Estrabismo
O desvio de um dos olhos pode dar-se numa direcção horizontal convergente ou divergente, numa direcção vertical podendo um dos olhos desviar-se para cima ou para baixo ou ainda segundo um eixo torsional, neste caso de diagnóstico mais difícil. Na prática muitas vezes os desvios são mistos, ou seja, os eixos visuais encontram-se desalinhados em mais que uma direcção.
Há ainda outras formas mais complexas de estrabismo; são formas mais raras e que por vezes estão associadas a outras alteraçoes oculares ou mesmo sistémicas.
Incidência
É desconhecido o número de estrábicos em Portugal. No entanto sabendo que a prevalência do estrabismo para populações com características demográficas idênticas à nossa é de cerca de 3%, podemos estimar que em Portugal existam cerca de 320.000 estrábicos e que entre estes, 50.000 sejam crianças com idade inferior a 14 anos.
Causas
As causas variam de acordo com o tipo de estrabismo, com a idade de aparecimento e as características demográficas das populações.
Na infância a forma mais frequente de estrabismo é a endotropia acomodativa. Representa cerca de 80% de todos os estrabismos; embora possa aparecer mais cedo, aparece habitualmente entre os 2 e os 5 anos. Resulta do esforço que a criança tem de fazer para focar as imagens. Embora possa ser devida a uma alteração na relação entre a acomodação e a convergência, ma maioria dos casos é provocada por uma hipermetropia não compensada. Esta forma de estrabismo é particularmente importante porque pode ser prevenida; se a causa for diagnosticada e corrigida atempadamente pode evitar-se o aparecimento de estrabismo e da consequente ambliopia (olho preguiçoso). Daqui resulta a grande importância dos rastreios visuais no inicio do segundo ano de vida.
A endotropia congénita, que se manifesta nos primeiros 6 meses de vida e que se caracteriza por um desvio de grande ângulo (muitas vezes associado a um desvio vertical) não tem uma causa conhecida.
Outra causa importante de estrabismo é a baixa visão de um dos olhos - estrabismo sensorial. Na presença de uma catarata, descolamento de retina ou outra causa grave de hipovisão, o olho com má visão pode desviar-se.
Com excepção para a exotropia sensorial, os desvios divergentes têm uma causa mal conhecida. Muitas vezes iniciam-se por uma forma divergente com deterioração progressiva da capacidade de fundir as imagens dos dois olhos, e evolução para a instalação de um desvio constante.
Há vários factores de risco associados ao aparecimento de estrabismo. Para além das crianças com uma história familiar, têm maior risco de desenvolver estrabismo: os prematuros com idade gestacional inferior a 28 semanas e/ou com menos de 1500gr ao nascimento, as crianças com complicações perinatais envolvendo o sistema nervoso central ou com atraso do desenvolvimento e ainda as portadoras de alguns síndromes genéticos sobretudo quando associados a alterações cranio-faciais.
Diagnóstico
Tal como as causas, os sintomas dependem do tipo de estrabismo, da idade de aparecimento e da forma como se instala.
Na criança, sobretudo nas mais pequenas que não verbalizam, muitas vezes não há queixas sintomáticas e o mais importante são alguns sinais que decorrem das adaptações que a criança faz.
O sinal mais evidente é o próprio desalinhamento ocular. Quando ocorre o desvio dá-se uma duplicação das imagens - diplopia. No adulto, essa diplopia mantém-se enquanto se verificar o desvio. Nas crianças, no entanto, o processo tem uma evolução diferente; elas rapidamente desenvolvem um mecanismo de “supressão” da segunda imagem, de forma a obter uma visão confortável. Este mecanismo leva à não utilização de um dos olhos, o qual na ausência de tratamento, vai ter consequências ao nível do córtex visual, com o desenvolvimento de ambliopia.
Previamente à instalação da supressão, a criança pode fechar o olho desviado para evitar a diplopia; é um sinal que numa criança deve ser sempre valorizado.
Alguns tipos de estrabismo podem ser compensados alterando a posição da cabeça. Umtorcicolo deve ser sempre avaliado por um oftalmologista no sentido de despistar a presença de uma alteração do equilíbrio ocular motor.
A presença de um estrabismo não compensado prejudica sempre a visão binocular com uma resposta deficiente ou ausente nos testes de estereopsia.
Sintomas de estrabismo:
- Diplopia;
- Ambliopia;
- Diminuição da estereopsia.
Sinais de estrabismo:
- Desalinhamento ocular;
- Encerramento de um olho;
- Torcicolo.
Uma forma simples de avaliar a presença de estrabismo, consiste em projectar uma luz nos olhos da criança e verificar se o reflexo se encontra centrado nos dois olhos. Ver esquema (figuras 1 a 3).
Fig.1 Os reflexos estão centrados. Não existe estrabismo.
Fig.2 O reflexo do olho esquerdo esta desviado para fora: estrabismo convergente.
Fig.3 O reflexo do olho esquerdo está desviado para dentro: estrabismo divergente.
Pseudo-estrabismo
O Pseudo-estrabismo ou falso estrabismo é muito frequente, sobretudo nas idades mais precoces. Significa que a embora a criança aparente ser portadora de um estrabismo (normalmente convergente), de facto tem os olhos bem alinhados.
Esta falsa aparência de estrabismo é provocada pela visualização de menor porção de esclera na metade nasal do que o esperado. É normalmente devida à presença de epicantos proeminentes, a uma ponte nasal larga, ou alterações da distância interpupilar.
Fig.4 A existência de pregas no canto interno dos olhos (epicanto) e o aumento da largura da base do nariz dão a falsa sensação da presença de estrabismo. Contudo, a presença de reflexos centrados permite afirmar que não existe estrabismo.
Tratamento
A primeira preocupação a ter com um doente estrábico após o diagnóstico de estrabismo, é efectuar uma avaliação completa da situação clínica. Deve determinar-se qual a causa ou causas, os factores de risco associados e que consequências produziu o desvio.
Mais premente que o tratamento do desvio propriamente dito, é a correcção das causas que lhe podem estar subjacentes. Devem corrigir-se por exemplo todos os erros refractivos significativos que estejam presentes; muitos estrabismos ficam corrigidos somente com a prescrição de uns óculos adequados.
Entre as consequências produzidas pelo estrabismo assume particular relevância a ambliopia. Os óculos, quando indicados são fundamentais, mas muitas vezes são insuficientes para o tratamento; é necessário recorrer a formas de penalizar o olho bom, usando por exemplo oclusões ou recorrendo à instilação de gotas que diminuam temporariamente a visão do olho bom, ou ainda a tratamentos de estimulação da visão.
É necessário enfatizar que estes tratamentos têm por finalidade tratar apenas a função visual e não o estrabismo!
Finalmente o desvio propriamente dito que se mantém após a correcção óptica, tem tratamento cirúrgico. Uma alternativa à cirurgia, é em alguns casos, a aplicação de injecções de toxina botulinica nos músculos extra-oculares.