Opinião

Inclusão: Uma Palavra Bonita, mas Onde Está a Verdadeira Ação?

Atualizado: 
20/01/2025 - 10:32
Vivemos num mundo onde a palavra "inclusão" é repetida como um mantra em discursos, campanhas, e até em políticas públicas. No entanto, há uma discrepância gritante entre aquilo que se apregoa e aquilo que realmente acontece no dia-a-dia das pessoas com deficiência. Em Portugal, o conceito de inclusão parece muitas vezes não passar de uma utopia, um "trinta e um de boca", como costumo dizer. É bonito dizer que se apoia as pessoas com deficiência, que se trabalha pela inclusão, mas quando chega o momento de agir, as palavras tornam-se vazias e o apoio, ausente.

Permita(m)-me partilhar uma experiência pessoal que reflete esta dura realidade. Recentemente, numa ida ao supermercado, deparei-me com uma situação que me deixou perplexo e profundamente entristecido. Na fila única para as várias caixas de pagamento, como acontece em muitos estabelecimentos, aguardei pacientemente a minha vez. Contudo, os visores que deviam indicar qual caixa estaria disponível não estavam a funcionar. A funcionária, aparentemente, anunciou verbalmente que era a minha vez, mas como tenho uma deficiência auditiva, não consegui perceber. O resultado? As pessoas que estavam atrás de mim na fila, impacientes, passaram à frente e ocuparam o lugar que deveria ser meu. Nem uma alma sequer teve a decência ou o cuidado de me avisar. Fiquei ali, perdido no meio do caos, a sentir-me ignorado, marginalizado e completamente invisível.

Não é apenas uma questão de falta de acessibilidade física ou tecnológica — embora isso seja inegável. Trata-se, acima de tudo, de um problema de mentalidade. Vivemos numa sociedade onde falta empatia, onde falta o mínimo gesto de humanidade para perceber que todos somos diferentes e que essa diferença deve ser acolhida e respeitada. Esta experiência pode parecer insignificante para quem nunca passou por algo semelhante, mas para quem vive com uma deficiência, é um lembrete doloroso de que, apesar de todo o discurso inclusivo, ainda há um longo caminho a percorrer.

 

A Inclusão na Teoria e na Prática

Portugal não é um caso isolado. Apesar de haver progressos em várias áreas, como a introdução de legislações mais inclusivas e o reconhecimento da necessidade de acessibilidade, a verdade é que ainda vivemos num cenário onde a inclusão se encontra mais nos papéis do que na prática. As pessoas gostam de enaltecer a ideia de que ajudam os outros porque isso as faz sentir bem, mas a verdade é que, no momento em que um gesto de inclusão exige esforço ou desconforto, o silêncio é ensurdecedor.

No caso das pessoas com deficiência auditiva, por exemplo, o problema vai muito além da falta de tecnologias adaptadas, como sistemas de microfones ou visores eficazes. O problema reside também na ausência de uma cultura de acessibilidade e na incapacidade de muitas pessoas de compreenderem as necessidades básicas de quem vive com uma limitação sensorial.

Por que é que em pleno século XXI ainda é aceitável que um supermercado não tenha um sistema eficaz para chamar clientes com deficiência auditiva? Por que é que ainda não há formação adequada para funcionários de estabelecimentos comerciais, sensibilizando-os para as diferentes formas de comunicação? Por que é que, num país que tanto se orgulha da sua hospitalidade, falta a simples noção de que um sorriso, uma palavra, ou um gesto pode fazer toda a diferença?

 

A Questão da Empatia e da Consciência Coletiva

Um dos maiores obstáculos para a inclusão é a falta de empatia. É fácil falar sobre inclusão quando não se vive na pele a exclusão. Quem nunca foi ignorado numa fila, quem nunca foi tratado como um fardo, quem nunca enfrentou barreiras diárias na comunicação ou na mobilidade, dificilmente entenderá o impacto que isso tem na autoestima e no bem-estar de uma pessoa.

Infelizmente, ainda vivemos numa sociedade onde a deficiência é vista como um problema individual e não como uma questão coletiva. Não se trata apenas de criar acessos ou instalar dispositivos tecnológicos. Trata-se de mudar mentalidades. Trata-se de educar desde cedo para que as crianças cresçam a compreender e a respeitar as diferenças. Trata-se de ensinar que a inclusão não é um favor que fazemos aos outros, mas um direito básico de todos.

 

Um Chamado à Ação

A história que vivi no supermercado é apenas uma entre muitas. Todos os dias, em todo o país, pessoas com deficiência enfrentam desafios semelhantes. É urgente que passemos das palavras à ação. É urgente que deixemos de olhar para a inclusão como um tema bonito para campanhas de marketing e a vejamos como uma necessidade real e prática.

O que pode ser feito? Muito. E não é preciso reinventar a roda. Eis algumas ideias concretas:

  1. Tecnologia Inclusiva: Estabelecimentos comerciais devem garantir que os sistemas de atendimento funcionem corretamente e sejam acessíveis a todos, incluindo pessoas com deficiência auditiva ou visual.
  2. Formação de Funcionários: Todos os trabalhadores que lidam com o público devem receber formação em acessibilidade e atendimento inclusivo.
  3. Sensibilização Social: Campanhas de sensibilização devem ir além dos slogans. Devem envolver histórias reais e promover experiências imersivas que ajudem as pessoas a compreender os desafios das pessoas com deficiência.
  4. Educação Inclusiva: Desde a escola primária, as crianças devem ser ensinadas a respeitar e incluir todos, independentemente das suas capacidades.
  5. Políticas Públicas Eficazes: Os governos devem fiscalizar e apoiar projetos que promovam a inclusão real e penalizar aqueles que falham em cumprir as normas de acessibilidade.

 

Uma Sociedade para Todos

A verdadeira inclusão não acontece por acaso. Ela exige esforço, compromisso e, acima de tudo, vontade. Não basta dizer que somos um país inclusivo. É preciso mostrar, todos os dias, em cada interação, que estamos dispostos a construir uma sociedade onde todos têm um lugar.

Enquanto essa mudança não acontecer, continuaremos a viver num mundo onde palavras como "inclusão" soam bem, mas na prática deixam muito a desejar. Não devemos contentar-nos com isso. Todos temos o poder de ser agentes de mudança. Que tal começarmos hoje?

Que a inclusão deixe de ser um sonho distante e passe a ser uma realidade concreta para todos os portugueses. Porque, no fundo, é disso que se trata: criar um país onde ninguém se sinta invisível, ignorado ou deixado para trás.

 

Autor: 
António Ricardo Miranda - Engenheiro Electrotécnico e de Computadores de Controlo e Robótica e Pessoa com Deficiência Auditiva e Visual
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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