Santa Maria teve de racionar medicamento
Nas últimas duas semanas o Hospital de Santa Maria teve de dividir embalagens de um medicamento usado no tratamento de esclerose múltipla por vários doentes para que a medicação chegasse para todos. O racionamento ao ponto de os doentes só estarem a poder levar para casa doses para uma semana em vez da embalagem para um mês foi tornado público em comunicado na segunda-feira à noite pela Associação Todos Contra a Esclerose Múltipla (TEM). O hospital confirmou uma situação de condicionamento preventivo na dispensa desde dia 8 devido a stocks em níveis reduzidos mas garante que tudo foi normalizado ontem.
Manuela Maciel tem 45 anos e vive na Ericeira. Há três anos que se desloca ao hospital para receber medicação para 30 dias mas na passada sexta-feira recebeu apenas um quarto da embalagem. Porque já tinha passado pelo mesmo há três meses, temia que idas semanais a Lisboa implicassem uma despesa 100 euros em transportes e isso motivou a queixa à TEM, que já tinha recebido outros relatos com pedido de anonimato. Além do transtorno para os doentes, por vezes com dificuldades de locomoção, a associação alertou para riscos de erros com a divisão de embalagens como trocas na toma.
Ainda durante a tarde de ontem, contudo, o hospital informou a doente que poderia levantar a medicação para o período habitual. Manuela assim fez.O hospital esclareceu que a solução não teve a ver com a queixa mas com a recepção do medicamento, que já estava pedido, e reposição do stock. "Esta situação não é normal no nosso centro hospitalar, mas sempre que atingimos limites mínimos de stocks optamos por reformular os factores quantidade e tempo e assegurar, sem risco de espécie alguma, que todos os doentes terão, com a qualidade que se exige e se impõe, a continuidade de tratamento", disse o presidente Carlos Martins, informando que, mensalmente, o hospital dispensa medicação gratuita para os doentes no valor de 12 milhões de euros, sem registo de rupturas .
Neste momento há 85 doentes com esclerose múltipla a levantar a medicação em causa em Santa Maria, uma molécula usada em casos mais graves e que o hospital adianta não ter legislação nacional para fornecimento gratuito mas cuja despesa assume sem encargos para os utentes. Os doentes a fazer este remédio aumentaram 30% desde 2012, prevendo-se para este ano uma despesa de 1,9 milhões.
Ontem o hospital não esclareceu o que motivou stocks mínimos, informando que foram desencadeados os "procedimentos legais" para os repor e recuperar a dispensa adequada.
O facto de as unidades estarem obrigadas a cumprir a lei dos compromissos, só podendo fazer encomendas em função do orçamento disponível, e as dívidas em atraso à indústria farmacêutica são factores que nos últimos anos motivaram casos semelhantes no SNS. Paulo Alexandre Pereira, presidente da TEM, aponta uma "política de just in time na compra dos medicamentos para satisfazer a lei dos compromissos" para explicar o sucedido. "Infelizmente só quando há queixas as coisas são corrigidas", diz.
Também Arsisete Saraiva, da Associação Nacional dos Doentes com Artrite Reumatóide, considera que só uma postura "dura" por parte dos doentes tem minorado o impacto das contingências financeiras. "Ultimamente não têm chegado queixas mas porque refilámos. No ano passado foram dezenas e chegámos a ter hospitais que só dispensavam injecção para uma ou duas semanas. Ensinámos os doentes a denunciar e a não ter receio de retaliações."
Também na medicação do VIH/sida houve denúncias de racionamento, não sendo público um levantamento pedido pela tutela. Um inquérito do Grupo Portugues de Activistas sobre Tratamentos de VIH/SIDA apurou 33 casos de ruptura de stocks em 2013.