«O papel do cuidador informal é fundamental no acompanhamento do doente com cancro renal»
Estima-se que o cancro do rim seja mais frequente no sexo masculino, sobretudo a partir dos 50 anos, e que este representa entre 2 a 3% de todos os tumores. Que tipo de tumor é este e quais os fatores de risco associados?
O cancro do rim é raro, correspondendo apenas a 2-3% de todos os tumores malignos. Em Portugal, estima-se que surjam, anualmente, cerca de 1200 novos casos. A maioria dos doentes são diagnosticados com a doença localizada no rim. Aquilo que sabemos é que o cancro renal é ligeiramente mais frequente no homem, comparativamente com a mulher, e que a mediana de idade é de 60 anos ao diagnóstico. Além da idade e do género, os principais fatores de risco para cancro renal são a obesidade, o tabagismo e a hipertensão arterial.
Há, no entanto, uma percentagem pequena de casos que são hereditários…
As pessoas com familiares com cancro do rim podem ter um risco aumentado de o vir a desenvolver, podendo tal dever-se à transmissão de genes com mutações que predispõe ao tumor. Alguns fatores podem aumentar esse risco de hereditariedade, sendo um deles a idade mais jovem ao diagnóstico. No entanto, apenas 3 a 5% dos tumores renais são hereditários.
Dos diferentes tipos de tumor que afetam os rins, qual ou quais os mais frequentes?
Os tumores mais frequentes no rim são os carcinomas de células renais (CCR), que representam cerca de 90% de todos os tumores renais. Existem vários subtipos de CCR, sendo o mais comum o carcinoma de células claras, que representa 80% dos casos. Outro tipo de tumor incluí o carcinoma de células de transição, que tem origem nas células que revestem a pelve renal e o ureter. Além disso, existem também tumores renais benignos, como o angiomiolipoma, o oncocitoma e o adenoma renal, que mais raramente requerem tratamento.
Apesar de muitas vezes não apresentar sintomas numa fase inicial, ou estes serem facilmente confundidos com outros problemas da saúde, a que sintomas ou sinais devemos estar atentos?
Sintomas como dor lombar persistente, queixas urinárias (como sangue na urina), perda de peso, perda de apetite ou cansaço inexplicável devem levar a uma avaliação clínica precoce e a estudo diagnóstico adicional. No caso de doença avançada, pode também ocorrer tosse, falta de ar, dor abdominal ou óssea, podendo traduzir metastização pulmonar, abdominal ou óssea.
Como é feito o seu diagnóstico e qual a importância de ser feito precocemente? Existe algum rastreio? O que fazer como medida preventiva?
Na maioria dos casos, os doentes são assintomáticos, sendo que o diagnóstico ocorre como um achado após realização de exames de imagem de rotina, seja por ecografia, tomografia axial computorizada (TAC) ou ressonância magnética (RMN). Para o estadiamento, será necessário uma TAC torácica, abdominal e pélvica. Em caso de doença localizada, a imagem do nódulo pode ser suficientemente suspeita para diagnóstico e proposta cirúrgica. Outros casos necessitarão de confirmação por biópsia. Também poderá ser necessário estudo adicional das vias urinárias com ureteroscopia ou cistoscopia. Por outro lado, no caso de doença disseminada (ou seja, com envolvimento de outros órgãos à distância), o diagnóstico poderá passar também por uma biópsia de uma lesão suspeita extra-renal. Até à data de hoje, não existe indicação de rastreio de cancro do rim. Poderá ser feita vigilância imagiológica a indivíduos com maior risco de o desenvolver, como aqueles com história familiar. Como medidas preventivas, é fundamental um estilo de vida saudável com prática regular de exercício físico, dieta rica em frutas e legumes, controlo da ingestão diária de sal e abstinência de tabaco.
Em última análise, quais as principais complicações da doença?
O cancro do rim pode levar a várias complicações, dependendo da gravidade e do estadio da doença. Após cirurgia, algumas das complicações mais comuns incluem insuficiência renal, trombose venosa profunda, hipertensão arterial, infeções do trato urinário ou síndrome paraneoplásica. Em último caso, pode ocorrer metastização, quando o tumor se desenvolve para outras partes do corpo, como o pulmão, ossos, fígado ou cérebro.
Quais os métodos de tratamento disponíveis? Quais as terapias mais utilizadas?
No caso de tumores localizados ao rim, a cirurgia constitui a base do tratamento. Em tumores mais pequenos, pode até ser feita apenas vigilância ou ablação por abordagens minimamente invasivas como a crioterapia, radiofrequência ou laser. Por outro lado, para doença avançada ou disseminada, o tratamento é sistémico. Os tumores do rim são caracterizados pela sua particular angiogénese e imunogénese, sendo tumores resistentes ao clássico tratamento de quimioterapia. Assim, desde 2005, surgiram os fármacos orais antiangiogénicos como o Sunitinib, Pazopanib, Axitinib e Cabozantinib – fármacos inibidores da tirosina cinase. Mais recentemente, temos assistido à introdução da imunoterapia. A imunoterapia é uma forma de tratamento do cancro através da ativação do sistema imunitário, estimulando as células do próprio organismo na defesa contra o cancro. O tratamento com imunoterapia estava geralmente limitado após a progressão com um fármaco antiangiogénico. Nos últimos anos, após resultados muito positivos em ensaios clínicos, surgiu a possibilidade de combinar dois fármacos de imunoterapia, assim como combinar esta com fármacos antiangiogénicos, com resultados muito favoráveis em termos de resposta tumoral e tempo de vida dos doentes. Ainda mais recentemente, vimos com grande entusiasmo a introdução da realização de tratamento com imunoterapia a seguir à cirurgia, reduzindo o risco de recidiva de doentes com maior risco.
Quais os efeitos secundários mais frequentemente associados ao seu tratamento sistémico?
Os efeitos secundários dependem diretamente do tipo de tratamento que o doente está a realizar. No caso dos fármacos orais inibidores da tirosina cinase pode ocorrer fadiga, alterações cutâneas, aumento da pressão arterial, aftas na boca, diarreia ou alterações analíticas (como do hemograma, função hepática, renal ou endócrina). Com imunoterapia apenas, pode-se destacar a fadiga ou alterações cutâneas como os efeitos mais frequentes. Pode também ocorrer toxicidade endócrina (geralmente detetada por análises de sangue), pulmonar (que se pode manifestar com tosse ou falta de ar), gastrointestinal (sendo um dos sintomas a diarreia), renal (com alteração da função renal) ou reumatólogica (com dores articulares). No caso da combinação de imunoterapia e fármacos inibidores da tirosina cinase, a toxicidade, além de ser combinada, é geralmente mais frequente e grave.
Após o diagnóstico, quais os cuidados a ter? Que alterações ao estilo de vida devem ser feitas?
Após o diagnóstico, os cuidados devem passar por manter um estilo de vida saudável. Respeitar uma dieta variada e equilibrada, com alimentos ricos em proteínas e fibras, assim como cumprir uma correta ingestão diária de água. Fazer exercício físico regular e evitar o tabaco e álcool. É igualmente importante aprender a gerir o stress emocional e físico que um diagnóstico oncológico pode provocar, recorrendo, por exemplo, a técnicas de meditação, yoga ou psicoterapia. Participar em grupos de apoio com outros doentes oncológicos pode também ser útil para lidar com as emoções e partilhar informações.
Neste sentido, qual a importância e o papel do cuidador informal no acompanhamento do doente?
O papel do cuidador informal é fundamental no acompanhamento do doente com cancro renal, dado que oferece apoio físico, mas também emocional durante todo o processo de diagnóstico e tratamento. O cuidador pode ajudar seja no período de convalescença após cirurgia, seja durante o período de realização de tratamentos sistémicos, garantindo que o doente segue o tratamento prescrito, respeitando a correta posologia e horários de toma de medicação oral, por exemplo. Além disso, é essencial na ajuda à gestão dos efeitos adversos deste tipo de tratamentos, sendo muitas vezes um referenciador no caso de necessidade de idas urgentes aos Hospital.
No âmbito do Mês de Consciencialização para o Cancro do Rim, que mensagem gostaria de deixar? Quais as ideias-chave devemos reter?
Nos últimos anos, temos vindo a assistir a uma constante evolução em Oncologia. O desenvolvimento de inúmeros ensaios clínicos, com o aparecimento de novos fármacos, combinações de vários tipos, assim como a possibilidade de tratamento em fases mais precoces da doença, têm permitido oferecer mais e melhores respostas no tratamento deste tipo de tumores, aumentando não só o tempo de vida, mas também melhorando a qualidade de vida dos doentes. O caminho do progresso será sempre este, sendo que considero essencial reforçar a importância dos ensaios clínicos nesta melhoria permanente do tratamento e do prognóstico, nomeadamente neste tumor raro.