Internamentos sociais no SNS sobem 60% e custam mais de 226 milhões de euros ao Estado
Os internamentos sociais, que representavam, em março, 9,4 % do total de internamentos nos hospitais públicos, têm um custo anual de mais 226 milhões de euros.
Lisboa e Vale do Tejo e Norte são responsáveis por mais de 8 em cada 10 casos de utentes internados de forma inapropriada.
Os internamentos inapropriados nas unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde (SNS) aumentaram este ano, assim como os custos associados a estes casos, que se explicam por atrasos, quer na admissão para a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), como na admissão para Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI).
Em março, estavam internadas de forma inapropriada nos hospitais portugueses 1675 pessoas, o que traduz um aumento de 60% face ao mesmo mês do ano passado, quando os internamentos sociais totalizavam 1048. Considera-se internamento inapropriado todos os dias que um doente passa no hospital quando já tem alta clínica e não existe um motivo de saúde que justifique a sua permanência em ambiente hospitalar.
Estes casos, que à data da recolha dos dados (20 de março de 2023) representavam 9,4% do total de internamentos nos hospitais nacionais (excluindo unidades psiquiátricas), têm um custo estimado de quase 52 milhões de euros para o Estado, o que compara com 19,5 milhões em março de 2022. Extrapolando este cenário para o total do ano de 2023, os internamentos inapropriados podem ter um impacto financeiro de mais de 226 milhões de euros.
Estas são algumas das conclusões do 7º Barómetro de Internamentos Sociais, que contou com a participação de 39 unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde (SNS), num total de 19.462 camas hospitalares (88% do total, a nível nacional).
Os dados dão conta de um total de 102.807 dias de internamentos inapropriados (mais 228% face à 6ª Edição), um número que espelha o elevado impacto deste fenómeno no prolongamento da ocupação das camas em ambiente hospitalar, assim como no aumento dos tempos de espera para internamentos programados, resultando na degradação dos cuidados de saúde. Este enorme aumento resulta particularmente do aumento da demora média dos internamentos inapropriados (61,4 dias em 2023 vs 29,9 dias em 2022), tendo como sua principal causa o atraso na obtenção de vaga para ERPI.
No que respeita às causas dos internamentos, a falta de resposta da RNCCI foi apontada como responsável por metade dos casos. No entanto, quando se analisa o aumento dos dias de internamento inapropriados, a principal causa passa a ser a não obtenção de vaga atempada em ERPI. Dito de outra forma: temos mais doentes a aguardar vaga na RNCCI, mas aqueles que aguardam por vaga em ERPI aguardam mais tempo. Na mais recente análise, este fator explica 49% dos internamentos injustificados, estando entre as principais causas referidas em todas as regiões do país.
Lisboa e Vale do Tejo (34%) e norte (45%) são as regiões com maiores taxas de internamentos inapropriados, sendo responsáveis, em conjunto, por mais de 8 em cada 10 casos de pacientes internados sem sintomatologia clínica que o justifique, confirmada através de alta médica.
Para Xavier Barreto, Presidente da APAH, “Os resultados da 7.ª edição demostram que voltamos a recuar nas respostas aos internamentos inapropriados. Verifica-se um aumento do número de internamentos, mas, mais ainda, do número de dias que esses doentes aguardam por vaga em RNCCI ou ERPI. É urgente recuperar soluções concertadas entre os sectores da saúde e da segurança social, encontrando respostas adequadas para estes doentes. Por uma questão de eficiência e boa gestão dos recursos públicos, mas acima de tudo por uma questão de qualidade dos cuidados prestados. Importa ainda revisitar os investimentos previstos no Plano de Recuperação e Resiliência no sentido de perceber em que medida contribuem para responder a este desafio de saúde pública e social”.
“Num momento crucial para a saúde em Portugal, é fundamental que todas as organizações que compõem o complexo ecossistema da saúde se envolvam ativamente. A aparente falta de ações efetivas e concertadas contribuiu para uma deterioração da situação. Agora, é necessário não apenas incluir o assunto nas discussões, mas também trazê-lo em definitivo para os planos de ação de todas as organizações envolvidas. A participação alinhada de todos é essencial para enfrentar os desafios atuais, e nós EY, enquanto agente económico e de transformação cá estaremos para com o restante ecossistema construir um mundo que funcione melhor”, afirma Miguel Amado, Partner da EY.
Para Lélita Santos, Presidente da SPMI “As causas principais do problema foram já repetidamente identificadas e, sem dúvida, estão muito dependentes do setor social. Teremos particular interesse em saber como evoluiu o tempo de demora média dos internamentos inapropriados, se a resposta da RNCCI melhorou ou se foram desenvolvidas outras alternativas de apoio que retirem os doentes dos hospitais quando estes já não precisem. Sobretudo, todos temos interesse em melhorar a qualidade de vida dos doentes e este tipo de projetos facilita a procura de soluções e a melhoria dos índices identificados.”
“A experiência durante o período da pandemia, em que a Segurança Social conseguiu encontrar soluções que resultaram na diminuição não só do número de internamentos inapropriados como nos tempos de permanência indevida nos hospitais, não teve continuidade, como se pode comprovar pelos dados da 7ª edição do Barómetro. Apesar da tentativa de aumentar a capacidade de resposta em ERPI através da contratualização de mais lugares em estruturas geridas pelo setor solidário (Portaria n.º 38-A/2023) constata-se o fraco impacto desta medida, até pelo facto de sabermos que a capacidade de resposta deste setor é limitada, face às necessidades de um país que regista uma das maiores taxas de envelhecimento da Europa e do mundo. E os dados do Barómetro comprovam-no: são os mais velhos os que mais permanecem indevidamente nos hospitais. Todos reconhecemos que é urgente agir, que é necessário criar um modelo assistencial que proteja os cidadãos, que se preocupe com o seu bem-estar, que traduza a devida articulação entre o sistema de Saúde e o sistema da Segurança Social. Um modelo que seja eficiente do ponto de vista financeiro, sendo que uma parte dos encargos com a resposta quer em ERPI, quer na RNCCI, pode e deve ser assegurada pelos milhões de euros que são atualmente gastos nos hospitais com o prolongamento dos internamentos, como se verifica pelos dados em análise”, conclui Júlia Cardoso, Presidente da APSS.