“O isolamento social, a mudança do estilo de vida, os acessos limitados às consultas” agravaram a condição dos doentes de Parkinson
A Pandemia trouxe vários desafios e complicações aos doentes de Parkinson. É possível estimar o impacto que estes dois anos de pandemia trouxeram aos portadores de doença neurológica?
Prof. Joaquim Ferreira: A pandemia COVID-19 tem tido um enorme impacto na qualidade de vida dos doentes com Doença de Parkinson. Desde o início do ano de 2020, os cuidados prestados mudaram: o acesso limitado às consultas de Medicina Geral e Familiar de Neurologia têm dificultado a avaliação de rotina e ajustes farmacológicos; os tratamentos cirúrgicos (cirurgia de estimulação cerebral profunda e colocação de levodopa intrajejunal) foram adiados e agravaram as listas de espera. Adicionalmente as medidas impostas para evitar a propagação do vírus SARS-COV2 implicaram profundas mudanças no estilo de vida destes doentes, incluindo a redução da atividade física e social prolongada. As preocupações económicas, sociais e familiares causam agravamento do humor, ansiedade.
Os estudos mais recentes que investigaram o impacto da pandemia mostraram que os sintomas que mais pioraram foram a rigidez, a fadiga, o tremor, a dor e a concentração.
Adicionalmente, as infeções são causas comuns de agravamento dos sintomas da doença. Embora geralmente seja transitório, este agravamento pode persistir após este período de infeção. A infeção COVID-19 pode ter um efeito direto no agravamento dos sintomas da doença de Parkinson.
Sendo que foram realizados menos diagnósticos, menos consultas e menos terapias, na prática, o que isso significa no que diz respeito à evolução da doença?
Dra. Ana Castro Caldas: A doença de Parkinson é uma doença progressiva e muito dinâmica, caracterizada por sintomas motores e não motores. Os doentes precisam de consultas regulares com o médico de família e com o neurologista, para que seja possível ajustar o tratamento dos seus sintomas, monitorizar possíveis efeitos adversos e progressão da doença. Ao longo da doença, os doentes podem ter agravamentos súbitos ou rápidos, sendo necessária uma avaliação rápida. A prescrição da medicação é também essencial, visto que a suspensão ou redução da medicação abrupta pode causar agravamento dos sintomas, podendo ser graves o suficiente para necessitarem de internamento hospitalar.
No entanto, a dificuldade no acesso a terapias complementares, como a fisioterapia ou a terapia da fala, por exemplo, já vem de trás… O que falha ou o que falta, de um modo geral, para assegurar o acesso aos cuidados que estes doentes necessitam?
Prof. Joaquim Ferreira: O papel das intervenções não farmacológicas tem ganho muita relevância nos últimos anos. A fisioterapia representa um tratamento dos sintomas que não respondem tão bem à medicação, como a marcha e as quedas. A evidência mais recente sugere inclusivamente um efeito neuroprotetor com possível impacto na evolução da doença. Por outro lado, a terapia da fala ajuda a melhorar a qualidade da voz e a monitorizar a dificuldade no engolir. Ainda assim, nem toda a classe médica tem conhecimento da sua importância e do seu papel da doença. É muito frequente os doentes terem acesso apenas a 20-40 sessões de fisioterapia por ano. Todos as pessoas com doença de Parkinson devem ter acesso à fisioterapia de forma continuada, sendo que os objetivos vão mudando de acordo com a progressão da doença. Outra limitação é a escassez de fisioterapeutas peritos nas doenças do movimento, sendo muito diferente reabilitar uma fratura de uma perna e uma alteração da marcha ou risco de quedas causada pela doença de Parkinson. A resistência do doente e/ou família de iniciar e manter estas terapias também não negligenciável.
De que modo a saúde mental destes pacientes, que também foi impactada com a pandemia, pode condicionar o agravamento da doença?
Dra. Ana Castro Caldas: O agravamento da ansiedade e da depressão têm sido descritos em todo o mundo. Importa dizer que estas manifestações são muito frequentes da doença de Parkinson e é um dos fatores com mais impacto na qualidade de vida do doente. O isolamento social, a mudança do estilo de vida, os acessos limitados às consultas e as preocupações inerentes a uma crise mundial causaram franco agravamento da saúde mental, alguns deles com necessidade de internamento hospitalar.
Para quem não está familiarizado com a patologia, que doença é esta?
Prof. Joaquim Ferreira: A doença de Parkinson é uma doença neurodegenerativa, sendo por isso crónica e progressiva, para o qual não existe tratamento de cura. É caracterizada por perda de neurónios numa região chamada substância nigra, que contêm um neurotransmissor chamado dopamina, responsável pelo contro do movimento. Embora esta doença tenha sido descrita inicialmente como doença motora, hoje sabemos que quase todos os doentes têm sintomas não motores, como alteração do sono ou prisão de ventre, muitos anos antes do início do tremor ou lentidão.
Uma vez que expressão clínica dos sintomas da doença de Parkinson é variável, à semelhança da progressão da patologia e resposta à terapêutica, que sinais podem lançar a suspeita do diagnóstico?
Dra. Ana Castro Caldas: No início da doença, a maioria das pessoas apresentam um tremor do membro superior ou inferior de um dos lados. Podem também sentir lentidão e rigidez do mesmo lado. Estas alterações causam dificuldade na escrita caracterizado por redução progressiva do tamanho da letra ou redução do balanceio do braço durante o andar. Perante estas alterações, as pessoas com estas queixas devem ser vistas por um neurologista.
Quais as causas associadas à Doença de Parkinson e quais as principais complicações?
Prof. Joaquim Ferreira: Embora a doença tenha sido descrita há 200 anos pelo Dr. James Parkinson em Inglaterra, continuamos sem saber o que causa a doença. Os estudos mais recentes sugerem interações entre uma predisposição genética e fatores ambientais. A hipótese mais credível é a existência de um desequilíbrio entre as causas, os fatores de risco, as alterações genéticas e os fatores de proteção.
Importa referir que as formas genéticas, ou seja, doença de Parkinson provocada por mutações nos genes são raras, sendo a causa em cerca de 10% dos casos.
Sendo que uma variedade de doenças e síndromes clínicas que podem confundir-se com a Doença de Parkinson, como é feito o seu diagnóstico?
Dra. Ana Castro Caldas: O diagnóstico da doença de Parkinson é clínico, ou seja, é baseado na descrição das queixas do doente/familiar, e nos achados no exame neurológico realizado no momento da consulta. Geralmente, os exames de imagem como ressonância magnética ou cintigrafia são realizados para excluir outras doenças.
Sabendo que não há nenhum medicamento capaz de atrasar ou reverter a doença de Parkinson, em que consiste e para que serve o seu tratamento?
Prof. Joaquim Ferreira: O tratamento da doença de Parkinson é muito eficaz e consiste em repor a dopamina que escassa no cérebro. Existem múltiplos fármacos seguros e eficazes na melhoria dos sintomas como o tremor, lentidão e rigidez. Existem também tratamentos para a memória, ansiedade, tristeza, prisão de ventre. Idealmente, os doentes devem ser integrados em equipas interdisdisciplinares para a abordar e tratar de forma global os sintomas da doença.
O tratamento cirúrgico pode servir para todos os doentes? Quais os critérios que levam à escolha desta possibilidade terapêutica?
Dra. Ana Castro Caldas: Infelizmente, apenas uma percentagem reduzida de doentes se torna candidata à cirurgia (cerca de 10-15%). Visto tratar-se de uma cirurgia complexa e com riscos associados (como todas as cirurgias), a inclusão de doentes no programa de cirurgia é muito rigorosa. A indicação mais frequente ocorre quando, com o agravamento da doença, os doentes passam a ter uma incapacidade importante que não responde à medicação. Neste caso, os doentes têm períodos em que a medicação é eficaz (período ON) e passado umas horas apresentam pioria do tremor, da voz, do andar como se a medicação perdesse o efeito (período OFF).
Ainda assim, muitos doentes nunca são encaminhados ou são encaminhados tarde demais. Na dúvida, todos os doentes devem ser referenciados para os centros de cirurgia.
Qual o prognóstico desta doença?
Prof. Joaquim Ferreira: Como já foi dito anteriormente, a doença de Parkinson é uma condição crónica e progressiva para o qual não existe cura. No entanto, a forma e a velocidade com que evolui é extremamente variável. Por um lado, a ausência de progressão exclui o seu diagnóstico, por outro lado, o agravamento muito rápido, sugere outra doença alternativa. De uma forma geral, a esperança de vida diminui ligeiramente, mas a maioria das pessoas vivem muito tempo e com boa qualidade de vida.
Uma vez que falamos em prognóstico, que medidas gerais podem ajudar a prevenir o declínio ou agravamento da patologia, permitindo os doentes manter alguma qualidade de vida?
Dra. Ana Castro Caldas: Os fatores mais importantes para estabilidade da doença são o estilo de vida saudável que inclui exercício físico, estímulo social e cognitivo intenso, controlo dos fatores de risco vasculares e acompanhamento médico frequente para ajuste da medicação e monitorização da progressão da doença, assim como a identificação de efeitos adversos dos medicamentos.
No âmbito deste tema, que mensagem ou ideias-chave gostariam de deixar?
Prof. Joaquim Ferreira: Um dos aspetos mais importantes é a integração das pessoas com doença de Parkinson em equipas interdisciplinares centradas no doente. É essencial que o doente e a sua rede de suporte familiar conheçam a doença e o seu tratamento disponível para que, em pareceria com o médico, sejam tomadas decisões terapêuticas e até de fim de vida.