Os efeitos psicológicos em contexto de crise
Como é do conhecimento de todos o contexto internacional de guerra causa, inevitavelmente, perturbações económicas a nível global. Portugal, como parte integrante do sistema económico mundial, não está isento destas turbulências. As consequências de uma recessão económica nunca são meigas e podem levar a altas taxas de desemprego, pobreza e insegurança financeira, sendo estes fatores altamente favoráveis ao aumento de stress e ansiedade generalizados por parte das famílias que se deparam com dificuldades acrescidas, e sem recursos para efetuar a manutenção do estilo de vida anteriormente adotado. Com despesas assumidas, que têm de ser cumpridas, e filhos para criar, esta situação torna-se tremendamente impactante no estado emocional de quem sente o peso da responsabilidade.
A crise internacional resulta também em fluxos maciços de refugiados. O deslocamento forçado por parte de quem, com toda a legitimidade, se recusa a aceitar uma guerra que destrói o seu país, a sua cidade e as suas gentes, e que pretende proteger o pouco que ainda lhe resta, expõe estes indivíduos a condições extremamente adversas. A sua chegada a um país que se pretende acolhedor, pode também desencadear sentimentos mistos na população de origem, incluindo empatia e solidariedade e, ao mesmo tempo, ansiedade em relação ao impacto social, económico e cultural. Todas estas condicionantes são promotoras do aparecimento de uma enorme instabilidade da sociedade em geral, nos nativos e nos refugiados.
Não podemos esquecer que esta instabilidade apresenta transtornos biológicos e psicológicos no ser humano. Em momentos de tristeza, medo e preocupação, o corpo passa por uma série de alterações biológicas como resposta ao stress emocional. Essas mudanças fazem parte da complexa interação entre o sistema nervoso, o sistema endócrino e o sistema imunológico. Se por um lado a sua presença constitui uma resposta normal do corpo à adversidade, por outro lado a sua persistência no tempo, pode ter efeitos adversos na saúde física e mental a médio/longo prazo.
Neste sentido, é fácil entender que os conflitos armados são um catalisador para o trauma psicológico em escala massiva. Os cidadãos em países diretamente afetados experimentam níveis elevados de stress, ansiedade e transtorno pós-traumático que os coloca numa situação de enorme fragilidade no que diz respeito à saúde mental. Contudo, estas consequências não se limitam ao espaço geográfico dos conflitos, pois também nas restantes nações, se instalam tensões psicológicas que derivam da observação continua, através dos média, de cenários aterradores e da perceção de impotência perante tamanha atrocidade, aos quais nenhum ser humano consegue ser indiferente. A informação que diariamente nos entra em casa através dos meios de comunicação tem um forte impacto negativo no nosso bem-estar e consequências no estado emocional.
Quando nos deparamos com situações que escapam ao nosso controle, é natural que emoções intensas, como a revolta e a impotência, surjam como respostas à injustiça, ao caos e à incerteza. A revolta frequentemente caminha lado a lado com a impotência, que é uma sensação avassaladora de incapacidade diante dos desafios que se apresentam. É como lutar contra um vendaval, onde cada esforço parece insuficiente para modificar o curso dos acontecimentos. Essa impotência, por sua vez, pode gerar um profundo desconforto emocional, alimentando uma sensação de desamparo diante da magnitude da crise.
A revolta pode ser uma força motriz para a mudança. Transformar a indignação em ações concretas, permite que a revolta se transforme numa força positiva. Por outro lado, a impotência, pode ser enfrentada através da aceitação do que não podemos mudar e da concentração e foco naquilo que está ao nosso alcance e é possível transformar.
O aumento da procura de serviços de saúde mental é uma realidade, particularmente, em períodos de crise. A capacidade do sistema de saúde mental é testada à medida que a procura aumenta e é crucial que a resposta a estas necessidades esteja devidamente instituída e estruturada para garantir a resposta adequada.
A importância de cuidar da saúde mental é de extrema relevância, mas quando o contexto que se vive é indutor de grandes desafios emocionais, torna-se ainda mais importante não negligenciar esta vertente da saúde. Embora as circunstâncias possam ser desafiadoras e a incerteza assumir um papel preponderante, encontrar força e resiliência dentro de cada um de nós não é uma tarefa fácil, mas é uma jornada fundamental. Assim como cuidamos dos nossos corpos físicos, a saúde mental também merece toda a nossa atenção e dedicação.
No meio do caos, é essencial cultivar a esperança. O desafio de olhar para além das adversidades e manter a chama da determinação viva é um ato de coragem essencial. A força mental, muitas vezes, é o pilar que sustenta a resistência em tempos difíceis e garante que o físico não desiste e continua a lutar pela sobrevivência.
Nesse cenário desafiador, é importante lembrar que as emoções que experimentamos são válidas. A tristeza, o medo e a ansiedade são reações humanas naturais, mas também somos capazes de encontrar alegria, coragem e solidariedade no meio do tumulto.
Num contexto em que é fundamental a interajuda, a solidariedade contribui positivamente para a saúde mental coletiva, criando uma atmosfera de apoio e compreensão mútuos. Em comunidades solidárias, a consciencialização sobre as necessidades emocionais dos outros é elevada, e promove um ambiente mais saudável para todos. A solidariedade não transforma apenas vidas materialmente, mas também molda positivamente o panorama psicológico. Ao colocarmos em prática a solidariedade, construímos um caminho para a resiliência, autoaceitação e um profundo sentimento de pertença, criando um ciclo virtuoso de bem-estar emocional geral.
O apoio mútuo é uma fonte inestimável de fortaleza. Ao partilharmos as nossas debilidades emocionais, construímos uma rede de suporte que nos ajuda a superar obstáculos. Juntos, somos mais fortes, e capazes de enfrentar as tempestades emocionais que o contexto de crise inevitavelmente transmite.
Nunca devemos subestimar o poder da resiliência. Mesmo em tempos de conflito, podemos aprender, crescer e conseguimos, com toda a certeza, adaptarmo-nos à nova realidade como forma de proteção. A resiliência é a capacidade de se curvar, mas não quebrar, de encontrar luz nas sombras e de emergir mais forte do que nunca.
Nos momentos menos positivos, é fácil e habitual esquecermos a importância do autocuidado. No entanto, é justamente nestes períodos que cuidar de nós mesmos se torna um ato revolucionário. Priorizar o descanso, nutrir o corpo e a mente, e permitir momentos de tranquilidade são investimentos inestimáveis para a saúde mental. É imperativo encontrar momentos de paz. Seja através da meditação, da arte, da música ou da natureza. Encontrar fontes de serenidade é uma maneira poderosa de acalmar a mente inquieta.
Ao cuidarmos da nossa saúde mental, conseguimos, não apenas, resistir às adversidades, mas também construir um novo e mais resistente alicerce para a reconstrução futura. Se nos focarmos na nossa própria força interior, contagiamos e inspiramos os outros a caminhar na mesma direção.
Num contexto internacional de guerra, Portugal enfrenta desafios psicológicos significativos decorrentes da crise global. É por isso imperativo que as políticas públicas e os recursos de saúde mental estejam preparados para atender às crescentes necessidades da população. A compreensão aprofundada destes efeitos psicológicos permite uma abordagem mais eficaz na mitigação do impacto e na promoção do bem-estar mental em tempos difíceis.
É crucial lembrar que não estamos sozinhos nas nossas jornadas. Procurar apoio, seja de amigos, familiares ou profissionais de saúde mental, é um ato de coragem e sabedoria. A vulnerabilidade não é fraqueza, mas sim, a essência da humanidade.
Cuidar da saúde mental não é apenas uma escolha sábia é uma necessidade vital.
Não existe saúde sem saúde mental!