Opinião

Processo de luto: como gerir o sofrimento de uma perda?

Atualizado: 
10/10/2023 - 09:15
A morte é um fenómeno natural e inevitável do ciclo da vida. Contudo, para algumas pessoas, a morte de uma pessoa próxima pode ser a experiência emocionalmente mais violenta das suas vidas e, para alguns, atingir uma carga traumática.

Por processo de luto, aquando da perda de um ser humano, entende-se a adaptação a um mundo sem a pessoa perdida e, inevitavelmente, sem tudo aquilo que ela nos proporcionava.

E, sim, “uma perda nunca vem só”. Existe uma perda primária, que diz respeito à perda da pessoa amada, e, por sua vez, existem inúmeras perdas secundárias, como a perda das rotinas partilhadas, das conversas, do abraço e do toque físico, do colo emocional que apenas essa pessoa nos proporcionava.

Desta forma, ao longo dos anos, a ciência psicológica, tem vindo a destacar os riscos da vivência de uma perda para a saúde mental, nomeadamente um risco elevado de depressão, ansiedade, perturbação do stress pós-traumático ou perturbação do luto prolongado.

Naturalmente que cada processo de luto é único e os riscos mencionados encontram-se associados a elementos como o nível de proximidade e intimidade emocional com a pessoa perdida (quanto maior a proximidade, maior o vazio da perda e o sofrimento carregado pela pessoa em luto), a fase do ciclo da vida em que a perda acontece e as circunstâncias da morte.

Quanto às circunstâncias da morte, destacam-se quatro tipos de processos de luto, designadamente: luto inesperado, luto antecipatório, luto desautorizado e luto ambíguo.

Um processo de luto inesperado remete para quando a pessoa é surpreendida por uma perda inesperada, por exemplo aquando de um acidente automóvel, desastre natural ou um assalto. O risco de não existir um momento de despedida é elevado, o que aumenta o risco de patologia.

Por oposição, um luto antecipatório é aquele que ocorre antes da perda real de uma pessoa, a qual se encontra em ameaça progressiva de morte (por exemplo, no contexto de doenças crónicas, cuidados paliativos) Este integra um sofrimento prolongado e uma ansiedade intensa que controlam o quotidiano. Ainda que estas circunstâncias possibilitem um período de preparação para a perda e procura de apoio, tendem a estar associadas a processos de negação.

Por luto desautorizado entende-se o processo de luto por perdas estigmatizadas, como uma perda gestacional ou de um animal de companhia perda. Encontra-se associado a um baixo suporte social, em que a pessoa é silenciada e o sofrimento desvalorizado pelo que os rodeiam.

O luto ambíguo acontece com perdas em que não existe contacto/reconhecimento do corpo da pessoa perdida, como histórias de pessoas desaparecidas (“será que está viva?”, “e se não fosse ele a ir naquele caixão?”).

Contudo, a pessoa em luto apresenta um papel ativo para a gestão do sofrimento e tornar o processo de luto menos penoso (dentro daquilo que é possível).

Uma das principais estratégias remete para os rituais do luto. Estes permitem a transformação de uma relação que era anteriormente física numa relação interna, simbólica e emocional. Ou seja, permitem manter a presença simbólica da pessoa perdida na nossa vida, aquilo que denominados por “laços contínuos”, manter a pessoa “viva” na nossa vida, homenageando tudo o que foi para nós.

Em poucas palavras, a relação perde a sua natureza física (o toque, os abraços), mas os rituais do luto permitem sentir que a pessoa continua “próxima”, presente na nossa vida, que a relação (ainda) existe. Tomem-se como exemplos de rituais do luto:

  1. Construir um Livro de Memórias (fotografias, poemas, letras de músicas) ou uma Caixa de Memórias (roupa, bilhetes de concerto, pertences da pessoa perdida).
  2. Reservar um espaço da casa com fotografias, flores e/ou velas (ou inclusive, com as cinzas – caso faça sentido).
  3. Plantar uma árvore num sítio que recorde o outro (quintal da casa, jardim associado a passeios, campo/casa de férias).
  4. Dialogar sobre a pessoa perdida com os demais, particularmente episódios engraçados ou felizes.
  5. Escrita terapêutica que representa uma possibilidade de comunicar com a pessoa perdida, pedir perdão, exigir um pedido de desculpas, expressar emoções.
  6. Visitar a última morada (no caso do cemitério, se a pessoa se sentir confortável, colocar flores, deixar uma carta).

Por acréscimo, existem outras ferramentas, para além dos rituais do luto (individuais e familiares, pois ambos são importantes - desde ir ao cemitério sozinho e colocar flores a construir um livro de memórias em conjunto com outros membros da família).

Um exemplo é manter uma rotina de autocuidado, a qual permita cuidar da saúde mental e da saúde física e, por sua vez, garantir a existência de “energia emocional” para gerir o vazio da perda – como por exemplo, manter uma alimentação saudável, praticar exercício físico, manter uma boa rotina do sono, ter um discurso interno positivo (isto é, mudar a forma como fala consigo mesmo, substituir o “eu não vou ser capaz” por “vai ser difícil, mas vou esforçar-me para dar o meu melhor”), propiciar momentos de relaxamento, entre outros.

Outro exemplo é recorrer a técnicas distrativas. É importante o contacto com a dor (até porque não podemos fugir do sofrimento da perda), mas é igualmente importante os momentos em que desligamos do sofrimento, por exemplo, com recurso à distração (ler um livro, ver uma série, correr/caminhar, falar com uma pessoa, tricotar). Veja o exemplo do choro: só é produtivo se produzir alívio. Chorar, por um determinado tempo, e sentir-se aliviado é saudável. Passar o dia a chorar é perigoso – não sente alívio e só aumenta o sofrimento emocional e a dimensão do luto na sua vida.

Por fim, mas não menos importante, é fundamental recorrer ao colo emocional dos outros, enquanto aprender a dar colo a si próprio (“de quem gostaria receber um abraço?”, “o que eu preciso, hoje?”, “o que me faria sentir melhor?”).

Não está sozinho, procure ajuda psicológica especializada. Na MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense, existe a consulta de apoio no luto, em modalidade online ou presencial, na qual encontra um espaço seguro para expressar as suas emoções, identificar estratégias para gerir a dor, encontrar rituais do luto para manter a pessoa perdida presente na sua vida, aprender a gerir as diferenças familiares na expressão da dor – tudo o que fizer sentido, inclusive, voltar a encontrar-se a si próprio, após esta experiência traumática.

*As explicações são de Sofia Gabriel e Mauro Paulino, psicólogos na MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense, Revisores Técnicos da Edição Portuguesa do livro “A Mensagem das Lágrimas - Guia para Lidar com o Luto”. 

Autor: 
Sofia Gabriel e Mauro Paulino, psicólogos na MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense, Revisores Técnicos da Edição Portuguesa do livro “A Mensagem das Lágrimas - Guia para Lidar com o Luto”
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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