Doentes mentais são sobre medicados “para não chatearem os familiares”
A criação de residências específicas para pessoas com doença mental, prevista no decreto-lei dos Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental desde 2010, não saiu do papel. Maria João Neves, representante da Rede Nacional de Pessoas com Experiência de Doença Mental, fala ao jornal Publico Online das consequências desta falta de rede. Com reformas que rondam os 280 euros, as pessoas vêem-se obrigadas a ficar em casa de familiares, mesmo quando estão sujeitos a situações de violência. Perante a falta de soluções na comunidade, “resta aos médicos sobre medicarem as pessoas para não andarem a chatear os familiares. Para não andarem a chatear ninguém”.
Pelo menos desde 2008 que é uma promessa política, criar residências para que pessoas com doença mental possam viver na comunidade, com o máximo de autonomia, ajustadas ao seu estado de saúde. O decreto-lei de 2010 prevê residências de treino de autonomia, residências autónomas de saúde mental, de apoio moderado e de apoio máximo.
“A lei está em águas de bacalhau, ficou bloqueada por falta de dinheiro”. À rede, um movimento cívico criado em 2005 para defender direitos civis e políticos de pessoas com experiência de doença mental, chegam as queixas. “As pessoas vivem em casa com os familiares, sujeitam-se às condições que os familiares lhes impõem”. Fala do caso de uma mulher cujo pai faz questão de dizer a toda a gente, incluindo a todos os vizinhos no prédio onde vive, que “tem em casa uma doente mental”. Ou de um utente, vítima de violência doméstica, que ligou para a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima a pedir ajuda. Foi aconselhado a sair de casa. “E ia para onde? As poucas residências que existem estão cheíssimas”. “Mesmo as pessoas que são sujeitas a violência doméstica não podem sair de casa” e “sem residências, não têm alternativa à vida mesquinha dentro de casa, sem projectos de vida”.
O objectivo é que as pessoas aprendam a viver por si próprias, a fazer a sua comida, a passar a ferro, limpar os seus quartos. Toda a vida da pessoa se transforma quando entra numa residência e ganha, com ajuda de técnicos, autonomia, explica Maria João Neves, que tem doença bipolar, e tem o privilégio de poder viver numa residência comunitária para pessoas com problemas de saúde mental, da Associação para o Estudo e Integração Psicossocial (AEIPS), em Lisboa.