Saúde mental

Depressão nos jovens: É fácil culpar o Covid, mas a génese não é de agora

Atualizado: 
14/09/2021 - 10:53
A depressão nos jovens é um tema que está cada vez mais no radar dos especialistas e a pandemia veio agudizar a necessidade de acompanhamento e análise deste objeto. Recentemente foi noticiado mais um estudo global realizado por cientistas da Universidade de Calgary, no Canadá e publicado na JAMA Pediatrics, onde foi anunciado que um em cada quatro jovens tem sintomas de depressão elevados e um em cada cinco apresenta sintomas de ansiedade forte devido a esta pandemia mundial. Esta análise congrega 29 estudos em que participaram 80.879 jovens de várias regiões do mundo e é assustador constatar que à escala global todos estes sintomas de depressão e ansiedade duplicaram face aos resultados existentes em pré-pandemia.

Contudo, e acreditando que este ângulo “covidiano” deverá ser auscultado regularmente nos tempos mais próximos, também sabemos que a génese desta problemática não é de agora, nem tão pouco só pelo Covid-19, mas sim pela gigante mudança que as nossas sociedades foram sofrendo nas últimas décadas.

A Era Digital sim. Esta teve, tem e continuará a ter um papel muito mais profundo do que a pandemia na contribuição dos estados depressivos, de isolamento e de falta de IE (Inteligência Emocional) na vida dos jovens. Estamos a alimentar de forma astronómica um processo de individualização que agora ficou “justificado” com o facto de termos mesmo de ter os nossos filhos em casa. Fomos obrigados a estar em casa, mas precisamos de não esquecer as consequências de permitirmos que a única forma de entretenimento sejam as plataformas sociais, jogos e internet. Estas ferramentas exploram quase de forma impercetível, elementos como o preconceito e as vulnerabilidades psicológicas representativas da juventude. Estes meios estão intrinsecamente relacionados com o desejo de autoafirmação e, quase sempre, ao medo de rejeição. Por isso, o uso muito passivo das redes sociais, ainda que seja somente a navegação pelos “posts” alheios, está relacionado a sentimentos negativos como a inveja, rancor e insatisfação com a vida.

Mas não são só as redes sociais. Jogos violentos e esta nova forma de consumo desenfreado de filmes e séries contribuem largamente para os sintomas de depressão, medo, ansiedade patológica, isolamento social e privação de sono. Em qualquer idade, mas especialmente na juventude, o excesso de tecnologia faz com que o indivíduo passe a maior parte do tempo a interagir virtualmente, o que afeta muito o seu desenvolvimento e faz perder outras experiências sociais importantes.

A situação é tão preocupante que já em 2018 a Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu o vício de jogos eletrônicos na classificação das doenças mentais, o problema foi comparado aos casos de dependência química, já que as consequências mentais e físicas são muito semelhantes aos efeitos que as drogas ilícitas causam no organismo de um jovem.

São inúmeras as consequências prejudiciais à saúde relacionadas com o excesso do uso de tecnologia, mas enuncio as 4, provavelmente, mais graves neste âmbito:

  1. O aumento da solidão: a felicidade momentânea desencadeada por um ‘like’ pode aliviar temporariamente os sentimentos de isolamento. Contudo, esse tipo de “aceitação virtual” nem sempre supre os desejos mais profundos e, com isso, acaba por aumentar os sentimentos de frustração e angústia.
  2. A redução da autoestima: quanto mais a interação virtual, maior a tendência a desenvolver mais inseguranças em relação à aparência física. A baixa autoestima e os sentimentos negativos contribuem para o surgimento de alguns distúrbios alimentares como a bulimia, a anorexia e outras doenças com consequências graves para o organismo e estado psicológico do jovem.
  3. A exposição ao cyberbullying: As pessoas mais vulneráveis são facilmente “detetadas” pelos colegas no percurso da interação nas redes sociais, consequentemente, os mal-intencionados podem, apenas por diversão, disseminar palavras, imagens violentas ou até mesmo ofensas para humilhar os mais frágeis. Este tipo de “violência digital” influência bastante o estado psicológico do jovem mais vulnerável, dado que a sua sensibilidade e emoções estão à flor da pele, o que aumenta a probabilidade de se sentir ofendido ou frustrado com mais facilidade. Todos sabemos que em casos mais extremos, estes ataques recorrentes já levaram jovens à automutilação ou à decisão de suicídio.
  4. Sentimentos de depressão: um estudo feito com 10 mil jovens canadenses com idades entre 12 e 14 anos revelou que quem passa mais de cinco horas por dia em redes sociais tem mais de 50% de chance de sofrer de depressão. Ainda que já vá existindo alguma informação sobre o real vs fantasia, que se saiba que a maioria dos conteúdos são apenas ostentação e que cada detalhe é elaborado no photoshop, a falta de maturidade emocional dos jovens contribui para o aumento das crises depressivas.

O uso de tecnologias veio para ficar e também representa muitos benefícios, mas é preciso atenção e cuidados especiais para ajudar os jovens e adolescentes a superar os impactos altamente negativos deste problema sobre a saúde mental e física.

Neste contexto, o Mentoring pode ter um papel ativo no alívio da carga que representa o modus vivendi dos jovens nos dias de hoje, e também não deve ser descartado o tratamento num hospital ou clínica especializados em saúde mental.

Nos casos, digamos, de sintomas iniciais em que o mote poderá ser desencadear novos hábitos e interesses no jovem, a Mentoria goza de ferramentas e processos que contribuem para essa mudança de forma contínua. Tão ou mais importante do que hábitos, por força da dormência que a Tecnologia traz à mente dos jovens, o desenvolvimento da sua inteligência emocional e técnicas de integração social são também imprescindíveis para o desenvolvimento dos adolescentes e para a diminuição das chances de contrair sintomas depressivos.

Há um longo e novo caminho a fazer, mas a boa notícia é que está ao alcance de todos. Basta querer.

Autor: 
Adriana Coutinho - responsável pelo projeto Motto
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
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