Ferramenta de Toque pelos enfermeiros: Que atitude tomar?
O toque é uma ferramenta de comunicação não-verbal, o emissor pode enviar mensagens positivas e negativas para o recetor, dependendo do momento, forma e local onde ocorre (Blondis & Jackson, 1982; Schimidt & Silva, 2013; Ferreira & Callado, 2013; Soares & et al, 2014).
Esta ferramenta terapêutica é caracterizada pela duração, localização, velocidade de aproximação (abrupto ou gradual), intensidade, pressão, frequência e sensação provocada (reação de conforto ou desconforto na pele ao receber ou transmitir o estímulo) (Schimidt & Silva, 2013).
Atualmente, a aplicação do toque leva-nos a refletir sobre um paradoxo curioso: os estudos científicos têm incentivado os profissionais de saúde à aplicação regular desta ferramenta, mas na prática de cuidados assiste-se a uma mitigação da sua utilização.
Os enfermeiros, que minimizam a aplicação do toque nos seus planos de trabalho, alertam que o processo de tocar nem sempre é percecionado de forma positiva, não produzindo benefícios esperados. Também a falta de tempo associada às exigências laborais, receio de produzir constrangimentos de cariz sexual, medos infundados de contrair doenças infeciosas, fomentarem interpretações erradas das suas intenções, invadirem o espaço de conforto de terceiros, não gostarem de ser tocados e consequentemente não gostarem de tocar são algumas das asseverações apontadas pelos profissionais, para justificar a sua exclusão no processo de cuidados de enfermagem (Field, 2003; Lopes & et al, 2009; Silva & et al, 2012; Silva & et al, 2013).
Os investigadores do “toque” por outro lado alertam para os factos cientificamente aceites, da diferenciação da perceção de um mesmo objeto por pessoas diferentes, deturpando essa representação mental, de acordo com a personalidade, fatores culturais, sociais e religiosos (Lopes & et al, 2009). Pelo que as experiencias negativas do toque deverão ser analisadas pontualmente.
Pouco toque na prestação dos cuidados
A decisão de não aplicar a ferramenta de toque na prestação de cuidados é compreendida, pelos profissionais que a utilizam, como uma incongruência dos dias atuais, pois vivemos na era do conhecimento. “Nunca se soube tanto de como evitar, prevenir e promover doenças! Como pode um profissional cientificamente sustentado viver com receio de utilizar a primeira ferramenta de comunicação humana, grátis, acessível, disponível, indolor e inevitável? “.
Estes justificam a inevitabilidade do recurso ao toque na prestação de cuidados de saúde, pela existência de três tipos de toque: toque instrumental, toque afetivo/expressivo e toque expressivo-instrumental (Dias & et al, 2008; Silva & et al, 2013; PerencinI & Ribeiro, 2011).
O toque instrumental está associado às condições laborais, ou seja diz respeito a todos os tipos de toque desenvolvidos num contexto profissional de resolução de um procedimento ou ação de uma determinada profissão. É o tipo de toque mais frequente na prestação de cuidados de saúde.
O toque expressivo ou afetivo é o tipo de toque mais frequente entre os seres humanos inseridos em sociedade. O toque de caricia, cumprimento social, afetividade, amor, sexo, raiva, ódio. Normalmente associado a estados emocionais.
O Toque expressivo-instrumental que envolvendo os outros dois tipos de toque referidos.
Em ensaios mais recentes, tem surgido referência a um quarto tipo de toque denominado de toque com fins terapêutico. Neste tipo, existe uma aplicação de toque expressivo-instrumental em que a consciência do processo de tocar é mais complexo, uma vez que visa sempre obter um benefício intencional ao recetor.
Neste tipo de toque é exigido um domínio e apropriação de conhecimentos e técnicas especificas de um procedimento com consciência do toque efetivo. As teorias neste tipo de toque permitem catalogar as várias terapias/técnicas desenvolvidas, segundo três categorias: as teorias manipulativas, energéticas e as combinadas. Por exemplo um dos tipos de toque terapêutico mais aplicado é a massagem terapêutica que se insere nas teorias manipulativas.
Assim sendo, depreendemos que a ferramenta “toque” é indispensável e que muitas vezes é executada mecanicamente, sendo inevitável na prestação de cuidados de enfermagem especificamente. Não podemos não tocar! (Lopes & et al, 2009).
Ashley Montagu (1971) antropologista e humanista inglês investigou os efeitos humanizantes do toque e advertiu, já no século passado, para a negligência do sentido do tato. Se por um lado se acreditava erroneamente que tocar em excesso uma criança esta ficaria mimada, hoje crê-se que não existe toque em demasia, e que em especial as crianças usufruem muito desta ferramenta.
Muito importante ao crescimento físico, intelectual, emocional e social
O toque é considerado, pelos especialistas, muito importante para o nosso crescimento físico, intelectual, emocional e social, não sendo casual o facto, do tocar utilizar o sentido do tato e este ser aplicado na pele, que é o maior órgão humano.
Não descurando que a pele é o órgão mais pesado (3 a 4 Kg) e o mais extenso no corpo humano (1.5 a 2 m²).
Podendo ser possível observar em 3 cm de diâmetro mais de 3 milhões de células, entre 100 e 340 glândulas sudoríparas, 50 terminações nervosas e 90 cm de vasos sanguíneos, pelo que a atenção sobre ela é fundamental (Montagu, 1971; Hertenstein & Weiss, 2011).
Anzieu (1989) & Montagu (1971) alertam para as consequências da privação do toque, podendo surgir alterações a curto e longo prazo. Como sejam: alterações do crescimento, desenvolvimento mental e emocional, propensão para a agressividade, violência, doenças/transtornos psicológicos relações interpessoais menos satisfatórias.
Nos Estados Unidos da América desde 1992 que existe já o primeiro Instituto de pesquisas do Toque “The Touch Research Institute”, na escola de medicina da Universidade de Miami, dirigido pela Doutora Tiffany Field onde se tem desenvolvido muita informação e conhecimento sobre esta área, cujo contributo é imprescindível para a área da saúde (Weiss, 1979; Field, 1995; Hertenstein & Weiss, 2011).
Saul Schanberg contribuiu para a realidade supracitada uma vez que ele desenhou modelos curriculares para as escolas de saúde em que introduziam unidades curriculares de Toque, pois segundo este autor o “Toque” foi a ferramenta que fundou as ciências médicas (Kuhn, 2010).
Atualmente é possível consultar várias investigações sobre o toque como ferramenta na saúde com evidência de vários benefícios, como sejam: imunológicos; produção de bem-estar; redução de estados de ansiedade, stresse, medo, tristeza. Instiga a autoimagem e confiança pessoal (Lopes & et al, 2009; Silva & et al, 2012; Schimidt & Silva, 2013).
Os estudos evidenciam também, alterações nos parâmetros vitais e dosagens hormonais, como sejam respetivamente: a pressão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória, dor, temperatura, saturação periférica de oxigénio, níveis de ansiedade e stresse diminuídos com evidências ao nível das dosagens de cortisol, dopamina, ocitocina, serotonina e endorfinas (Lopes & et al, 2009; Silva & et al, 2012; Schimidt & Silva, 2013; Silva & et al, 2013; Soares & et al, 2014).
Relação simbiótica entre quem toca e quem é tocado
Os profissionais que aplicam o toque regularmente salientam que a sua utilização na comunicação é inevitável e quando se efetiva existe, necessariamente, uma relação simbiótica, entre “quem toca” e “quem é tocado”. Inevitavelmente permite transmitir uma mensagem. Possuí também capacidade de produzir conforto, amparo, proteção, transmissão de apoio, valorização da pessoa, diagnosticar alterações, pode prevenir doenças e manter estados de saúde ótimos (Le May, 1986; Field, 2003; Franken & Franken, 2013; Ferreira & calado, 2013; Soares & et al,2014).
O ato de olhar, abraçar, ouvir, afagar, segurar, acariciar, alisar, pressionar, deslizar, cumprimentar, massajar, confortar são algumas das formas de se operacionalizar o Toque. Este poderá ser caracterizado pelo significado que tem, no entanto existem técnicas de toque que exigem treino, conhecimento e fundamentação científica, como sejam as técnicas e terapias de toque terapêutico em que se inserem as terapias complementares.
O Toque é a ferramenta base destas, como sejam a massagem terapêutica, shiatsu, reflexologia, toque terapêutico, toque da borboleta, Reiki, método mãe canguru, entre outras (Lindquist, Snyder & Tracy, 2014).
Perante o conhecimento atual poderíamos afirmar que Toque é uma ferramenta de cuidados de enfermagem e que a decisão da sua aplicação consciente e intencional depende do enfermeiro.
A minha decisão é TOQUE SIM! POR FAVOR!
Bibliografia
Anzieu, D. (1989). O eu-pele. São Paulo: Casa do psicólogo.
Blondis, M., & Jackson, B. (1982). Nonverbal communication with patients: back to human touch. New York.
Dias, A., & et al. (Set/Out de 2008). O toque afetivo na visão do enfermeiro. Revista brasileira de enfermgem REBEn, pp. 603-607.
Ferreira, F., & Callado, L. (2013). O afeto do toque: os benefícios fisiológicos desencadeados nos recém nascidos. Revista de Medicina e Saúde de Brasília, pp. 112-119.
Field, T. (1995). Touch in ealy development. Lawrence Eribaum Associates, Inc.
Field, T. (2003). Touch. USA: MIT Press.
Franken, R., & Franken, M. (2013). Hands as Diagnostic Tools in Medicine. Should Physicians Touch Their Patients? Arq Bras Cardiol.
Kuhn, C. (December de 2010). Obituary Saul M Schanberg. Obtido em 13 de August de 2014, de Neuropsychopharmacology. Nature Publishing Group.: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3055581/pdf/npp2010112a.pdf
Le May, A. (1986). Therapeutic touch: the human connection. Nurs.Times, 82, n.47, pp. 28-30.
Lindquist, R., Snyder, M., & Tracy, M. (2014). Complementary & Alternative Therapies in Nursing (Vol. 7ª). New York: Springer publishing company.
Lopes, R., & et al. (Set/Dez de 2009). Ferramenta Terapêutica no tratamento geriátrico e gerontológico. RBCEH, pp. 402-412.
Montagu, A. (1971). Tocar: o significado humano da pele. São Paulo: Summus.
PerencinI, C., & Ribeiro, C. (Set/Out de 2011). Tocando o prematuro: significado para auxiliares e técnicas de enfermagem. RBEn, pp. 817-823.
Schimidt, T., & Silva, M. (2013). Reconhecimento dos aspectos tacêsicos para o cuidado afetivo e de qualidade. Rev Esc Enferm USP, pp. 426-432.
Silva, M., & et al. (Jun de 2012). A linguagem expressiva do toque no grupo terapêutico de massagem e estimulação de bebés. Rev bras med fam comunidade.
Silva, P., & et al. (2013). Dimensão do toque no cuidado realizado pelo enfermeiro. Revista Rede de cuidados de Saúde.
Soares, M., & et al. (Jan/Mar de 2014). A influência do toque no cuidado às crianças especiais. Rev Enferm UFSM, pp. 76-86.
Weiss, S. (1979). The language of touch. Nurs.Res., 28,nº2, pp. 76-80.
Cristina Raquel Batista Costeira, Enfermeira no serviço de Cirurgia Internamento do IPOCFG, E.P.E.
Este artigo foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.