Uma reflexão crítica

O erro passa a ser o ponto de partida e não o ponto de chegada!

Atualizado: 
21/08/2014 - 17:32
Era a 3ªsemana em estágio da Especialidade. O erro na medicação aconteceu. Ainda bem que o detetei!

A minha explicação não foi eficaz? O estudante disse ter percebido e não percebeu? Tenho que rever o meu discurso? Enfim…Lidei com a situação de uma forma aberta proporcionando apoio. Promovi a reflexão.

A partir desse dia passou a questionar mais, mais segurança, mais motivação e as suas capacidades críticas foram aumentando. Uma mudança que teve origem no processo reflexivo proporcionando um caminho mais sólido para continuar a sua aprendizagem, e isto porque: “o erro foi o ponto de partida e não o ponto de chegada”.

Fiz a minha reflexão crítica. Talvez um acompanhamento mais perto, mais atento… Quando acompanhamos profissionais de saúde em estágio, entendemos que dominam melhor a área do que os estudantes do curso base. Devemos adequar as diferentes perspetivas. O conhecimento leva à singularidade porque a postura é única, e cada pessoa tem o seu ritmo de aprendizagem. Podemos distingui-los. Este é o exercício que o supervisor deve fazer em detrimento da comparação, considerando que a informação é a mesma, mas a aprendizagem não.

Neste contexto e tendo em conta que “dificilmente alguém poderá fazer sozinho” (Sá Chaves, 1997), o supervisor assume o papel de facilitador ao conduzi-lo a tomar consciência das características do seu agir, e a assumir a responsabilidade pelas decisões tomadas.

Ao longo do estágio foi-se colocando na fase de autonomia. Aqui, engloba um pensamento crítico, já justificado. Autonomia não significa deixar o estudante sozinho, mas sim, atenção, disponibilidade, presença no processo de ensino aprendizagem. E tal como refere Sá Chaves (2000), na fase de autonomia há um efeito “zoom” em que o supervisor observa, aproximando-se ou ajustando-se das situações conforme a necessidade.

Soares (2008), sublinha que Supervisão Clínica em Enfermagem é um processo formal de acompanhamento, orientação e ajuda nas situações de formação e integração, no suporte emocional e no desenvolvimento das práticas. Este acompanhamento deve ser realizado por um enfermeiro com formação específica. Os dois, o supervisor e o estudante, devem viver uma relação que os iguala na dimensão da pessoalidade antes de os diferenciar na dimensão da profissionalidade (Sá Chaves, 1997).

Para que se estabeleça a relação supervisiva é importante saber escutar, compreender, manifestar uma atitude de resposta adequada, de integrar as perspetivas do estudante, de clarificar e construir uma linguagem comum, de parafrasear, interpretar, cooperar e interrogar. (Alarcão e Tavares, 2003).

Um supervisor deverá ter perícia, experiência e aceitabilidade. Mas, também sensibilidade para se aperceber dos problemas e das suas causas, capacidade para analisar, para estabelecer uma comunicação eficaz, bons relacionamentos interpessoais, competência e responsabilidade social assente em noções bem claras sobre educação. E a educação tem como bases o aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a estar e aprender a ser.

É importante saber o que se passa com o estudante em termos emocionais. Cabe ao supervisor supervisionar as capacidades emocionais através da persistência, do treino e do exercício conducente a uma melhor inteligência emocional; isto é, a capacidade de se adaptar a novas e diferentes situações. A capacidade de gestão das emoções passa pelo reconhecimento das suas próprias emoções, saber controlá-las, utilizar o potencial existente, saber colocar-se no lugar do outro e criar relações sociais.

Com o decorrer dos anos, assistimos a diversas alterações no processo da formação. O paradigma de educação profissionalizante baseado no racionalismo técnico foi cedendo espaço a uma epistemologia da prática, que tem como ponto de referência a racionalidade crítica, competência subjacente à boa prática profissional. Hoje é o estudante o foco de atenção do processo ensino/aprendizagem. Daí que a qualidade da supervisão disponibilizada ao estudante é fundamental, no processo de construção do seu conhecimento pessoal e profissional, no desenvolvimento das capacidades crítico-reflexivas e na consolidação da identidade profissional. “Não é a prática que ensina….é a reflexão sobre a prática” (Zheichnner, 1993).

Neste contexto, enquanto supervisora, espero que a minha prestação seja sempre reforçada pela função de facilitadora e incentivadora. Que seja uma relação interpessoal de ajuda, estimulante, que motive o estudante a fazer uma leitura compreensiva da realidade, que o ajude na inserção da vida profissional e na avaliação das suas capacidades e competências. Que esteja sempre presente nas minhas atitudes e na minha filosofia de vida profissional a formação de pessoas, e não de técnicos. E isto passa pela responsabilidade profissional, pela prestação de cuidados com qualidade, pela visibilidade do desempenho e pela competência profissional.

Que os estudantes que acompanho nesta maratona da supervisão, possam “saborear” o novo paradigma da reflexividade crítica, proporcionando o desenvolvimento da relação supervisiva. Relação que é central no processo de supervisão. Se não houver relação, não há processo supervisivo… que se encontra subordinado às práticas com qualidade, ao desenvolvimento de competências, à motivação dos desempenhos e ao encorajamento e ao suporte emocional.

E tal como afirma Sá Chaves (2007:89-90), “estes profissionais, reflexivos e solidários, questionam-se a todo o momento, interrogam cada uma das sub-áreas do seu saber múltiplo, à procura de melhor, à procura de melhor…e desse modo deixam, sem mágoa, cair o saber velho e, conhecendo-se a si mesmos melhor do que a ninguém, prosseguem inquietos e sempre insatisfeitos rumo ao sítio primordial onde julgam que a qualidade mora. Deixam porém na sua permanente inquietação um rasto de luz, ao passar. É o brilho da qualidade que, sem dar por isso, carregam em si e que ilumina os sítios e os momentos mais sombrios das nossas existências. São gente que transforma e ama. Mágicos que não ensinam apenas: são sobretudo. Porque dos seus múltiplos saberes constroem, caso a caso, um saber integrado, coerente e ajustado, do qual fazem arma. Que, todos os dias e por tanto lado, se abrem em flores”.

Bibliografia

ALARCÃO, I.; TAVARES, J. (2003). Supervisão da Prática Pedagógica, uma

Perspectiva de Desenvolvimento e Aprendizagem. 2ª Edição. Coimbra: Livraria Almedina.

SÁ – CHAVES, I. (1996). Supervisão Pedagógica e Formação de professores: A distância entre Alfa e Omega. Revista de Educação, Vol. VI, nº1.

SÁ-CHAVES, I. (1997). Percursos de Formação e Desenvolvimento Profissional. Porto: Porto Editora.

SÁ-CHAVES, I. (2000). Formação, Conhecimento e Supervisão. Porto: Porto Editora.

SÁ-CHAVES, I. (2007). Formação, Conhecimento e Supervisão – contributos nas áreas de formação de professores e de outros profissionais. Estudos temáticos 1. Unidade de Investigação didáctica e tecnologia na formação de formadores. 2ª Edição. Universidade de Aveiro. Pág. 89-90.

SOARES, C. (2008) O processo supervisivo. Projecto de Tese de Doutoramento. Aveiro: Universidade de Aveiro

SOARES, C. (2012) Apontamentos das aulas da Formação “Supervisão Clínica em Enfermagem”. Escola Superior de Enfermagem Cruz Vermelha Portuguesa. Oliveira de Azeméis.

ZEICHNER, Kenneth M. (1993). “A formação reflexiva de professores: ideias e práticas”. Lisboa: Educa.

 

Natália da Conceição Martins Rodrigues Fernandes, Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica no Centro Hospitalar Baixo Vouga, Unidade de Aveiro – Serviço de Medicina Intensiva

Este artigo está escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico

 

 

Autor: 
Natália Fernandes - Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico e/ou Farmacêutico.