nessas regiões a cobertura é quase integral”, sublinha.