Plataforma Gulbenkian para um Sistema de Saúde Sustentável

Comissão de peritos propõe ”uma nova visão do Sistema Nacional de Saúde”

Uma comissão, presidida por Nigel Crisp, que liderou o Serviço Nacional de Saúde britânico, respondeu ao desafio da Plataforma Gulbenkian para um Sistema de Saúde Sustentável de “construir uma nova visão do Sistema Nacional de Saúde”.

Uma comissão de peritos propõe um novo pacto que redireccione o sistema de saúde para a pessoa e não apenas o doente, tutelado por um organismo em que os cidadãos participem e com um “fundo” que financie a mudança.

A comissão contou com o contributo de 35 especialistas portugueses de diferentes áreas até chegar ao relatório final, que será apresentado hoje [23 de Setembro] em Lisboa.

O documento aponta no sentido de uma “mudança radical para melhorar a saúde e criar um sistema de saúde que seja sustentável no futuro” e propõe um novo pacto na saúde, em que todos terão um papel a desempenhar – os cidadãos, os profissionais da saúde, os professores, os empresários, as autarquias e o Governo”.

“A saúde não pode ficar entregue exclusivamente aos profissionais do sector ou aos políticos, nem pode ser encarada simplesmente como uma área de negócio ou um serviço do Estado”, justificam os autores do documento.

Os peritos defendem “uma transição do sistema actual, centrado no hospital e na doença, em que todas as acções têm como objecto e alvo o doente, para um sistema centrado nas pessoas e baseado na saúde, em que os cidadãos são parceiros na promoção da saúde e na organização dos cuidados”.

Para tutelar este “pacto para a saúde”, a Comissão defende a criação de um Conselho Nacional de Saúde, “representativo dos cidadãos e de todos os sectores da sociedade” e que deverá ser “politicamente independente e responsável perante a Assembleia da República, o ministro da Saúde e a população em geral”.

Outra recomendação passa pela criação de um novo organismo – o SNS Evidência –para “conjugar o programa existente de normas de orientação clínica com novos processos para avaliação das novas tecnologias e terapias, assegurando que o sistema faculta, de forma sempre actualizada e crítica, o melhor conhecimento científico disponível (as evidências científicas)”.

Para “ajudar a suportar os custos de 'redundância' e outros custos provisórios do desenvolvimento de um sistema de saúde, em que haja melhor gestão das doenças crónicas, mais serviços domiciliários nas comunidades locais e redes de especialidades cobrindo todas as regiões do país”, a comissão defende a criação de “um fundo de transição”.

A comissão deixa um repto aos cidadãos e à sociedade em geral: “Os cidadãos terão de estar na posse dos seus registos de saúde, de dispor de informações sobre a qualidade e os custos dos serviços e de participar nos processos de decisão”.

Uma das áreas em que os especialistas elegeram vantagens nas contribuições dos cidadãos é nas doenças crónicas, exemplificando com a dimensão da diabetes em Portugal, onde a doença tem um especial impacto.

Para essa nova participação dos cidadãos na saúde, os especialistas recomendam uma série de medidas, como “um novo programa intersectorial do governo para a educação e literacia da saúde que prepare, em termos práticos, os cidadãos para se manterem saudáveis e para, quando doentes, participarem na tomada de decisões”.

“Este programa deverá ter grande visibilidade e ser liderado por um grupo de embaixadores, incluindo personalidades dos meios de comunicação, em coordenação com os ministérios da Saúde e da Educação”.

Os especialistas sugerem que seja “dada elevada prioridade à plena implementação de um registo de saúde electrónico, como base essencial para um serviço integrado de alta qualidade e que faculte aos cidadãos, em formato electrónico ou outro, toda a informação sobre a sua saúde” e “uma fonte única de informação acreditada acessível a todos os cidadãos, eventualmente integrada no Portal da Saúde”.

“O Ministério da Saúde deverá nomear não-profissionais para representar a perspectiva dos cidadãos e dos doentes perante os órgãos de gestão das instituições de saúde”.

 

Exagero na utilização de urgências e poucos cuidados de longa duração

A comissão conclui ainda que Portugal tem cuidados primários pouco desenvolvidos, uma utilização exagerada dos serviços hospitalares de emergência e trauma e menor capacidade em cuidados de longa duração.

Segundo o relatório “Um Futuro para a Saúde – todos temos um papel a desempenhar”, elaborado por peritos nacionais e internacionais, em resposta ao convite da Plataforma Gulbenkian para um Sistema de Saúde Sustentável para construir uma nova visão do Sistema Nacional de Saúde (SNS), “o envelhecimento da população e o aumento das patologias crónicas de longa duração exigem que novos serviços sejam criados”.

Os especialistas defendem “serviços domiciliários e de proximidade mais disponíveis, com a participação das instituições de solidariedade e voluntariado, para melhorar a oferta de cuidados de longa duração, de cuidados paliativos e de saúde mental, tirando vantagem dos avanços da medicina e da tecnologia para novas formas de monitorizar parâmetros de saúde, novas formas de diagnóstico e tratamento”.

Outra recomendação vai no sentido da melhoria das “condições para a gestão das doenças crónicas, tendo como alvo 5,5 milhões de pessoas que padecem de uma ou mais patologias crónicas”.

“Este objectivo deve incluir cerca de 4% da população que sofre de cinco ou mais doenças crónicas, reconhecendo que 5% dos doentes com períodos de internamento hospitalar mais longos usam cerca de 31% das camas”.

“A criação de uma rede de referenciação de especialidades, por exemplo nas áreas do cancro e dos acidentes vasculares, para facilitar a articulação de cuidados em grandes centros e regiões, melhorando os seus níveis de prestação e libertando financiamento que pode ser investido em outros serviços” é ideia igualmente defendida pela comissão, presidida por Nigel Crisp, que liderou o SNS britânico (NHS).

 

Redução de infecções hospitalares e doenças crónicas pode financiar SNS

Nigel Crisp, aposta em medidas como a redução das infecções hospitalares e da diabetes para melhorar a vida das pessoas e também a saúde financeira do sector em Portugal.

Numa conversa informal com os jornalistas, Nigel Crisp disse não acreditar na possibilidade do orçamento para a saúde ser reforçado, mas defende a ideia de ir buscar mais financiamento na prevenção de doenças e respectiva despesa.

A este propósito, deu o exemplo das infecções hospitalares que, segundo dados oficiais, representam uma despesa de 280 milhões de euros por ano. Se esse valor for reduzido, além da saúde dos portugueses, serão as finanças da saúde a melhorar, pois esse valor poderá ser encaminhado para outras áreas, disse.

O antigo responsável pelo serviço nacional de saúde inglês, que enalteceu o SNS português, considerando que esta foi a maior das conquistas de Abril, reconheceu que ao estudar o sistema português ficou surpreendido com alguns dados, nomeadamente o número de anos de vida saudável depois dos 65 anos.

De acordo com o relatório, “os homens e as mulheres portugueses têm em média seis e 6,6 anos de vida saudável depois dos 65 anos, respectivamente, enquanto os noruegueses têm, respectivamente, 15,9 e 15,4 anos”.

“A taxa elevada de morbilidade na população idosa é o maior desafio financeiro com que o país se defronta na saúde. A sustentabilidade futura do sistema de saúde dependerá da sua redução”, prossegue o documento.

O especialista abordou ainda a despesa que cada português tem com a saúde, afirmando que, em 2013, esta totalizou cerca de 27% da despesa total em saúde, enquanto o valor equivalente em França foi de 7%, e em Espanha 20%.

Por outro lado, “Portugal gasta em cuidados de longa duração aproximadamente 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB), valor muito inferior ao de outros países da Organização para a Cooperação Económica e Desenvolvimento (OCDE), em que esses cuidados representam cinco, dez ou vinte vezes mais da despesa pública”.

Para mostrar como é possível passar da teoria à prática, a Fundação Calouste Gulbenkian anunciou um desafio a que a organização se propõe; reduzir a incidência das infecções hospitalares, baixando as taxas actuais para metade, em três anos, em 10 hospitais, que ainda não foram escolhidos.

Suster o crescimento da incidência da diabetes, em cinco anos, evitando que 50 mil pessoas desenvolvam a doença e ajudar o país a tornar-se um exemplo na saúde e no desenvolvimento dos primeiros anos de infância, com melhorias quantificáveis nos indicadores de saúde e bem-estar das crianças, são os outros desafios.

Com estas medidas, que serão financiadas, embora ainda não seja conhecido o montante do investimento da Fundação, o SNS deverá poupar entre 1 a 3% da despesa anual, segundo consta do relatório.

 

Fundo de Estabilização do SNS para avaliar custo-benefício

O relatório dos peritos defende a criação de um Fundo de Estabilização do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para funcionar cinco anos na avaliação da relação benefício-custo de serviços. Segundo o relatório, esse fundo deverá responder perante o Parlamento e o Conselho Nacional de Saúde, este último por criar.

Os peritos consideram que a estratégia de sustentabilidade do SNS deve passar por “melhorar a qualidade e reduzir os custos”.

Para tal, deverão ser eleitas como áreas principais de mudança a redução da morbilidade (prevenção das doenças e diminuição do tempo de enfermidade), uma “aplicação eficaz das evidências científicas e a adopção da melhoria contínua da qualidade, com o objectivo de diminuir o desperdício em saúde, bem como uma mudança da infra-estrutura do sistema de saúde”.

Os peritos defendem o “desenvolvimento do processo de contratualização e de contratação, centrando as medidas nos resultados, analisando continuamente a experiência internacional associada à introdução da concorrência e assegurando uma flexibilidade suficiente desses mecanismos para fazer face às exigências da evolução dos cuidados de saúde, através de novos métodos e formas de prestação”.

Para este grupo de peritos, “só se alcançará a sustentabilidade financeira através da redução da incidência de doenças crónicas de longa duração e da morbilidade que lhes está associada, desenvolvendo para elas novos modelos de cuidados, assegurando que as evidências científicas são aplicadas de uma forma sistemática em toda a parte e que o desperdício é reduzido ao mínimo”.

“A introdução de novos mecanismos de financiamento e de incentivos baseados nos resultados em saúde, se bem geridos, poderá ajudar à sustentabilidade”, garantem os autores do documento.

Os peritos alertam que “a viabilidade financeira do sistema irá depender da vontade para incluir a saúde em todas as políticas, da promoção eficaz da saúde e da intervenção concertada dos cidadãos, da sociedade em geral e dos profissionais de saúde”.

Após analisarem a despesa e as receitas do sector, os autores do documento concluíram que “haverá pouca margem para aumentar a receita sem ser através do aumento de impostos sobre produtos e serviços não saudáveis”.

 

Director-geral de enfermagem para reforçar papel destes profissionais

A nomeação de um director-geral de enfermagem que vise o reforço do papel destes profissionais é uma das recomendações dos especialistas, que identificou um “subaproveitamento das capacidades da enfermagem” em Portugal.

A medida deverá reforçar o papel destes profissionais, tendo em conta que em Portugal “a enfermagem está relativamente subaproveitada nas suas capacidades relativamente ao que ocorre noutros países europeus, pelo que os profissionais de enfermagem poderão desempenhar funções mais amplas e mais proeminentes no futuro”.

No relatório, os peritos defendem o aumento do número de enfermeiros “tanto quanto o orçamento permita”. “No seguimento da introdução da nova figura do 'enfermeiro de família', deverá também haver uma reflexão sobre o alargamento do papel dos enfermeiros e de outros profissionais em outras áreas”, prossegue o documento.

 

Fonte: 
LUSA
Nota: 
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