Aumento do orçamento da saúde não deverá ter impacto no aumento da prestação de cuidados de saúde
O Observatório da Despesa em Saúde enquadra-se na Cátedra BPI | Fundação “la Caixa” Chair in Health Economics , atribuída a Pedro Pita Barros, no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social, uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI e a Nova SBE. Os autores desta análise, Pedro Pita Barros e Eduardo Costa, membros do Nova SBE Health Economics & Management Knowledge Center assinalam ainda que a previsão de despesas com pessoal na saúde parece ser insuficiente tendo em conta o histórico de derrapagem orçamental e a evolução expectável dos salários anunciada para a administração pública.
O aumento verificado na despesa de saúde no OE 2023 é explicado em 55% pela despesa de capital (investimento). Esta rubrica apresenta um elevado risco de execução, pois, desde 2013, que face aos orçamentos iniciais a execução da despesa de capital acaba por ser pouco mais de metade (53%) do orçamentado.
É ainda assinalado que o histórico de execução faz antecipar crescentes dificuldades no controlo da despesa com pessoal e com bens e serviços. Na eventualidade de existirem derrapagens nestas rubricas, notam, estas podem ser acomodadas pela baixa execução da despesa de capital – evitando, desta forma, uma derrapagem global significativa do orçamento.
O reforço orçamental público na saúde, que tem tido aumentos significativos ao longo dos anos, não se traduz necessariamente num aumento da prestação de cuidados de saúde. Por um lado, parte do reforço orçamental pode ser utilizado para corrigir potenciais suborçamentações evitando desta forma a acumulação de dívidas. Por outro lado, este reforço pode também ser utilizado para compensar o aumento generalizado de preços ao longo dos anos.
O Observatório assinala que tradicionalmente a execução orçamental tem sempre ficado acima do orçamento inicial, desvio que, de acordo com os investigadores, pode ser explicado por dois efeitos potenciais: sinaliza uma suborçamentação crónica do SNS e uma dificuldade de gestão permanente.
Ilustrativa desta realidade é o histórico comportamento da dívida do Serviço Nacional de Saúde (SNS) aos fornecedores. Num padrão recorrente a dívida acumulada ao longo do tempo é seguida por uma injeção extraordinária no final do ano, que permite reduzir o stock de dívida.
Entre 2014 e 2018, o SNS tinha um volume de pagamentos em atraso mensais médios de 710 milhões de euros. Entre 2019 e 2021, este valor reduziu-se para uma média de 430 milhões de euro por mês. De facto, o valor mais baixo de pagamentos em atraso foi atingido em dezembro de 2021 (110 M€). Apesar disso, os últimos meses disponíveis – dados disponíveis até agosto de 2022 – demonstram uma subida expressiva dos pagamentos em atraso, tendo atingido um pico de 694 milhões de euros em julho de 2022.
Os valores do orçamento da saúde são atribuídos a diferentes rúbricas, com evoluções diferentes. A principal despesa está relacionada com a aquisição de bens e serviços (55%), seguida pela despesa com pessoal (37%). Prevê-se uma ligeira subida para estas duas rúbricas em 2023, abaixo do valor esperado para a inflação. De facto, face à estimativa de execução em 2022, a despesa com pessoal aumenta 2,9% e a aquisição de bens e serviços aumenta 3,7%.
A evolução destas duas rúbricas explica a derrapagem orçamental verificada em 2022, 2021 e 2020. De facto, os orçamentos para estas rúbricas – que representam mais de 90% do orçamento da saúde têm sido ultrapassados nos últimos anos.
A aquisição de bens e serviços sobe também abaixo da inflação prevista para 2023 (3,7% vs 4,0%). Esta rúbrica inclui despesas com medicamentos e comparticipações nas farmácias, meios complementares de diagnóstico e terapêutica, parcerias público-privadas, subcontratos, entre outras despesas. O modesto aumento orçamental previsto exigirá um apertado controlo desta despesa.
A subida das despesas com pessoal prevista para 2023 fica claramente abaixo da inflação prevista e significativamente abaixo do crescimento médio previsto para as Administrações Públicas (5,5%).
Pela análise global do documento, os investigadores da Nova SBE, apontam três principais riscos. Em primeiro lugar, a dotação prevista para as despesas com pessoal parece não ser realista face ao histórico de evolução, bem como face à evolução expectável dos salários dos trabalhadores da saúde e restante administração pública. Em segundo lugar, a dotação para aquisição de bens e serviços não aumenta acima da inflação, exigindo um controlo apertado da despesa para evitar derrapagens. Em terceiro lugar, e em sentido contrário, o forte aumento previsto na despesa de capital pode não vir a ser executado. Tal como em anos anteriores, existe uma grande dificuldade na execução da despesa de capital, ficando uma larga parte da mesma por materializar.
Assim, o ano de 2023 exigirá uma gestão apertada do orçamento para a saúde. Não é expectável que o reforço previsto se traduza num alívio significativo para as equipas de gestão. Pelo contrário, o histórico de execução faz antecipar crescentes dificuldades no controlo da despesa com pessoal e com bens e serviços. Tal como em anos anteriores, na eventualidade de existirem derrapagens nestas rúbricas, estas podem ser acomodadas pela baixa execução da despesa de capital – evitando uma derrapagem global do orçamento significativa.