Cansaço progressivo e falta de ar em esforço devem ser tidos em conta para o diagnóstico da Hipertensão Pulmonar
Pouco conhecida ou subvalorizada, a Hipertensão Arterial Pulmonar é uma patologia que, embora grave, quando diagnosticada precocemente conta com as melhores perspetivas de tratamento. No entanto, com uma sintomatologia insidiosa, é frequente, passarem-se vários anos desde a instalação dos primeiros sintomas ao diagnóstico final. Por isso, hoje chamamos a atenção para a problemática. É que apesar de tudo, e de acordo com Rui Batista, Diretor do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, esta “é uma área que tem tido uma evolução fantástica nos últimos 20 anos e, portanto, mesmo sendo diagnosticado com HAP, existem inúmeras estratégias que nós podemos aplicar para melhorar a sua qualidade de vida, a sua capacidade funcional e o seu prognóstico, pelo que a equipa dos centros de tratamento estará sempre ao lado dos doentes para melhorar todos os aspetos relacionados com a sua doença”.
Mas afinal o que é a Hipertensão Arterial Pulmonar e a que sinais deve estar atento?
Segundo o especialista, “a HAP consiste numa doença que surge ao nível das muito pequenas artérias do pulmão, que transportam o sangue do ventrículo direito, através do pulmão para ser oxigenado, para o ventrículo esquerdo. Quando temos doença, a parede destas artérias, que habitualmente é fina, vai começar a engrossar e a obstruir o lúmen das artérias. Esta obstrução progressiva do lúmen das artérias vai levar a que a área por onde o sangue vai passar vai sendo cada vez mais pequena. Isto vai levar a que o ventrículo direito cada vez tenha mais dificuldade em fazer atravessar o sangue, através dos pulmões, para o ventrículo esquerdo. Isso vai levar a que o ventrículo direito comece a inchar e que o doente comece a cansar-se cada vez mais”. Em casos mais graves, explica o médico, “uma síndroma denominada insuficiência cardíaca direita que é caracterizada por inchaço da barriga, inchaço das pernas e um tom azulado da pele e das mucosas”.
Entre as principais causas, sabe-se que as doenças autoimunes, como a esclerose sistémica ou lúpus eritematoso sistémico, assim como as cardiopatias congénitas (doenças de nascença do coração) são as patologias que mais condicionam o seu desenvolvimento. Mas não são as únicas: há ainda “causas associadas a doenças graves do fígado (a hipertensão portopulmonar), em alguns casos atóxicos (nomeadamente medicamentos para perder peso populares nos anos 80 e 90 derivados das anfetaminas), e depois causas familiares que passam de pais para filhos”.
“Em alguns casos, nós não percebemos porque é que o doente desenvolve HAP, e a essa forma chamamos de HAP idiopática”, acrescenta o especialista.
Cansaço, falta de ar em esforço, uma coloração azulada da pele dos lábios e das mucosas, desmaios de esforço e, posteriormente, inchaço do abdómen e dos membros inferiores são os principais sintomas da doença.
Apesar de poder surgir em qualquer idade, mesmo em idade pediátrica, é mais frequente em indivíduos entre os 20 e os 50 anos.
“O seu diagnóstico é feito com recurso a técnicas de diagnóstico facilmente disponíveis, nomeadamente, o ecocardiograma. O ecocardiograma, que é um exame não invasivo (uma ecografia ao coração) permite identificar doentes com uma possível HP e, a partir daí, podem ser realizados outros exames para confirmar ou não o diagnóstico”, explica o Diretor do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga.
“Mesmo sendo diagnosticado com HAP, existem inúmeras estratégias que nós podemos aplicar para melhorar a sua qualidade de vida”
Para além das mudanças no estilo de vida, os doentes com hipertensão pulmonar podem necessitar de tomar medicamentos para tornar o sangue mais líquido, outros, oxigénio.
“No entanto, e felizmente, nos últimos 20 anos foram desenvolvidos vários fármacos que podem mudar completamente o prognóstico dos doentes com HAP. Estes fármacos, denominados vasodilatadores pulmonares, só são fornecidos a nível hospitalar e permitem dilatar as artérias do pulmão. Esta dilatação das artérias do pulmão vai levar a que o sangue tenha mais facilidade em passar do ventrículo direito para o ventrículo esquerdo. Muitos destes fármacos são orais, em comprimidos, mas alguns deles são administrados por nebulizações, sendo inalados, enquanto outros são parentéricos, isto é, são administrados através de infusões - ou subcutâneas, como a insulina, ou até endovenosas, através de bombas de perfusão contínua”, explica o especialista adiantando que, em casos mais graves, os doentes podem necessitar de um transplante pulmonar.
“O transplante pulmonar é uma estratégia curativa para a HAP e que permite ao doente recuperar uma vida normal exceto, naturalmente, as limitações decorrentes do transplante pulmonar”, acrescenta.
Tive de passar a fazer apenas o que o meu corpo permite e não “esticar a corda”
Manuela Gonçalves Pereira descobriu que sofria de Hipertensão Pulmonar aos 40 anos. Até lá, admite, nunca deu importância aos sintomas sugestivos da doença. “Não sou de me queixar muito, tendo-me acomodado, e até disfarçado, em relação ao sintoma principal, que era o cansaço. Diria mesmo que me adaptei”, comenta adiantando que apenas “um ou dois anos” depois, e após “um cansaço progressivo”, decidiu procurar ajuda médica.
Entre os principais sintomas, Manuela Gonçalves Pereira recorda, para além do cansaço, “fraqueza, batimentos cardíacos acelerados, dificuldade em respirar, perda de apetite e algum emagrecimento”. No entanto, como sofre de hipotiroidismo, e viu uma reportagem “sobre a relação dos problemas de tiroide com patologias cardíacas, cujos sintomas coincidiam de certo modo com os que eu sentia”, concluiu que estava na hora de ir ao médico.
Com a realização, entre outros exames, de um ecocardiograma foi possível, rapidamente, concluir o diagnóstico.
No entanto, como nunca tinha ouvido falar na patologia, admite que não lhe deu grande importância. “Cheguei até a pensar que hipertensão pulmonar fosse algo relacionado com tensão alta. Daí não ter dado grande importância ao relatório médico da clínica de cardiologia onde fiz o ecocardiograma, embora quando me foi entregue o relatório me tivessem alertado para procurar ajuda médica com algum carácter de urgência”, diz.
Felizmente, afirma, “não encontrei dificuldades nem antes nem depois do diagnóstico. Mas reconheço que tive sorte com os profissionais da saúde a quem fui pedir ajuda. Em primeiro lugar, com o meu médico de família, que é muito cuidadoso e informado, e depois com a pneumologista que já me acompanhava devido às minhas alergias e asma”.
Referenciada para o Hospital de Coimbra, um dos centros de referência de Hipertensão Pulmonar do país, Manuel deu início ao tratamento que lhe permitiu, mais tarde, melhorar a qualidade de vida.
“Comecei por tomar um medicamento hospitalar específico para esta patologia, um anticoagulante para prevenir embolias pulmonares, e um diurético para evitar retenção de líquidos e, assim, poupar esforço ao coração. Mas sempre de olhos postos na cirurgia, endarterectomia pulmonar, que, felizmente, aconteceu poucos meses depois do diagnóstico. Esta cirurgia, potencialmente curativa, veio melhorar a minha qualidade de vida e abrandar significativamente a progressão da doença. Mas não me curou”, comenta considerando a sua evolução clínica “satisfatória”, uma vez que permite que faça o que gosta, “não obstante ter tido outros episódios que, por vezes, exigem procedimentos médicos e implicam algumas chatices e recuos. Mas faz parte do processo de viver”.
Manuela Gonçalves Pereira chegou a pensar que hipertensão pulmonar fosse algo relacionado com tensão alta e recorda um episódio em que "um médico conhecido que não sabia o que era hipertensão pulmonar e que, quando soube que eu tinha HP, me questionou com algum espanto e até com dúvidas de que fosse uma doença assim tão “importante”.
Entre os principais “ajustes” que teve de fazer no seu estilo de vida, revela que teve de abrandar, chegando a cancelar novos projetos. “Há também algumas tarefas domésticas que não posso executar, porque fico cansada (mas isso até dá jeito) ou então aqueles projetos criativos que inventamos para as nossas casas e que não posso desenvolver, porque implicam esforço físico e, claro, cansaço”, acrescenta.
De um modo geral, teve de “adoptar um estilo de vida adaptado à minha condição, ou seja, mais calmo, com uma alimentação consciente, ter horários mais disciplinados para dormir, não praticar desportos que envolvam esforço físico, não me meter em grandes aventuras, não carregar pesos, evitar situações agitadas e de tensão e, claro, tomar medicação, apesar de alguns efeitos secundários aos quais também tive que me adaptar. Mas a vida é assim mesmo e para a frente é que é o caminho!”, afirma.
No âmbito do Dia Mundial da Hipertensão Pulmonar, Manuela Gonçalves Pereira, deixa uma mensagem positiva a outros doentes: “Nenhum doente é a doença, mas sim a sua atitude perante a vida. E a vida é a única experiência verdadeira e completa acessível a todos, independentemente da condição de cada um. A vida é para ser vivida com gratidão, porque temos sempre motivos para ser gratos. Por isso, não podemos correr o risco de ser descrentes, de cair numa crise de esperança, nem de nos deixarmos afundar no pessimismo, porque há uma coisa que é transversal a tudo e que a doença não constitui qualquer obstáculo, que é o amor. Até o amor pela própria ciência, que há-de encontrar uma cura para a hipertensão pulmonar”.