Análise dos investigadores Carolina Santos e Pedro Pita Barros ao Orçamento do Estado

Investigadores antecipam esforços de execução orçamental para a Saúde em 2025

O orçamento do Estado para 2025 reforça o compromisso do Governo com a melhoria contínua do SNS. No entanto, e apesar dos reforços orçamentais dos últimos anos, continuam a registar-se pagamentos em atraso a fornecedores externos do SNS. Antecipa-se um esforço para executar a despesa de capital orçamentada e para controlar a despesa com pessoal. Embora sem detalhe sobre o impacto orçamental de algumas medidas apresentadas, o documento inclui iniciativas que podem trazer ganhos de eficiência.

A análise é revelada na mais recente Nota do Observatório da Despesa em Saúde – Orçamento do Estado para a Saúde 2025, da autoria dos investigadores Carolina Santos e Pedro Pita Barros, detentor da Cátedra BPI | Fundação ‘la Caixa’ em Economia da Saúde, no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social, uma parceria entre a Fundação ‘la Caixa’, o BPI e a Nova SBE.

A análise – baseada na informação disponibilizada no Orçamento do Estado 2025, bem como na Nota Explicativa do Orçamento do Estado 2025 do Ministério da Saúde e no posterior Aditamento à Nota Explicativa – revela que, em 2025, a despesa efetiva consolidada em saúde aumentará 7,2% em termos nominais e 4,5 em termos reais, face ao orçamentado em 2024 e o peso relativo da despesa pública em saúde, no contexto da despesa primária das Administrações públicas, será de 13,3% em 2025. No entanto, e apesar dos reforços orçamentais, persistem desafios como a subexecução da despesa de capital, atrasos no pagamento a fornecedores externos do SNS e riscos de derrapagem na despesa com pessoal (o aumento de 13,79% no orçamento da despesa com pessoal no SNS deixa uma reduzida almofada financeira para cobrir aumentos de despesa que advenham de contratações e valorizações salariais ainda não contempladas).

A análise revela ainda que o Orçamento do Estado 2025 dá continuidade à integração de cuidados iniciada em 2024 e aposta em medidas que visam aumentar a cobertura da população por médicos de família, nomeadamente através da contratualização com os setores privado e social, com a criação das Unidades de Saúde Familiares modelo C. No entanto, e apesar do Orçamento do Estado para 2025 não apresentar estimativas do impacto orçamental das medidas apresentadas para o setor da saúde nem detalhe o contributo que os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência têm nas principais iniciativas apresentadas, o documento inclui iniciativas (hospitalização domiciliária, monitorização do doente crónico à distância, implementação do Registo de Saúde Eletrónico Único) que podem trazer ganhos de eficiência aumentando a produtividade do SNS, "o que poderá ajudar a reverter (ou pelo menos a mitigar) a tendência de longo prazo de perda de produtividade no SNS que se observa pelo menos desde 2015" referem os investigadores. 

As principais políticas de saúde listadas no Orçamento do Estado foram agrupadas e analisadas em cinco grandes domínios:

Reforço e modernização do SNS

O investimento nos profissionais do SNS continuará a ser uma prioridade, com foco na valorização do trabalho, reconhecimento das contribuições e apoio à formação e investigação, promovendo o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional através de melhorias salariais para médicos e farmacêuticos. O documento mantém as políticas de investimento em infraestruturas e equipamentos do SNS (com a conclusão de obras em curso e novos projetos, como os hospitais do Oeste e o novo Hospital Central do Algarve) e prevê um reforço significativo nas infraestruturas destinadas aos Cuidados de Saúde Primários.

A modernização do setor da saúde será impulsionada pelos fundos do PRR (que apoiarão o fortalecimento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, da Rede Nacional de Cuidados Paliativos e da Rede de Cuidados de Saúde Mental) mas, não especifica os encargos futuros associados a estes investimentos realizados com fundos do PRR, o que dificulta uma visão clara da pressão orçamental na área da saúde nos próximos anos.

Melhoria do acesso, qualidade e eficiência

O Orçamento do Estado 2025 apresenta diversas medidas para melhorar o acesso e a qualidade dos cuidados de saúde. Prevê-se a criação de novos Centros de Referência, o fortalecimento da saúde mental, a promoção da hospitalização domiciliária e a expansão das redes de Cuidados Continuados e Cuidados Paliativos. Serão priorizados o cumprimento dos tempos máximos de resposta para consultas, cirurgias e diagnósticos, com destaque para a introdução de uma prioridade clínica para doentes oncológicos.

Outra novidade é a criação das Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo C, que oferecerão maior autonomia e flexibilidade, podendo ser contratualizadas com o setor social ou privado. Para garantir que estas Unidades ampliam a resposta assistencial e não atuam simplesmente como um mecanismo de redistribuição interna dos recursos do SNS, os profissionais de saúde que integram a equipa, bem como os sócios ou acionistas da entidade promotora da USF modelo C, não podem ter ou ter tido qualquer tipo de vínculo contratual por tempo indeterminado ou sem termo, conforme o caso, ao setor público da saúde nos últimos três anos, pelo que, segundo os investigadores "a gestão dos recursos humanos nessas unidades pode ser um desafio e gerar conflitos com a autonomia pretendida".

No que toca à gestão e qualidade, o Sistema Nacional de Avaliação em Saúde (SINAS) será revitalizado para promover melhores práticas no SNS, e as normas de orientação clínica serão reforçadas para garantir cuidados mais qualificados e centrados nas pessoas. Entre as melhorias já implementadas pelo Plano de Emergência e Transformação (PET) do SNS, destacam-se os novos centros para eventos agudos de menor complexidade e o canal SNS GRÁVIDA, que oferece atendimento direto para grávidas. Porém, o Orçamento do Estado 2025 não reporta os efeitos alcançados com estas medidas.

Promoção da saúde e Prevenção da doença 

O Orçamento do Estado 2025 prevê iniciativas específicas nos programas de vacinação contra o vírus da gripe e o vírus sincicial respiratório e o lançamento de um Programa de Prevenção de Doenças e Promoção da Saúde, com foco no combate à obesidade, melhoria da saúde oral e promoção do envelhecimento ativo. "No entanto, não é claro em que medida o Programa de Prevenção de Doenças e Promoção da Saúde vai promover sinergias com o Plano de Ação de Envelhecimento Ativo e Saudável 2023-2026, se haverá duplicação e desperdício de recursos ou se haverá um vazio, adiando-se decisões e ações".

Em relação à prevenção, está prevista a implementação de rastreios oncológicos e não oncológicos, uma meta mais ambiciosa do que a apresentada em 2024, que incluía apenas programas piloto para os cancros do pulmão, próstata e estômago.

Digitalização na saúde

O Orçamento do Estado 2025 destaca iniciativas de digitalização na saúde, com enfoque na uniformização dos sistemas de informação e na criação do Registo de Saúde Eletrónico Único (RSEU), que consolidará dados de saúde atualmente fragmentados entre entidades públicas, privadas e sociais. No entanto, e apesar da importância do RSEU para melhorar a integração de cuidados, os investigadores realçam que não são detalhados os seus ganhos de eficiência nem as suas especificidades. "De facto, dependendo das características do RSEU, as melhorias poderão ir desde a qualidade e quantidade de informação disponível, até à forma como esta é a apresentada e à rapidez com que é transmitida. Em qualquer caso, o desenvolvimento do RSEU é inevitável, e é importante que permaneça relevante na atenção e investimento, político e económico".

O incentivo à monitorização remota de doentes crónicos e a criação da Agência Nacional de Saúde Digital são outras das medidas apresentadas. Contudo, e devido à falta de clareza sobre os objetivos e as competências desta nova entidade – e sobre como se articulará com a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) – a nova agência pode agravar fragilidades existentes no sistema de decisão e investimento em saúde digital. "Na ausência de uma estratégia clara de digitalização para o SNS e na atribuição inequívoca de responsabilidades (…) a criação da Agência Nacional de Saúde Digital corre o risco de exponenciar as fragilidades já observadas no SNS em matéria de capacidade de decisão quanto a estratégias e a investimentos em digitalização e sistemas de informação", realçam os investigadores.

Política do medicamento

Embora não sejam especificadas as medidas necessárias para a sua continuidade, manter-se-á a promoção da prescrição de medicamentos genéricos e biossimilares e serão implementadas medidas para acelerar decisões sobre o financiamento de inovações terapêuticas por meio da reformulação do Sistema Nacional de Avaliação de Tecnologias de Saúde (SiNATS). "Contudo, não foram divulgadas informações adicionais sobre como será conduzida essa reestruturação. Nesse contexto, será essencial compreender em maior detalhe os mecanismos que serão implementados para lidar com a incerteza associada à qualidade e ao valor de novos produtos, bem como a regulamentação que será aplicada a produtos que não configurem inovações terapêuticas."

Em 2025, o orçamento para a saúde registará um aumento significativo, com um acréscimo de 1.132 milhões de euros (7,2%) em relação ao orçamentado para 2024 e 1.351 milhões de euros (8,8%) face à estimativa de execução para 2024. À semelhança do que aconteceu em 2024, a componente com maior peso é a aquisição de bens e serviços (49,8%) e as despesas com pessoal (42,0%). Face à estimativa de execução de 2024 a despesa com pessoal aumentará 6,4% e a aquisição de bens e serviços crescerá 3,3%. "O facto de entre 2015 e 2023 a execução da despesa com pessoal ter ficado, em média, 2,5% acima do orçamentado e a execução da despesa com aquisição de bens e serviços ter ficado, em média, 4,0% acima do orçamentado sugere que terá de ser feito um grande esforço de controlo destas despesas, para que a sua execução em 2025 não supere o orçamentado" referem os investigadores.

 
Fonte: 
Fundação ”la Caixa”
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
ShutterStock