Psicose: a importância da intervenção precoce
O delírio (do latim de- fora; lirare, sulco do arado; significando estar fora do sulco da realidade) corresponde a uma alteração do pensamento em que o indivíduo tem uma crença falsa baseada numa inferência incorreta sobre a realidade externa, que é sustentada com convicção absoluta, apesar da existência de evidência contrária a essa crença. Alguns exemplos são a crença de ser perseguido sem de facto o ser, ou a crença de que existem seres ou entidades que conseguem inserir ou roubar os seus pensamentos. Por sua vez, as alucinações são alterações da sensopercepção, correspondendo a uma perceção sem um estímulo externo. São exemplo de alucinações: ouvir, ver ou sentir pessoas, objetos ou animais que não estão realmente presentes ou não existem. Os mecanismos biológicos subjacentes à origem dos sintomas psicóticos são alvo de investigação contínua, mas os estudos científicos mostram que mais provavelmente se devem a uma disfunção do sistema de neurotransmissão da dopamina, quando sobre ele atuam diversos fatores de stress (p.e. ter tido experiências adversas numa idade precoce como bullying ou abuso sexual, viver em meios urbanos, ser alvo de discriminação racial/étnica, consumir drogas como cannabis), em pessoas que têm predisposição genética (figura abaixo).
Tal como mencionado anteriormente, o termo psicose refere-se a um síndrome clínico e não a um diagnóstico. Assim, diversas perturbações psiquiátricas apresentam sintomas psicóticos. Entre estas, incluem-se perturbações em que há desregulação do humor (depressão e mania), nas quais os sintomas psicóticos ocorrem apenas de modo episódico, secundariamente a uma alteração do estado de humor. Por outro lado, na Esquizofrenia e nas perturbações do espectro desta doença, a sintomatologia psicótica está quase sempre presente desde o início da doença e constitui a sua manifestação principal, podendo associar-se a outras manifestações clínicas como a desorganização do pensamento, as anomalias do comportamento motor e os sintomas negativos (embotamento afetivo, pobreza do discurso, isolamento social, anedonia e avolição). Na Esquizofrenia, ao contrário do que sucede na depressão ou na mania, os sintomas psicóticos podem persistir ao longo de toda vida ou surgir apenas quando o tratamento é suspenso.
Globalmente, as perturbações psicóticas afetam cerca de 23.6 milhões de pessoas a nível mundial e são uma das principais causas de incapacidade devido a doença, associando-se a elevados custos, quer para os sistemas de saúde, quer para a sociedade. O episódio psicótico inaugural – o Primeiro Episódio Psicótico - (PEP), é um evento de saúde crítico que ocorre habitualmente no final da adolescência ou no início da vida adulta. O PEP tem um impacto significativo no curso de vida das pessoas afetadas devido à disfunção cognitiva, emocional e comportamental que provoca, interferindo significativamente na vida social e profissional. Por esse motivo, a fase inicial da psicose tem sido considerada um “Período Crítico”, fruto de observações que sugerem que a deterioração clínica e funcional, ocorre sobretudo no período próximo e anterior ao aparecimento dos primeiros sintomas psicóticos (o chamado pródromo psicótico) e no período imediatamente a seguir, compreendendo os 2 a 5 anos iniciais da doença. Neste contexto, nas últimas duas décadas, emergiu o conceito de “intervenção precoce” como base de uma abordagem dirigida às fases iniciais das perturbações psicóticas, visando uma melhoria da evolução clínica.
Este tipo de intervenção, mostrou ter um impacto positivo mais significativo quando comparada com intervenções em fases mais tardias, não só em termos de melhoria dos sintomas, mas também ao nível do funcionamento global (p.e. relações interpessoais, emprego, autonomia).
Nesse sentido, é fundamental que as pessoas que começam a apresentar os primeiros sintomas psicóticos, ou que mesmo antes do aparecimento destes sintomas, evidenciariam um declínio marcado no seu funcionamento global, iniciem um acompanhamento clínico especializado, o mais precocemente possível. Tal permitirá otimizar os resultados da intervenção realizada, uma vez que quanto maior for o período sem tratamento adequado, pior será o prognóstico. É de realçar que o tratamento destas situações clínicas, deverá contemplar uma abordagem biopsicossocial, ou seja, considerar a pessoa doente em todas as suas dimensões, não devendo resumir-se apenas à intervenção farmacológica. Nesse sentido, as guidelines internacionais recomendam que a intervenção no Primeiro Episódio Psicótico seja de natureza multidisciplinar, englobando o acompanhamento por Psiquiatria, Psicologia, bem como abordagens de natureza reabilitativa (p.e. terapia ocupacional, remediação cognitiva, etc.).
Em suma, uma adequada intervenção na fase inicial da psicose, terá como potenciais benefícios uma recuperação mais célere e evidente, com conservação das aptidões sociais, suportes sociais e familiares e melhoria do prognóstico global.