Senologia: diagnosticar e tratar doenças da mama
A Senologia é um ramo da Medicina que diagnostica, estuda e trata as doenças da mama. Está, tradicionalmente, sob a responsabilidade de um ginecologista ou cirurgião geral.
“Mas, em boa verdade, o que importa é que quem o faça, o faça bem, ou seja, que estejam envolvidos sempre profissionais que na sua atividade se dediquem maioritariamente a esta questão”, explica Luís Castro, especialista em Ginecologia e Obstetrícia, senologista e coordenador da Ginecologia/ Obstetrícia e da Unidade da Mama do Hospital Lusíadas Braga — Unidade que conta também com o novo Hospital de Dia Médico onde é possível realizar com “toda a privacidade, comodidade e conforto todas as terapêuticas necessárias para o tratamento do cancro.”
Um dos aspetos mais relevantes da consulta de Senologia é a sua componente multidisciplinar. “Hoje em dia, sabemos que não é um médico sozinho e isolado que trata este tipo de doenças. Em todos os sítios onde há Senologia com qualidade, são vários os especialistas envolvidos, existindo uma interação forte com outras especialidades, como a Imagiologia, Oncologia Médica, Radioterapia, Fisioterapia, Enfermagem, Cirurgia Plástica e Reconstrutiva, Medicina Física e de Reabilitação, Psicologia ou Genética Médica.”
Para combater de forma eficaz as patologias da mama, em que se destaca o cancro da mama, esta equipa vasta e marcada pela multidisciplinaridade é fundamental. Vários estudos têm, aliás, demonstrado, que quando tratadas por médicos experientes e cujas áreas se complementam, as mulheres têm não só maior sobrevida, como conseguem ter uma qualidade de vida superior após os tratamentos.
Existem várias doenças que podem afetar a mama, além do cancro da mama. “Felizmente, as benignas são as mais frequentes”, diz o médico, ressalvando que é muito importante não desvalorizar este tipo de patologia. “Não só pode dar muito incómodo e desconforto, como muitas vezes causa muita ansiedade.”
O cancro da mama
Este fator de ansiedade em torno de patologias na mama tem uma causa. É que apesar das doenças benignas serem as mais frequentes, o cancro da mama também é muito incidente e prevalente. “É o tipo de cancro mais comum nas mulheres. É, de longe, muito mais frequente do que o cancro do colo do útero”, ressalva o especialista.
Os números falam por si. Segundo o especialista, em Portugal, são diagnosticadas por ano mais ou menos cerca de seis mil novos casos de cancro da mama. Mais: a Agência Internacional do Desenvolvimento do Cancro estima que na Europa Ocidental, ao longo da vida, mais ou menos uma em cada oito mulheres irá desenvolver um cancro da mama. Apesar de ser mais frequente em idade mais avançada, é importante lembrar que um em cada quatro casos de cancro da mama são diagnosticados antes dos 50 anos.
“É uma doença que é muito frequente, que preocupa muito as mulheres e que atinge muitas mulheres em idade jovem. Tem muito impacto não só pela frequência, mas também porque afeta a imagem das mulheres, a sua relação com o mundo e também os seus agregados familiares, porque as mulheres são um suporte fundamental, uma trave das famílias. Quando afetamos a vida da mulher, afetamos muitas vezes a sua dinâmica familiar.”
Como em tantas outras doenças, a chave para bons resultados, diz o médico, é a deteção precoce. “Permite tratar de forma menos mutilante e agressiva, com melhores resultados na sobrevida e na qualidade de vida a longo prazo, conservando na maioria das vezes a mama”, diz. “Qualquer alteração na mama, seja dor, nódulos, corrimento mamilar, alterações na forma, não devem ser desvalorizadas. Devem procurar o seu senologista para poderem ser devida e eficazmente orientadas.”
As outras doenças da mama
Existem outras patologias benignas, que justificam uma consulta de senologia. Umas porque estão frequentemente associadas à dor e ao desconforto, outras porque podem aumentar o risco de transformação maligna.
“Existem muito frequentemente senhoras a queixarem-se de dor na mama por patologia benigna, que são os quistos e nódulos da mama, que também causam muita ansiedade e desconforto”, diz. “Carecem de vigilância e têm muitas vezes a necessidade de intervenção ou de tratamento cirúrgico, porque aumentam de tamanho, provocam dor, causam deformidade estética ou porque provocam esta ansiedade permanente.”
E que outras doenças são estas?
Patologia fibrocística
Caracterizada por quistos e fibrose da mama, que podem coexistir. É muito frequente. “É um distúrbio que afeta mais frequentemente a mama que é densa e que provoca dor com frequência.”
Esta dor é cíclica, estando muitas vezes associada ao ciclo menstrual da mulher. Os tratamentos fazem-se com analgésicos e antinflamatórios. “Também tentamos controlar o ciclo ovulatório porque, diminuindo as flutuações, conseguimos melhorar esta patologia”, explica o especialista. “Também tratamos vigiando, tranquilizando e excluindo a hipótese de ser um cancro da mama. Em todas as doenças da mama, partimos sempre da exclusão da patologia maligna.”
Fibroadenomas
“São também motivo muito frequente de consulta, caracterizando-se por nódulos sólidos benignos, mais comuns na mama de mulheres jovens [na adolescência ou início de idade adulta]”, explica Luís Castro. “Estes nódulos têm uma consistência elástica, podem crescer e ser grandes.”
Muitas vezes, o diagnóstico é feito por via de ecografia e biópsia “Quando são pequenos e estão estáveis pode não necessitar de intervenção. Mas se crescerem e doerem podem ter indicação cirúrgica”, explica, ressalvando, no entanto, que “quer a patologia fibrocística, quer os fibroadenomas, não aumentam significativamente o risco de cancro da mama.”
Secreções através do mamilo
Outra causa frequente que leva muitas mulheres à consulta são as secreções no mamilo. Podem ter várias causas. A mais comum é conhecida como galactorreia, que corresponde à saída do leite pelo mamilo.”
Pode acontecer não só depois da gravidez, como noutras alturas, devido a medicamentos, quer sejam hormonas, quer sejam antidepressivos, por exemplo”, explica. “Podem ocorrer também alterações hormonais próprias que podem produzir o aumento dessas secreções, que podem ser incolores, brancas ou verdes.”
As secreções através do mamilo podem ser o sintoma de alterações que surgem dentro dos ductos. “Há pequenos tumores benignos, a que chamamos os papilomas intraductais, que são comuns e muitas vezes causadores de uma secreção que vai do incolor até a um bocadinho de sangue, que têm indicação cirúrgica.”
Por último, há ainda “tumores não benignos da mama, carcinomas invasores, que podem ter uma secreção de sangue mesmo no mamilo”, explica o especialista. “Este já é mesmo um sintoma a valorizar.” O tratamento, explica, depende da causa.” Se for provocada pelos medicamentos ou se não tiver importância, basta tranquilizar e dizer que não há risco.”
No caso destes tumores, por haver o risco de transformação maligna, pode haver indicação cirúrgica.
Mastite
São infeções da mama, que acontecem muito no pós-parto, no processo de amamentação. Os sintomas caracterizam-se por uma mama vermelha, inchada e quente.
Apesar de ser um fenómeno frequente no pós-parto, Luís Castro faz uma ressalva importante: “Há formas de cancro da mama — o carcinoma inflamatório — cuja manifestação é semelhante a uma infeção na mama. Os sintomas são os mesmos que o da mastite”, diz. Por isso, “sempre que houver uma mastite fora da amamentação, é preciso não desprezar e valorizar a infeção, porque pode ser esse tipo de cancro, que é particularmente agressivo e que se manifesta com estes sinais inflamatórios.”
Quem deve ir à consulta de senologia?
Não há uma regra fechada. A consulta de Senologia deve ser frequentada sempre que há queixas relacionadas com a mama — desde nódulos, a quistos, dor, mastites ou secreções. Não existe idade máxima ou mínima. E mesmo os homens podem ser consultados quando há queixas ou dúvidas.
Além do aparecimento de sintomas na mama, Luís Castro destaca que esta consulta é particularmente relevante para mulheres de famílias que são de risco, com historial de cancro da mama, ou ainda para senhoras que estejam em idade de rastreio, recomendado a partir dos 50 anos.
“Na consulta da mama, além de fazermos o exame, fazemos uma avaliação de risco do cancro da mama. Há algoritmos que nos permitem calcular qual é a probabilidade, o risco de a mulher vir a desenvolver esta doença ao longo da vida”, conta. “Com essas ferramentas e de acordo com o perfil da pessoa, estabelecemos um perfil de vigilância individualizado.”
Que outras características da mulher devem ser consideradas nesta avaliação, interferindo com este plano de vigilância? Além da história familiar, há outros fatores de risco para o desenvolvimento do cancro da mama. Uns são modificáveis (podem-se alterar), como o tabagismo, a obesidade ou o consumo excessivo de álcool. Outros nem por isso: “A idade não é modificável”, exemplifica. “Quanto maior a idade, maior a predisposição para o risco de cancro.”
Mas há mais. “A exposição às hormonas femininas é também um fator de risco que não conseguimos modificar: há um aumento ligeiro do risco de desenvolver esta doença, quanto mais cedo a idade da primeira menstruação e quanto mais tarde a idade da menopausa”, explica. Além disto, entre os fatores de risco modificáveis, estão também a realização de terapêutica hormonal de substituição depois da menopausa e ainda a toma da pílula contracetiva. “Aumentam de forma muito, muito ligeira o risco de desenvolver o cancro da mama. É um risco muito marginal, mas existe.”
Há outros aspetos que devem ser levados em linha de conta. “A densidade mamária, ou seja, o tipo de mama que nos surge na mamografia também é um fator de risco que se tem de considerar”, diz. “As mulheres que têm uma densidade glandular maior têm maior risco de desenvolver cancro da mama do que as menos densas.” Ter o primeiro filho numa idade mais tardia também é um fator que agrava ligeiramente o risco.
Já a amamentação, protege: “A amamentação durante mais tempo também é um fator protetor, diminuindo ligeiramente o risco de se desenvolver esta doença.”
Como é a consulta de Senologia?
O processo começa na consulta com o senologista, que faz uma avaliação inicial com uma história cuidadosa e um exame físico detalhado, pedindo os estudos necessários. Num segundo momento, intervém a especialidade de Imagiologia, onde são realizados os exames necessários, desde a mamografia, à ecografia ou a biópsia. “Depois, com os colegas de Anatomia Patológica, discutimos o resultado da biópsia e avaliamos.”
Quando há um diagnóstico de cancro, há sempre uma consulta de grupo multidisciplinar. “Reúnem-se, no mínimo, o senologista, a radioterapia e a oncologia médica”, explica Luís Castro.
É nesta consulta que se decide como é que se vai tratar a doença. “Para cada um dos diagnósticos faz-se uma avaliação conjunta para se delinear em conjunto uma estratégia”, diz. É que os tumores são diferentes e as pessoas são diferentes. O plano é sempre individualizado:” Nós não tratamos doenças, tratamos pessoas”, destaca o médico. “É diferente tratar uma mulher de 85 anos de uma mulher de 40 ou 50, que tem outra capacidade para fazer tratamentos.”
Havendo indicação cirúrgica, esta é realizada pelo senologista ou cirurgião da mama. “Depois, há novamente uma consulta de grupo e decide-se o futuro: se o paciente entra num processo de radioterapia ou de quimioterapia, por exemplo.”
Luís Castro sublinha que “todas as decisões em termos de tratamentos oncológicos são fundamentadas em consulta de grupo”, podendo depois ser necessário recorrer também aos especialistas em Medicina Física e de Reabilitação, Enfermagem, Psicologia, Genética ou Cirurgia Plástica.
A importância do diagnóstico precoce
Quanto mais cedo for diagnosticada uma doença, maior a probabilidade de um tratamento que seja eficaz e que não deixe vestígios. “Quanto mais precoce a deteção, maior a taxa de sucesso”, reforça Luís Castro. “Há estudos muito bons que fazem uma correlação entre o diagnóstico atempado, a sobreviva e o impacto na vida das pessoas.” Hoje em dia, sublinha o senologista, não se trata apenas de sobreviver: “Trata-se de ter qualidade de vida.”
Para o médico, além da sobrevivência, o sucesso de um bom tratamento, liderado por uma equipa multidisciplinar, que trabalha em conjunto, reflete-se na capacidade de “não fazer do cancro da mama o evento principal de uma vida”. Traduz-se na habilidade em “devolver as pessoas à sociedade, família ou trabalho, igual ao que estavam antes.”
Quando os diagnósticos são tardios, aumenta o risco de a doença metastizar para outros órgãos, o que diminui a probabilidade de sobrevivência. Além disso, uma deteção tardia resultará também em tratamentos mais agressivos, que deixam sequelas e marcas durante muitos anos.
A pandemia levou a que muitas pessoas adiassem consultas, afetando o rastreio e a vigilância da mama de muitas mulheres. “Estamos a ter doentes com estados mais avançados, ou porque não fizeram exames ou porque tiveram dificuldade em chegar ao médico de família.”
É fundamental não adiar os cuidados de saúde: “Na sequência de alguma alteração, é importante consultar o médico sem pensar duas vezes”, afirma Luís Castro. “O cancro não desaparece com a COVID-19. Quando tratamos a doença na fase inicial, a taxa de cura é superior a 90%. Faz toda a diferença tratar cedo.”