Investigadores descobrem como o ARN interage com as células abrindo portas a novos tratamentos
A informação genética do SARS-CoV-2 está codificada numa molécula de ARN em vez de ADN. Este ARN deve ser multiplicado, traduzido e embalado em novas partículas virais para produzir descendência viral. Apesar da complexidade destes processos, a SARS-CoV-2 apenas codifica um punhado de proteínas capazes de se envolver com ARN viral. Para contornar esta limitação, o SARS-CoV-2 sequestra proteínas celulares e reutiliza-as para seu próprio benefício. No entanto, a identidade destas proteínas permaneceu desconhecida até agora.
Investigadores da Universidade de Oxford em colaboração com outros laboratórios do Reino Unido e da Europa desenvolveram uma nova abordagem para descobrir de forma abrangente as proteínas que 'colam' o ARN SARS-CoV-2 a células infetadas. Com este método, os autores descobriram que o ARN SARS-CoV-2 sequestra mais de uma centena de proteínas celulares, que parecem desempenhar papéis críticos no ciclo de vida viral.
Este trabalho, publicado na Molecular Cell, identifica muitos potenciais alvos terapêuticos com centenas de fármacos disponíveis que os visam. Numa experiência de prova de princípio, os autores selecionaram quatro fármacos direcionados para quatro proteínas celulares diferentes. Estas drogas causaram efeitos moderados a fortes na replicação viral.
"Estes resultados emocionantes são apenas o início", disse Alfredo Castello, um dos investigadores que liderou o trabalho. "Com centenas de compostos que visam estas proteínas celulares críticas, será possível identificar novos antivirais. Os nossos esforços, juntamente com os da comunidade científica, devem concentrar-se agora em testar estes fármacos em células infetadas e modelos animais para descobrir quais são os melhores antivirais."
Uma observação inesperada deste estudo é que vírus de diferentes origens, tais como SARS-CoV-2 e Sindbis, sequestram um repertório semelhante de proteínas celulares. Esta descoberta é muito importante, uma vez que as proteínas celulares com papéis importantes e difundidos na infeção do vírus têm potencial como alvo para tratamentos antivirais de largo espectro.
"Nesta fase da pandemia em que as vacinas provaram o seu valor", acrescentou Alfredo Castello, "torna-se fundamental desenvolver uma nova abordagem terapêutica para contrariar variantes emergentes resistentes à vacina ou novos vírus patogénicos com potencial pandemia."
Shabaz Mohammed acrescenta que "estes novos métodos para descobrir os interlocutores do ARN viral baseiam-se em quase 6 anos de esforço entre os laboratórios usando o vírus Sindbis como modelo de descoberta. Este trabalho pré-existente permitiu-nos reagir rapidamente no início da pandemia COVID-19 e estudar as interações entre a SARS-CoV-2 e a célula hospedeira num prazo reduzido. A nossa metodologia estará agora pronta para responder rapidamente aos futuros fios virais."
O artigo "A análise global das interações proteína-ARN em células infetadas SARS-CoV-2 revela os principais reguladores da infeção" é publicado na revista Molecular Cell. O trabalho foi liderado por Wael Kamel e Marko Noerenberg, investigadores de pós-doutoramento em Glasgow e Oxford, e Berati Cerikan, bolseiro de pós-doutoramento na Universidade de Heidelberg.