Doença Arterial Periférica: diabéticos têm risco elevado para complicações como úlceras isquémicas, gangrena e amputação
Constituindo um importante marcador da presença de um risco elevado de mortalidade cardiovascular, estima-se que a Doença Arterial Periférica afete até 10% das pessoas, mas poucas estão a despertas para a sua gravidade. Neste sentido, começo por perguntar em que consiste esta condição e quem está em risco?
A doença arterial periférica (DAP) consiste na presença de doença aterosclerótica obstrutiva dos membros inferiores (podendo afetar também os membros superiores, mas menos frequentemente) e faz parte de uma doença sistémica que é a aterosclerose.
Tem uma prevalência de cerca de 10% e atinge mais os homens que as mulheres. Aproximadamente 50% dos doentes são assintomáticos tornando muito difícil estimar a sua verdadeira prevalência.1.
A doença tem diferentes estadios clínicos: pode ser assintomática (sendo neste caso um marcador da doença aterosclerótica sistémica), estadio da claudicação intermitente que é a dor na marcha, podendo esta ser incapacitante e impossibilitando a execução das atividades diárias habituais, e a isquemia crítica com dor em repouso e gangrena que põe o membro em risco.
Os doentes em maior risco são aqueles que possuem doença aterosclerótica diagnosticada em outros territórios (doença coronária, AVC ou EAM prévios) e os doentes que apresentam comportamentos de risco como o tabagismo e fatores de risco como HTA, diabetes, dislipidemia.
Quais as principais causas associadas à DAP?
Os principais fatores de risco são: o tabagismo, dislipidémia, diabetes mellitus, hipertensão arterial, idade, entre outros fatores menos comuns como a hiperhomocisteinémia, doença de Buerger, vasculites, história familiar de aterosclerose.
Quais as suas manifestações clínicas e, uma vez que esta se agrava progressivamente, a que sinais devemos estar atentos?
A DAP quando sintomática manifesta-se inicialmente na forma de claudicação intermitente dos membros inferiores, que consiste na dor, fadiga ou desconforto com a marcha, atingindo predominantemente os músculos gémeos, e com a distância de marcha reprodutível (a dor inicia sempre no final de x metros) e que cessa com o repouso.
Um dos primeiros sinais de agravamento da doença é o encurtamento da distância de marcha que passa a ser progressivamente menor podendo mesmo atingir distâncias tão curtas que comprometem a qualidade de vida do doente.
A evolução da doença aterosclerótica pode ser grave e de tal forma que compromete a viabilidade do membro levando a isquemia do mesmo. O doente pode apresentar dor em repouso, com uma sensação de dor predominantemente noturna que agrava com o decúbito e melhora com o pé pendente. Muitas vezes estes doentes apresentam um edema marcado da perna devido ao ato de a colocarem fora da cama ou mesmo por dormirem sentados.
Por último podem aparecer feridas dolorosas na perna ou pés uma vez que a quantidade de sangue que chega às extremidades é tão débil que compromete o suprimento de oxigénio e nutrientes aos tecidos.
Os doentes que apresentem risco de terem doença aterosclerótica devem estar atentos à dor nas pernas quando andam devendo logo recorrer a uma consulta de Cirurgia Vascular. Devem fazer a inspeção diária dos seus membros, de forma e identificar as feridas, as alterações de coloração que pode ser o rubor de pendência (pé de lagosta), ou a palidez e cianose. É comum também existirem alterações nas unhas que se tornam amarelas e espessas (onicogrifose) bem como a rarefação pilosa (perda dos pêlos nas pernas) e a pele fica mais fina e brilhante.
Em caso da distância de marcha estar rapidamente a encurtar, se aparecer dor em repouso nas pernas ou pés e feridas dolorosas, os doentes devem recorrer de imediato a um serviço de urgência de forma a serem observados e tratados com a maior celeridade possível.
Como é feito o seu diagnóstico? E em que consiste o seu tratamento?
O diagnóstico pode ser feito apenas através do exame físico em que se detetam as alterações físicas já descritas anteriormente e a ausência de pulsos, podendo haver perda de pulsos distais (tibial posterior e pedioso), e/ou poplíteo e/ou femoral (conforme a localização da obstrução).
Também pode ser medido o índice tornozelo braço que é a razão entre a Pressão Arterial (PA) sistólica do tornozelo e do braço. Um valor baixo (≤ 0,90) do índice tornozelo-braquial sugere DAP, que pode ser classificada como leve (0,71 a 0,90), moderada (0,41 a 0,70) ou grave (≤ 0,40)
Quanto a exames de imagem, existem várias ferramentas diagnósticas disponíveis sendo o mais importante e o mais frequentemente pedido o eco-doppler arterial dos membros inferiores. Este exame é não-invasivo e permite o diagnóstico da doença bem como aferir a sua gravidade de imediato.
Para uma avaliação mais rigorosa da doença obstrutiva pode ser realizado a angio-TC dos membros inferiores e que deve contemplar a aorta e artérias ilíacas bem como a angiografia dos membros inferiores. Ambos envolvem a injeção de contraste, numa veia periférica ou diretamente na artéria, respetivamente.
O tratamento apresenta 4 vertentes: a evicção dos fatores de risco, o tratamento médico da aterosclerose de forma a diminuir o risco cardiovascular, tratamento para melhorar os sintomas de claudicação e o tratamento cirúrgico de forma a revascularizar o membro isquémico.
Apenas 25% dos doentes com claudicação intermitente evoluem para isquemia crítica 2. desde que os fatores de risco estejam controlados. Assim, é fundamental a evicção tabágica total, controlo rigoroso da diabetes, dislipidemia e da HTA, dieta, exercício físico.
O tratamento médico farmacológico envolve a toma de anti agregação para prevenir EAM, AVC ou morte vascular. Nos doentes que tenham sido sujeitos a revascularização dos membros inferiores, a adição de um segundo agente antitrombótico ao ácido acetilsalicilico está recomendada com recurso ao uso de anticoagulação em baixa dose com rivaroxabano 2,5mg duas vezes por dia.
O tratamento sintomático da claudicação envolve o treino de marcha com programas de exercício estruturados e que proporciona um aumento na distância de marcha e qualidade de vida bem como melhora o perfil lipídico e a tensão arterial.
O tratamento farmacológico da claudicação está representado pelo Cilostazol que é um inibidor na fosdodiesterase 3 que aumenta o AMPc intracelular. O seu efeito inclui a inibição plaquetária, vasodilatação periférica, elevação do HDL, diminuição dos triglicéridos e melhoria distância de marcha em 40-60% comparando com o placebo.3
Outro fármaco disponível é a pentoxifilina que provoca uma maior entrega de oxigénio aos tecidos devido ao seu efeito hemoreológico reduzindo a viscosidade do sangue. Apesar da pentoxifilina estar associada a uma melhoria modesta na distância da marcha nos estudos realizados aos doentes claudicantes, esta melhoria parece ser mais estatisticamente significativa do que clinica.
O tratamento cirúrgico está indicado nos doentes que apresentem claudicação intermitente com sintomas incapacitantes e que interfere na atividade de vida diária apesar do tratamento médico e em doentes que tenham os seus fatores de risco controlados. Na isquemia crítica todos os doentes têm indicação para cirurgia uma vez que o membro está em risco, exceto se a anatomia for não revascularizável ou o risco cirúrgico seja impeditivo.
Sendo a cirurgia uma alternativa para o restabelecimento do fluxo sanguíneo, que opções existem? Existem contraindicações?
O tratamento invasivo pode ser feito através de cirurgia clássica ou por angioplastia endovascular. A sua indicação vai depender a localização e extensão da obstrução, do tipo de doente, idade e risco cirúrgico.
Na angioplastia endovascular é puncionada uma artéria e feita a dilatação das artérias com balões com ou sem colocação de stent. É um procedimento menos invasivo e que acarreta menor risco cirúrgico. Na cirurgia clássica pode ser realizada tromboendarteretomia ou bypass com veia ou com uma prótese.
A contraindicação da cirurgia é a ausência de anatomia para revascularizar ou a presença de comorbilidades que aumentam o risco cirúrgico.
Após o diagnóstico, quais os cuidados a ter? Quem acompanha estes doentes?
Após conhecimento da presença desta doença os doentes devem ter cuidados extra com os seus pés, de forma a evitar feridas e uso de calçado apropriado. Devem manter controlados os seus fatores de risco e manter a medicação indicada.
O seguimento destes doentes, se a doença estiver estável e em estadios iniciais, pode ser realizada com o médico de família. Em casos mais graves e em doentes já submetidos a cirurgia, e nos doentes diabéticos, a vigilância deve ser feita por Cirurgia Vascular.
Quais a principais complicações associadas à DAP?
As principais complicações associadas à doença arterial periférica podem ser locais com a perda de membro ou sistémicas com EAM ou AVC.
E em matéria de prevenção, o que pode ser feito para evitar o seu desenvolvimento?
Para evitar o seu aparecimento devem ser adotados estilos de vida de saudável, controlar os fatores de risco associados à aterosclerose e exercício físico. Para prevenção secundária existem os tratamentos médicos com anti agregação.
Qual o impacto da DAP na vida dos doentes, sobretudo nos doentes diabéticos?
A doença arterial periférica tem um grande impacto na vida dos doentes, especialmente naqueles sintomáticos uma vez que a claudicação está associada a uma menor qualidade de vida. Além disso, estes doentes apresentam um maior risco associado de eventos adversos associados aos territórios coronários e cerebrovasculares. No doente diabético a isquemia neuropática acarreta ainda um maior risco de eventos relacionados com o membro: a alteração de conformação do pé, com úlceras de pressão e a imunossupressão, são fatores que elevam este risco.
No âmbito deste tema, que mensagem gostaria de deixar?
Na doença arterial periférica o foco deve ser a prevenção. Doentes que apresentam fatores de risco devem ser abordados logo desde o início com vista a implementar um estilo de vida saudável, o exercício físico, evicção tabágica e controlo rigoroso dos fatores de risco presentes. Esta postura deve ser ainda mais rigorosa no doente diabético.
Referências:
- Selvin E, Erlinger TP. Prevalence of and risk factors for peripheral arterial disease in the United States: Results from the National Health and Nutrition Examination Survery, 1999-2000. Circulation. 2004; 110:738-43.
- DormandyJ, Heeck L, Vig S. The natural history of claudication: risk to life and limb. Semin Vasc Surg. 1999 Jun; 12(2):123-37. PMID: 10777239
- Strandness DE, Jr, Dalman RL, Panian S, et al. Effect of cilostazol in patients with intermittent claudication. A randomized, double-blind, placebo-controlled study. Vasc Endovascular Surg. 2002; 36: 83-91.