Proteínas na urina de mulheres grávidas podem prever doenças cardiovasculares
Um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), publicado na Scientific Reports (grupo Nature), analisou as proteínas presentes na urina (proteoma) de uma coorte de 59 grávidas, das quais 32 eram saudáveis e 27 tinham pelo menos um fator de risco cardiovascular. Foram realizadas duas medições, a primeira durante o terceiro trimestre de gravidez e a segunda seis meses após o parto.
Como explica Inês Falcão-Pires, investigadora da FMUP, coordenadora do estudo e da coorte PERIMYR, “a gravidez obriga o corpo da mulher a adaptar-se ao crescimento e desenvolvimento do feto. O coração é um dos órgãos que sofrem ajustes, como um aumento da massa do ventrículo esquerdo. Em condições normais, estas alterações habitualmente regridem e a anatomia e a função cardíaca voltam ao normal após o parto, tornando a mulher grávida um bom modelo de estudo desta recuperação”.
Ana Filipa Ferreira, autora principal do estudo, explica que o principal objetivo era a identificação do perfil de proteínas na urina de mulheres sem fatores de risco e com fatores de risco, nomeadamente obesidade e/ou hipertensão e/ou diabetes tipo 2 ou gestacional.
De facto, de entre 342 proteínas presentes na urina consideradas, a investigação conseguiu identificar 17 proteínas relacionadas com alterações cardíacas persistentes após o parto, nomeadamente com o aumento da massa do ventrículo esquerdo. Incluem-se aqui fatores de crescimento semelhantes à insulina (IGF-1), produzidas pelo fígado e associadas ao crescimento fetal. Para a identificação destas proteínas, António Barros, também investigador da FMUP, recorreu a ferramentas estatísticas avançadas.
Segundo os autores, as proteínas identificadas na urina podem indicar como o coração se readapta após a gravidez. Algumas dessas proteínas sinalizam “uma recuperação mais lenta do ventrículo esquerdo, enquanto outras indicam um retorno mais rápido à condição normal”. Estas proteínas poderão funcionar como biomarcadores, refletindo as mudanças estruturais e funcionais que ocorrem no coração durante e após a gravidez.
“O perfil do proteoma da urina reflete o processo de remodelagem cardíaca reversa, o que significa que a análise das proteínas na urina poderá ser um meio complementar de avaliar o risco cardiovascular em mulheres durante e após a gravidez", sublinha Inês Falcão-Pires.
Também de acordo com Ana Filipa Ferreira, “este proteoma permitirá sinalizar grávidas com maior probabilidade de desenvolver alterações cardiovasculares, nomeadamente uma remodelagem cardíaca incompleta, que parece ser precursora do desenvolvimento das doenças cardiovasculares a longo prazo. Esta abordagem salienta a pertinência de um acompanhamento mais próximo dessas mulheres principalmente após a gravidez”.
Este estudo foi distinguido com o Prémio Saúde Cardiovascular da Mulher pela Sociedade Portuguesa de Cardiologia conjuntamente com a Organon no Congresso Português de Cardiologia 2024 e é parte integrante do projeto PERIMYR, uma iniciativa abrangente que visa aprofundar o conhecimento sobre os riscos cardiovasculares durante a gravidez e no período pós-parto. Os resultados obtidos contribuem significativamente para o objetivo global do projeto, fornecendo importantes indicações sobre os marcadores biológicos associados a estas condições.
Além de Inês Falcão Pires, participaram neste estudo António Barros, Ana Ferreira, Fábio Trindade, Juliana Morais, Sílvia Diaz, Francisca Saraiva, Carla Sousa, Carla Ramalho, Rui Vitorino e Adelino Leite-Moreira, da FMUP e UnIC@RISE/RISE-Health, Ana Paula Machado, da ULS de São João, Maria João Azevedo, da University of Amsterdam e Vrije Universiteit Amsterdam, Thibaut Douché e Mariette Matondo, da Proteomic Platform, Mass Spectrometry for Biology Unit, Institut Pasteur, Université Paris Cité.