Classificação, sintomas e tratamento

Neuropatia Diabética está entre as complicações mais comuns da diabetes

Atualizado: 
26/05/2021 - 15:32
Ao longo dos anos temos assistido a um aumento dramático da prevalência da diabetes mellitus (DM) sendo acompanhado pelo progresso no conhecimento das causas, na evolução da terapêutica farmacológica e na aplicação da educação terapêutica como forma importante do tratamento.

O aumento do número de pessoas com diabetes e o aumento da esperança de vida tem-se traduzido também no aumento das complicações associadas resultante do efeito vascular e metabólico da doença.

A neuropatia diabética (ND) é uma complicação grave da diabetes pelos sintomas debilitantes associados e pelo elevado risco de outras complicações, em particular aquelas relacionadas com os membros inferiores, sendo na maioria das vezes abordada no contexto do pé diabético. Está entre as complicações mais comuns da diabetes, sem definição de caso consensual, com um amplo espectro de manifestações clínicas, sem cura, sem testes de diagnóstico precoce e sem tratamento específico a nível global à exceção do bom controlo glicémico (menos evidente na DM tipo 2) e ao controlo de fatores de risco cardiovasculares; afeta a sensibilidade somática, os nervos motores e autonómicos, e pode manifestar-se de forma focal, difusa e generalizada, proximal ou distal.

A prevalência da neuropatia diabética está estimada em 7% após 1 ano de diagnóstico da DM e em 50% para aqueles com mais de 25 anos de diagnóstico, no entanto, se considerarmos a sua característica subclínica, pensa-se que a prevalência pode ser superior a 90% (segundo Vinik).

Fatores de risco

Existem vários fatores de risco para o desenvolvimento da neuropatia diabética, são reconhecidos como os mais importantes o deficiente controlo da diabetes, duração da diabetes, estatura e idade; e como possíveis a HTA, tabaco, microalbuminúria, dislipidémia e obesidade.

Fisiopatologia

A alteração inicial é estrutural nas pequenas fibras amielínicas, acompanhada de desmielinização paranodal e segmentar das fibras mielínicas ou finamente mielinizadas, com fraca resposta regenerativa. A perda de fibras nervosas é a causa da insensibilidade da polineuropatia diabética sensitivo-motora. Foram encontradas outras alterações nos vasos endoneuronais, tais como o espessamento da membrana basal, proliferação endotelial e hipertrofia; alterações vasculares relacionadas com o débito sanguíneo, níveis de oxigénio, e lesões atribuídas a aterosclerose. A hiperglicemia crónica ou aguda é o gatilho das alterações bioquímicas e imunológicas como a ativação da via poliol, o aumento do stress oxidativo, a formação de produtos finais de glicação avançada (AGE, advanced glication end products) resultam num processo inflamatório associada a secreção de citocinas pró-inflamatórias, com consequente aumento da permeabilidade vascular, angiogenese, vaso constrição e isquémica. Estas alterações incluem as complicações microvasculares e macrovasculares.

Tipos

A neuropatia diabética não é uma entidade singular. Existem várias classificações para as várias apresentações da neuropatia diabética de acordo com a forma de apresentação, extensão, sintomatologia e gravidade da doença. O Consenso de Toronto em 2009 (The Toronto Consensus Panel on Diabetic Neuropathy) classificou as neuropatias pelo seu padrão de envolvimento em focais, multifocais ou generalizadas.

As focais incluem as mononeuropatias múltiplas como a neuropatia do nervo mediano- síndrome do túnel cárpico, as multifocais incluem as mononeuropatias múltiplas como as neuropatias por radiculopatias lombosagradas, torácicas, cervicais.

As generalizadas são classificadas como típicas e atípicas. A típica é definida como crónica e inclui a polineuropatia simétrica distal a mais frequente e a mais reconhecida sendo a que apresenta um padrão anatómico de manifestação dos sintomas sensitivos de meia-luva. As formas atípicas são formas menos estudadas a sua apresentação pode ser aguda, subaguda ou crónica e devem ser referenciadas a consulta de neurologia.

A polineuropatia (PN) simétrica distal é a forma de neuropatia diabética mais comum, deve-se a uma axonopatia retrógrada praticamente sem resposta regenerativa que, frequentemente, envolve as pequenas fibras amielínicas e as fibras maiores mielínicas dos nervos. As pequenas fibras quando afetadas manifestam-se com a presença de dor, sem sinais ao exame objetivo, e sem tradução da lesão nos exames de condução nervosa. O seu envolvimento pode estar presente em fases precoces do diagnóstico de DM com elevado risco para as lesões nos pés, tendo como base o diagnóstico de exclusão.

As grandes fibras estão associadas à insensibilidade que podem levar à ulceração do pé, à ataxia, ao desequilíbrio e aumento do risco de quedas.

A componente motora é responsável pelas deformações características, proeminência da cabeça dos metatarsos e do arco médio e dedos em garra e por alterações na biomecânica que provocam maior suscetibilidade ao trauma.

A disfunção autonómica é comum nos pacientes com longa evolução da diabetes associada muitas vezes a perda da qualidade de vida, morbilidade e a crescente mortalidade sendo mais frequente quando o relacionada com o aparelho cardiovascular com manifestação hipotensão postural, variações da pressão arterial, taquicardia em repouso e a morte súbita, pode também envolver o aparelho gastrointestinal com atraso do transito alimentar e gastroparésia, envolvimento do sistema genitourinário com disfunção sexual eréctil, disfunção do aparelho urinário que inclui disúria, aumento da frequência urinária, nictúria, esvaziamento incompleto da bexiga e incontinência urinária. No Pé manifesta-se com redução da sudação com pele seca e aumento do débito sanguíneo pela presença de shunts arteriovenosos.

É uma complicação subdiagnosticada pois nem sempre é acompanhada por sintomas positivos, quando acontece, traduzem dor neuropática na maioria das vezes com evolução crónica. Quando só temos sintomas negativos dizemos que apresenta uma manifestação subclínica/silenciosa pelo que os programas de rastreio e a suspeição clínica são essenciais para o seu diagnóstico.

Os sintomas de dor neuropática são globalmente chamados de descritores da dor neuropática e são sempre patológicos, espontâneos podendo em alguns casos, como a alodinia, e a hiperalgesia serem evocados e manifestam-se de uma forma progressiva. É grande e frequente o espectro da gravidade destes sintomas, desde alguns doentes apenas com queixas menores como formigueiro localizado até pessoas com sintomas incapacitantes que provocam privação do sono e podem resultar em depressão com interferência no trabalho e vida social.

Diagnóstico pode ser considerado sob 3 aspetos:

  • No contexto dos cuidados de saúde primários, o rastreio do pé diabético na avaliação do risco clínico para úlcera de pé, o rastreio da neuropatia diabética pode ser usado para diagnosticar precocemente a neuropatia diabética. Deve incluir a história clínica de lesões e de sintomas neuropáticos, o exame objetivo deve incluir a inspeção de ambos os pés, estado da pele, sudação, ulceração, calosidades, deformidades, atrofia muscular. Deve ser avaliada a sensibilidade protetora nos pés com monofilamento de 10gr e pesquisa da sensibilidade vibratória.
  • No contexto da presença de sintomas o diagnóstico da etiologia da dor num paciente com sintomatologia neuropática nos membros inferiores. História clínica para diagnóstico diferencial do tipo de dor e exclusão outras etiologias com manifestação idêntica, exame objetivo/exame neurológico sumário. Muitas vezes é um diagnóstico de exclusão.
  • No âmbito de estudos clínicos/ investigação clínica necessita de uma avaliação muito mais pormenorizada e à parte da história e exame objetivo exige outros exames como testes sensoriais quantitativos (QST) e eletrofisiologia.

Para a neuropatia autonómica devem ser aplicados testes- padrão para avaliação da função autonómica simpática e parassimpática.

Em todos os casos deve ser atribuída educação terapêutica em relação ao autocuidado do pé de acordo com o grau de risco no sentido da prevenção da lesão.

Os fármacos de primeira linha para alívio da dor neuropática são a Gabapentina, Pregabalina; Amitriptilina e Duloxetina. Estes têm apenas efeito no alívio sintomático da dor. Os potenciais efeitos adversos condicionam por vezes a sua utilização, sendo válida a utilização de vitaminas do complexo B como terapêutica adjuvante, no tratamento de sintomas de ND.

Quanto à vitamina B12, mais do que um papel na abordagem da neuropatia, o seu défice pode ter um papel na génese da neuropatia; sendo conhecida a

associação entre terapêutica de longa duração com metformina e o défice de vitamina B12.

Nunca é de mais referir que as complicações da diabetes não são condições inevitáveis do diagnóstico da diabetes. Elas podem ser prevenidas e cada vez mais, as medidas preventivas e o acompanhamento da pessoa com neuropatia por uma equipa multidisciplinar especializada, são parte essencial da consulta de diabetologia e de pé diabético.

Autor: 
Dra. Ana Luísa Costa - Responsável médica do Departamento do Pé Diabético da APDP
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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