“Adolescência”, Resiliência e o Peso da Inveja: Uma Reflexão Sobre Identidade e Superação

Ao longo da minha vida, encontrei várias semelhanças entre a minha trajectória e a do protagonista, Jamie. Não porque tenha seguido o seu caminho, mas porque compreendo o que significa ser julgado, subestimado e injustiçado. Desde cedo, aprendi que as diferenças nem sempre são aceites e que, muitas vezes, o sucesso desperta inveja e críticas, ao invés de admiração. Esta série reavivou memórias da minha infância e adolescência, lembrando-me das dificuldades que enfrentei, mas também da força que desenvolvi para superar cada obstáculo.
O Reflexo de Jamie e a Identificação Pessoal
Jamie, a personagem principal de Adolescência, é retratado como um jovem inteligente, mas socialmente deslocado, alguém que não encontra o seu lugar nem consegue criar ligações genuínas. Durante a minha infância, senti algo semelhante. Não estudei em escolas violentas como Jamie, mas fui colega de alunos complicados, que me fizeram sentir uma vítima e um alvo fácil para críticas e gozo.
O que mais me marcou foram os insultos relacionados com a minha deficiência visual. Desde que nasci, tenho falta de visão central no olho esquerdo, o que me tornou estrábico. Os meus colegas não perdiam a oportunidade de me chamar “olhos tortos”, um rótulo que me perseguiu durante anos. Como qualquer criança, queria apenas ser aceite, mas em vez disso, regressava a casa muitas vezes em lágrimas, sentindo-me feio e inadequado.
As dificuldades não se limitaram à aparência. Academicamente, era inteligente, mas nem sempre regular. Destacava-me em Ciências e Matemática, mas tinha dificuldades em Línguas e Educação Física. O sistema escolar nem sempre valoriza os diferentes talentos, e isso contribuiu para que, em vários momentos, sentisse que não estava à altura das expectativas. Apesar disso, nunca deixei que as dificuldades me definissem.
Superação e o Peso da Inveja
Se há algo que sempre me acompanhou, foi a determinação de provar que sou mais do que qualquer limitação que me tentem impor. Contra todas as dificuldades, formei-me em Engenharia Electrotécnica de Controlo e Robótica numa das universidades mais exigentes de Portugal, o Instituto Superior Técnico de Lisboa. Além disso, investi ainda mais na minha formação, completando uma pós-graduação em gestão de energia e eficiência energética e outras especializações.
Mas o curioso é que, em vez de reconhecimento, muitas vezes encontrei inveja. Pessoas que, incapazes de alcançar o mesmo, tentam minimizar as minhas conquistas. Quando estou desempregado e recuso trabalhos fora da minha área, dizem que me falta humildade, que sou convencido. O que essas pessoas não compreendem é que não estudei tantos anos e superei tantos desafios para aceitar qualquer coisa apenas para “parecer humilde” aos olhos dos outros.
Este é um dos problemas da sociedade: quando uma pessoa com deficiência se destaca, há quem a tente reduzir ao seu ponto mais frágil. Como se todo o mérito desaparecesse perante uma limitação física. Mas eu nunca me senti inferior, nunca me considerei “um mongo”, como alguns tentaram insinuar. Se me invejam, que tentem fazer melhor.
Transformar a Raiva em Motivação
Não nego que, por vezes, a raiva me consome. Ser alvo de inveja, de insultos e de julgamentos injustos pode ser desgastante. Mas aprendi a transformar essa raiva em motivação. Se me tentam rebaixar, a minha resposta é crescer ainda mais, aprender mais, fazer melhor.
A série Adolescência explora esta temática de forma crua. Jamie, sentindo-se rejeitado e desprezado, direcciona a sua dor para um caminho destrutivo. Mas, na vida real, cada um de nós tem escolha. Podemos deixar que o ódio nos consuma ou podemos usá-lo como combustível para provarmos que somos mais do que aquilo que os outros dizem. Eu escolhi a segunda opção.
Além do meu percurso académico, dediquei-me também ao apoio de outras pessoas com desafios semelhantes. A OUVIR – Associação Portuguesa de Portadores de Próteses e Implantes Auditivos é um exemplo do meu compromisso com a inclusão e a igualdade de oportunidades. Sei que a minha história pode inspirar outros a nunca desistirem dos seus sonhos, independentemente das dificuldades que enfrentem.
Conexões e Inspiração
Recentemente, tive a oportunidade de contactar com Owen Cooper, o ator de Adolescência. Para muitos, pode parecer apenas um detalhe, mas para mim foi um momento significativo. Ter a chance de trocar palavras com alguém que representa, ainda que na ficção, tantas das minhas vivências, fez-me sentir compreendido. No passado, fiz o mesmo com Justin Bieber, que, apesar das críticas e dificuldades, construiu uma carreira brilhante.
Owen pode estar no início do seu percurso, mas talvez possa também encontrar inspiração na minha história, tal como eu encontrei inspiração noutras pessoas. No fundo, todos precisamos de alguém que acredite em nós, que nos oriente e que nos compreenda. Se essa conexão crescer, quem sabe um dia poderemos ser amigos e partilhar mais do que palavras.
Conclusão
“Adolescência” não é apenas uma mini-série sobre um crime. É um espelho da sociedade e das dificuldades que muitos jovens enfrentam—desde o «bullying» à rejeição, passando pela luta contra a auto-imagem e o desejo de aceitação. O que distingue cada um de nós não é o que sofremos, mas sim o que escolhemos fazer com essa dor.
Eu escolhi resistir. Escolhi crescer, aprender e mostrar que não sou definido pelas minhas limitações, mas sim pelas minhas conquistas. Se alguém me inveja, a minha resposta é simples: se achas que é fácil, tenta fazer melhor. Porque o verdadeiro sucesso não está em agradar aos outros, mas sim em sermos fiéis a nós próprios.
No fim, não é o passado que nos define, mas sim aquilo que fazemos com ele.