Muitos preferem autopunir-se a pensar
Cientistas das Universidades da Virgínia e de Harvard fizeram 11 experiências diferentes para ver como as pessoas reagiam quando solicitado que passassem algum tempo sozinhas.
Mais de 200 indivíduos participaram das experiências. Alguns eram estudantes universitários, outros, voluntários, com idades entre 18 e 77 anos, que foram recrutados em locais tão diferentes quanto uma igreja e uma feira.
Os pesquisadores pediram que se sentassem sozinhos num quarto sem decoração, sem telemóveis, material para leitura, ou para escrever, e depois que relatassem como fizeram para se entreter sozinhos com os seus pensamentos entre 6 e 15 minutos.
O resultado foi que mais de 57% acharam difícil concentrar-se, e 80% disseram que os seus pensamentos vagaram. Cerca da metade achou a experiência desagradável.
“A maioria das pessoas não gosta de 'só pensar' e prefere claramente ter algo diferente para fazer”, destacou o estudo, publicado na revista Science.
Os cientistas voltaram então as suas atenções para o que as pessoas faziam para evitar ficar sozinhas com os seus pensamentos.
Numa das experiências, solicitaram aos estudantes que dedicassem um tempo para pensar em casa.
Depois, 32% relataram ter ludibriado o estudo, saindo das suas cadeiras, ouvindo música, ou a verificar os telemóveis.
Um número maior de adultos recrutados fora da universidade - 54% - quebrou as regras, disse a co-autora Erin Westgate, estudante de doutoramento da Universidade da Virgínia.
“E esse número provavelmente está subestimado, porque aqueles são apenas os que foram honestos e contaram que tinham trapaceado”, declarou.
Os cientistas perguntaram, então, até que ponto os estudantes iriam para procurar algum estímulo, enquanto permaneciam sozinhos com os seus pensamentos.
Um estudo piloto inicial revelou, de forma surpreendente, que os estudantes prefeririam ouvir o som de uma faca a raspar ao silêncio absoluto.
“Achávamos, é claro, que as pessoas não dariam choques em si mesmas”, disse Westgate.
Num dos estudos, eles deram uma oportunidade para avaliar diferentes estímulos: de ver fotos atraentes à sensação de receber um choque eléctrico tão forte quanto se sentiria ao arrastar os pés no tapete.
Depois de os participantes sentirem o choque, que Westgate descreveu como moderado, alguns sentiram-se tão incomodados que disseram preferir pagar 5 dólares a voltar a senti-lo.
Em seguida, cada indivíduo foi para um quarto, sozinho, para pensar por 15 minutos. Os cientistas disseram que eles teriam a hipótese de se dar choques, caso quisessem.
Dois terços dos indivíduos masculinos - 12 de 18 - deram choques em si próprios pelo menos uma vez enquanto estiveram sozinhos.
A maioria dos homens deu entre um e quatro choques em si próprios. Um deles deu 190 choques.
Um quarto das mulheres, ou seis em 24, também decidiu dar choques em si mesmas, cada uma delas entre uma e nove vezes.
Todos os que se deram choques haviam dito anteriormente que pagariam para evitar fazê-lo.
Westgate disse estar ainda surpresa com as descobertas.
“Acho que subestimamos enormemente o quão difícil é mergulhar propositadamente em pensamentos agradáveis e quão fortemente desejamos estímulos externos do mundo ao nosso redor, mesmo quando o estímulo é activamente desagradável”, explicou.
Ela disse que a pesquisa demonstrou que as pessoas preferem um estímulo positivo, como ler um livro, ou jogar um videojogo.
É discutível dizer se os efeitos vistos na experiência são, ou não, um produto da cultura digital.
A psicóloga forense Sherrie Bourg Carter, de Fort Lauderdale, na Florida, explicou que as tecnologias modernas podem contribuir para a incapacidade de diminuir o ritmo.
“Somos socialmente treinados para procurar estímulos a sensações no nosso trabalho e lazer”, disse Carter, que não participou do estudo.
“Portanto, ficar sentado por um tempo, desconectado, como pensar, tornou-se estranho para a maior parte das pessoas, mesmo para os idosos que não foram criados num mundo movido pelos aparelhos electrónicos”, concluiu.