Entrevista

«O Mieloma Múltiplo é uma doença maligna do sangue que pode atingir o esqueleto»

Atualizado: 
24/03/2022 - 12:31
Março é o mês de Sensibilização para o Mieloma Múltiplo, uma doença do sangue frequentemente diagnosticada em idades avançadas e que, por nem sempre apresentar qualquer sintoma, pode ser negligenciada. Assim, e uma vez que esta se trata de uma patologia sem cura com grande impacto na qualidade dos doentes, em entrevista ao Atlas da Saúde, Joana Santos, Assistente hospitalar Hematologia Clínica no Centro Hospitalar de Setúbal, apela a que estejamos atentos aos sintomas já que “o diagnóstico precoce é muito importante para prevenir o desenvolvimento de complicações graves da doença”.

Em Portugal estima-se que sejam diagnosticados todos os anos cerca de 800 novos casos de mieloma múltiplo. No entanto, são muitos os doentes que não sabem que doença é esta e que a confundem com um carcinoma dos ossos, por exemplo, dadas as suas manifestações. Neste sentido começo por lhe perguntar em que consiste e quais as causas desta patologia?

O Mieloma Múltiplo é uma doença do sangue que pode atingir o esqueleto, causando massas ou fraturas ósseas e por isso existem algumas pessoas que a confundem com um carcinoma dos ossos. Mas não, o Mieloma não é um carcinoma dos ossos.

O Mieloma Múltiplo é uma doença maligna do sangue em que um grupo de glóbulos brancos chamados plasmócitos sofre alterações genéticas que conduzem à sua proliferação de maneira anormal na medula óssea, localizada no interior dos ossos.

Quais os principais grupos de risco?

O Mieloma Múltiplo é uma doença que é diagnosticada mais frequentemente em idades mais avançadas. Cerca de metade dos casos diagnosticados são em pessoas com mais de 65 anos de idade e é também mais comum nos homens do que nas mulheres.

Hoje sabe-se também que as pessoas que tenham sido expostas ao longo da vida a produtos tóxicos (como pesticidas, combustíveis, diluentes…) ou que sofram de outras doenças ou tratamentos capazes de induzir um estado de imunossupressão podem ter maior risco de desenvolver doenças malignas do sangue, inclusive Mieloma Múltiplo.

Embora as suas formas de apresentação sejam muito variáveis, de um modo geral, quais os principais sintomas?

Sim, o Mieloma Múltiplo tem formas de apresentação variáveis e nem todas as pessoas diagnosticadas com esta doença apresentam os mesmos sintomas.

Os principais sintomas estão relacionados com dores ósseas persistentes, mais frequentemente na coluna, fraturas ósseas sem relação evidente com traumatismos, cansaço inexplicado ou infeções de repetição.

No entanto, esta patologia também pode ser assintomática. Nestes casos, como se pode suspeitar da doença?

Nos casos de doença assintomática pode suspeitar-se da doença através de análises de sangue: alterações como anemia, aumento dos níveis de imunoglobulinas, aumento dos níveis de cálcio ou subida inusitada da creatinina. Contudo, nenhuma destas alterações é específica do Mieloma e pode haver muitas outras causas para essas alterações nas análises.

Quais os métodos de diagnóstico?

O diagnóstico do Mieloma Múltiplo é feito por análises de sangue, de urina, e à medula óssea que irá demonstrar infiltração por plasmócitos. São também necessários exames de imagem ao esqueleto para avaliar a presença de lesões ósseas.

Quais as principais complicações associadas ao Mieloma Múltiplo e seu tratamento?

O Mieloma Múltiplo se não for diagnosticado atempadamente evolui com várias complicações que podem incluir: insuficiência renal, por vezes com necessidade de diálise; complicações hematológicas, como anemia, falência medular ou alterações da coagulação; infeções; complicações ósseas, como fraturas, aumento dos níveis de cálcio, e nalguns casos complicações neurológicas, como compressão de raízes nervosas ou compressão da medula espinhal com paralisia.

As complicações relacionadas com o tratamento do mieloma múltiplo dependem da combinação de medicamentos utilizados, mas os mais comuns podem incluir neuropatia periférica, trombose venosa, aumento do risco de infeções e/ou diminuição da contagem de glóbulos brancos e plaquetas.

E, uma vez que falamos em tratamento, que opções terapêuticas existem? Sabendo que esta é uma doença incurável, qual o seu objetivo?

Na última década, foram estudados e aprovados vários medicamentos antineoplásicos dirigidos ao tratamento do mieloma múltiplo. A maioria dos tratamentos inclui dois ou três medicamentos em simultâneo em ciclos regulares, alguns são administrados por via subcutânea ou endovenosa no hospital e outros são tomados sob a forma de comprimidos. O tratamento do mieloma é habitualmente feito em regime de ambulatório, não sendo necessário internamento, exceto nos casos em que haja indicação para um transplante autólogo, habitualmente indicado em doentes mais jovens e com bom estado geral de saúde. O tratamento tem como objetivo o controlo rápido da doença, revertendo ou evitando as complicações relacionadas com o mieloma e desta forma melhorar a qualidade de vida e prolongar a sobrevivência sem sintomas da doença.

Que áreas terapêuticas podem prestar apoio a estes doentes?

O tratamento do Mieloma Múltiplo é uma competência médica e deve ser feita por médicos com experiência no tratamento desta doença e na utilização de medicamentos antineoplásicos. Contudo, o tratamento e seguimento dos doentes com esta doença não se cinge à administração de medicamentos. Nalguns casos pode ser necessário o tratamento com radioterapia e nas situações em que há fraturas ósseas o apoio da Ortopedia ou Medicina Física e Reabilitação é muito importante. Muitos doentes também necessitam de apoio psicológico e psiquiátrico a partir do momento em que recebem o diagnóstico.

Sendo a qualidade de vida destes doentes a grande preocupação/objetivo de quem os acompanha, o que significa a existência de mais investigação nesta área?

Sendo o Mieloma Múltiplo uma doença crónica em que os doentes podem sofrer várias recaídas, pretende-se que os doentes vivam o maior tempo de vida possível com a melhor qualidade de vida e isso inclui sentimentos de bem-estar físico, mental e social. Há doentes que sofrem de dores relacionadas com fraturas, doentes com neuropatia que condiciona a mobilidade e o regresso ao trabalho ou a realização de pequenas tarefas do dia a dia, há doentes idosos que estão ao cuidado de familiares com todas as limitações que isso acarreta. Estes são exemplos de circunstâncias que se refletem na sensação de bem-estar global do doente. Na verdade, têm sido incorporados questionários de qualidade de vida em ensaios clínicos com o objetivo de medir a melhoria da qualidade de vida nos doentes tratados, uma dimensão que é fundamental na decisão terapêutica.

Para terminar, e no âmbito do Mês de Sensibilização para o Mieloma Múltiplo, que mensagem gostaria de deixar?

Gostaria de sensibilizar as pessoas a priorizarem a sua saúde e não ignorarem novos sintomas que possam sentir pois o diagnóstico precoce é muito importante para prevenir o desenvolvimento de complicações graves da doença, e gostaria também de deixar uma mensagem de otimismo porque de facto a investigação nesta área tem sido contínua e com resultados promissores.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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