Legalização de "barrigas de aluguer"
A ausência de menstruação nunca a preocupou muito, é verdade que já tinha 17 anos mas à irmã mais velha também tudo tinha acontecido tarde e ela não tinha nenhum problema de saúde. Mas foi esse o primeiro sinal, aquele que a levou ao médico que lhe disse que tinha nascido sem útero e que nunca poderia vir a engravidar. O diagnóstico veio sob a forma de “um palavrão”, Síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hause (MRKH). Há dois anos que Joana espera que o Parlamento avance com a legalização da maternidade de substituição, também conhecida como "barrigas de aluguer". O deputado social-democrata, Miguel Santos, que lidera o grupo de trabalho sobre as alterações à lei sobre procriação medicamente assistida, onde se inclui esta questão, diz que, se tudo correr como previsto, este processo legislativo poderá estar concluído em Maio.
Em Janeiro de 2012 entraram no Parlamento dois projectos de lei, um do Partido Socialista, outro do Partido Social Democrata, que pretendem legalizar a maternidade de substituição, uma prática que é proibida pela actual lei sobre procriação medicamente assistida e sancionada com uma pena que pode ir até aos dois anos de prisão. É definida como qualquer situação em que uma mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando dos seus direitos de mãe.
Joana, que tem 27 anos e trabalha em marketing, não se limitou a assistir ao processo legislativo de fora. Ela e uma amiga com o mesmo problema – não têm útero mas têm ovários e óvulos e por isso podem ter filhos biológicos, desde que seja outra mulher a passar pela gravidez – escreveram aos deputados do grupo de trabalho, aos líderes parlamentares, à presidente do Parlamento.
“Escrevo-lhe em meu nome e em nome de todas as mulheres portadoras do Síndrome MRKH, uma anomalia congénita que se caracteriza pela ausência ou a má formação do útero, condição que afecta uma em cada 4500 mulheres. Este síndrome para nós significa 'extorsão' de um sonho… O de sermos mães.”
O deputado Miguel Santos justifica o atraso com “a complexidade da matéria”. Diz que já existe uma versão consensualizada entre os dois partidos que apresentaram os projectos de lei. Mas ainda há três artigos que levantam dúvidas e que levaram ao pedido de um parecer junto do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida.
Uma das questões em causa diz respeito à formulação sobre as situações em que passará a ser permitida, excepcionalmente, a maternidade de substituição: a questão da ausência do útero é ponto aceite, está nos dois projectos de lei; depois, coloca-se a questão de também se autorizar a maternidade de substituição quando há lesão ou doença do útero que impeçam a gravidez, como prevê a proposta do PS.
O presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, Eurico Reis, diz que irão responder aos deputados que a questão de base é “a infuncionalidade do útero”, quer se deva a questões congénitas, lesões ou doenças. O responsável diz que o parecer será entregue dentro do prazo.
Outra das questões que levantam dúvidas está relacionada com a moldura penal que se aplica a quem fizer contratos de maternidade de substituição pagos. A maternidade de substituição terá sempre de ter natureza gratuita, prevendo-se pena de prisão de dois anos ou de 240 dias de multa para quem não cumpre, a mesma moldura prevista para quem incentive este tipo de contrato. A dúvida é se a celebração e a promoção deste tipo de contratos deve ter o mesmo tipo de penalização, explica o deputado Miguel Santos.
Por fim, a outra questão técnica diz respeito ao momento em que se considera que começa a terapêutica de procriação medicamente assistida.
Reunião a 29 de Abril
O deputado social-democrata espera que o parecer do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida chegue dia 28 de Abril, a tempo da reunião do grupo de trabalho parlamentar que está agendada para o dia seguinte. “Se tudo correr bem, seria essa a última reunião do grupo.” Depois, o projecto terá que ser votado na comissão parlamentar de saúde e só depois no plenário. O deputado prevê que tudo esteja concluído em duas ou três semanas, supostamente ainda no mês de Maio.
Na carta dirigida aos deputados, Joana e a amiga, que já foram recebidas no Parlamento, escrevem: "Reconhecemos a complexidade de legislar sobre a matéria, mas a nós compete-nos dar voz a situações reais, de jovens casais que têm a legítima expectativa de lhes ser reconhecido o direito às possibilidades que a ciência e a medicina dispõem para tratamento desta situação particular de infertilidade."