Paresia gástrica
Tem uma prevalência de cerca de 21,5 casos por 100.000 pessoas e é mais frequente no sexo feminino. Os alimentos que são deglutidos, ao chegar ao estômago, sofrem um primeiro processamento. A interação com ácido e líquido, assim como os movimentos gástricos fazem com que o conteúdo alimentar se torne mais fluido e fique pronto a ser conduzido ao intestino, onde se irá dar a absorção dos nutrientes.
Para que este percurso se inicie, o estômago inicia movimentos de propulsão que provocam o seu esvaziamento. Esses movimentos são ditados por estímulos do sistema nervoso autónomo, responsável pelas ações involuntárias do nosso organismo e neste caso dos órgãos digestivos. Na paresia gástrica existe uma perturbação nos movimentos do estômago, que impede o seu esvaziamento.
Tudo indica que essa alteração seja provocada por alterações dos estímulos nervosos que fazem com que os movimentos do estômago sejam diminuídos ou desordenados e incapazes de promover o esvaziamento do seu conteúdo. Embora, como já foi dito, seja uma doença pouco comum, já foram identificados muitos fatores que desencadeiam esta situação.
O mais conhecido é a diabetes, mas outras doenças tais como doenças do sistema nervoso, infeções por vírus, doenças autoimunes, cirurgias abdominais, foram identificadas como responsáveis pelo aparecimento de gastroparesia. Também estão identificados vários medicamentos que podem induzir esta situação clínica.
A propósito, e por ser um assunto muito atual, os medicamentos injetáveis muito em voga para tratamento da obesidade podem, além de outros efeitos no tubo digestivo, desencadear um quadro de gastroparesia.
No entanto, muitos dos casos diagnosticados não têm relação aparente com qualquer doença ou fator desencadeante. Os doentes que sofrem desta condição clínica podem sentir apenas sensação de enfartamento, digestões muito lentas e azia, mas nos casos mais graves, podem ser observados vómitos permanentes, emagrecimento por vezes extremo acompanhado por desnutrição e quadros agudos de desidratação, obrigando a internamentos hospitalares repetidos. O diagnóstico não é fácil e deverá ser esclarecido por uma história clínica muito minuciosa e apoiado por vários exames.
Deverão ser excluídas outras situações clínicas que provocam sintomas semelhantes à gastroparesia, sendo a endoscopia essencial para esse esclarecimento. Outros exames que estudam a velocidade de esvaziamento gástrico são essenciais para a confirmação do diagnóstico. O exame mais importante para confirmar o diagnóstico é a cintigrafia, que mede a velocidade de esvaziamento através da deteção de isótopos radioativos previamente ingeridos. Outros exames funcionais tais como o estudo de pressões dentro do estômago são igualmente úteis, mas não estão disponíveis no nosso país.
A abordagem de um doente com paresia gástrica tem um espetro que pode estender-se desde a implementação de medidas simples, até à necessidade de tratamentos mais diferenciados, sendo que, nos casos mais complexos, seja fundamental encarar o tratamento de forma multidisciplinar. Em boa parte dos doentes, o tratamento com medicamentos que impedem os vómitos e estimulam o esvaziamento do estômago associado a uma dieta apropriada, é suficiente.
Nos casos mais graves em cuja terapêutica com medicamentos se verifica ineficaz, é necessária uma avaliação complexa efetuada por várias especialidades, que deverão agir de forma integrada. Para as situações mais complexas os doentes deverão ter uma abordagem que passa pela medicina interna, pela gastrenterologia, pela nutrição, e pela psicologia ou psiquiatria. O equilíbrio emocional e psicológico é extremamente importante dada a presença muito frequente de ansiedade e depressão associadas à gastroparesia pelo que é fundamental o controle destes quadros psiquiátricos.
A cirurgia tem, hoje em dia, um papel fundamental no tratamento de formas graves e refratárias à terapêutica medicamentosa. Uma vez que o fator primordial para o aparecimento da gastroparesia é um défice nos estímulos nervosos que implicam um mau funcionamento dos músculos do estômago, a cirurgia pode contribuir para reverter esta situação. O procedimento cirúrgico utilizado para controle da gastroparesia consiste na introdução de elétrodos de calibre inferior a um milímetro na espessura da parede do estômago.
Esses elétrodos estão ligados a um gerador colocado debaixo da pele do abdómen que pode ser programável por um telemóvel com um software adequado e que vai modular os movimentos gástricos funcionando como um pacemaker. A operação é efetuada por laparoscopia e sob anestesia geral. É uma cirurgia de algum grau de complexidade técnica por ser extremamente minuciosa. Os doentes operados têm alta hospitalar geralmente no dia seguinte à intervenção e deverão ser seguidos periodicamente, para que os parâmetros do estimulador sejam aferidos sempre que necessário.