Opinião

Esquizofrenia: há vida além da doença mental grave

Atualizado: 
28/04/2021 - 17:44
Miguel Durães, Presidente da Recovery IPSS, hoje escreve sobre aquele que se considera ser "um dos quadros clínicos mais intrigantes e excitantes da psicopatologia!" - a esquizofrenia -, sublinhado que "que a recuperação (clínica e pessoal) é possível! As pessoas podem atingir o recovery com este tipo de perturbação, podendo sentir-se novamente úteis na sociedade, quer a nível profissional, quer educacional, familiar ou outros."
Caro leitor,
Vamos abordar, na minha opinião, um dos quadros clínicos mais intrigantes e excitantes da psicopatologia! Alguns dos seus sintomas são, ainda hoje, herméticos à luz do conhecimento científico e têm tanto de antigo como de atual.
A esquizofrenia é uma doença mental crónica que afeta 1% da população mundial, sendo que se manifesta entre os 15 e 35 anos. A incidência maior surge na passagem da adolescência/juventude para a fase adulta, entre os 18 e os 25 anos. 

Existindo, de igual modo, casos de incidência “tardia” na etapa de desenvolvimento comummente conhecida como “meia idade”, por volta dos 30 anos, assim como são, ainda, reportados casos de esquizofrenia infantil (em menor número e mais raros). Estima-se que existam cerca de 25 milhões de pessoas portadoras de esquizofrenia.

Em Portugal, e um pouco como em todo o mundo, para sermos corretos, existe ainda pouco conhecimento sobre a prevalência, custos ou impacto socioeconómico de uma doença crónica que afeta as pessoas ao nível da sua funcionalidade executiva, ou seja, capacidade para trabalhar, para estudar, para viver de forma independente ou até para cuidarem de si mesmos.

Segundo alguns dos estudos que foram realizados no nosso país nos últimos anos, podemos estimar que existam, devidamente diagnosticados, cerca de 50 mil pessoas portadoras de esquizofrenia, sendo que se sabe que nem todos têm, quer no setor público, quer no setor social/convencionado ou setor privado, qualquer tipo de acompanhamento médico e/ou especializado. Aliás, um estudo sério, realizado em 2015 por várias entidades credíveis no nosso país, concluiu que cerca de 16% não eram, sequer, seguidos por um médico.

Existem vários tipos de esquizofrenia – p.e. paranoide, catatónico, desorganizado, indiferenciado, entre outros. Não teríamos espaço neste artigo para nos debruçarmos, convenientemente, sobre todas as particularidades dos tipos de esquizofrenia existentes, porque são todos muito diferentes entre eles, apesar de manterem sintomatologias que são comuns.

As Esquizofrenias são perturbações mentais graves que se aproximam umas das outras muito pela designação de «psicose» ou «psicótico», ou seja, todas elas apresentam «sintomas psicóticos». Por essa razão, para que possamos compreender estas perturbações, necessitamos, primeiramente, de nos debruçar sobre o termo «psicose».

Caro leitor, o termo «psicose» não é consensual na comunidade científica (sem consenso/aceitação universal) e pode/deve ser percecionado por diversos prismas de entendimento. No entanto, pode dizer-se que «psicose» é um estado mental que se caracteriza pelo “corte com a realidade”, ou seja, “pela perda dos limites do eu”. Normalmente, os indivíduos com perturbações psicóticas apresentam «ideias delirantes», «alucinações», assim como, «comportamento e discurso desorganizado». Pode existir, ainda, um marcado défice da capacidade funcional para a realização de atividades do quotidiano dos indivíduos. Uma variedade muito grande de stressores do sistema nervoso, orgânicos e/ou funcionais, são capazes de despoletar um surto psicótico. Pode ter como causa a predisposição genética e orgânica, assim como, a ambiental/psicossocial (desempenho de papeis, comunicação, autocontrole, memória, etc.).

No entanto, é importante relembrar que a «Esquizofrenia» não é passível de ser identificada pela prova anatómica e/ou biológica, o seu diagnóstico é feito tendo por base a análise clínica dos sintomas, por vezes numerosos e muito complexos, estando estes divididos em sintomas positivos – ou agudos (disfunções das funções cerebrais) - e sintomas negativos – ou crónicos (perda ou diminuição dessas funções). Ora, muitas vezes, o que acontece é que os subtipos de Esquizofrenia se diferenciam entre si apenas quanto à sintomatologia positiva.

Os sintomas negativos apresentam-se como sendo relativamente comuns em todos os subtipos, ou seja, surgem como consequência da doença na vida das pessoas e no seu mundo envolvente. Por causa desta doença, é frequente que percam o emprego, se divorciem ou separem, se tornem novamente dependentes dos pais, se isolem e reduzam, significativamente, o seu número de contactos sociais e relacionais. E para este tipo de problemas não há “comprimido” que resulte, a não ser a intervenção e os programas de reabilitação psicossocial ou da metodologia recovery.

Pela experiência que tenho, e que temos na RECOVERY, muitos são os relatos dos doentes e seus familiares/cuidadores informais que se resumem à seguinte frase: «parece que assisti à morte da pessoa tal como a conheci!».

Na RECOVERY (www.recovery.pt), o tratamento e a reabilitação de pessoas portadoras de esquizofrenia e seus familiares/cuidadores são, de facto, uma das nossas maiores especialidades. É uma perturbação que tantas “pessoas fantasma” afeta e com a qual muitas famílias desamparadas sofrem “em silêncio”, sem compreensão, sem compaixão, sem apoio.

Sabemos, de antemão, que é necessária uma intervenção combinada, ou seja, medicamentosa para controlar os sintomas positivos (atividades delirantes, alucinações, etc.) e de reabilitação psicossocial para trabalhar a sintomatologia negativa e crónica, devolvendo a esperança e o controle novamente sobre as suas vidas.

Estamos cientes de que esta é uma doença que afeta a autonomia das pessoas e com uma elevada taxa de incapacidade psicossocial. No entanto, sabemos, de igual modo, que quanto mais cedo esta é identificada e quanto mais cedo a ajuda especializada é alcançada, maior é a probabilidade de prognóstico e sucesso no futuro destas pessoas.

Sabemos, com propriedade, que a recuperação (clínica e pessoal) é possível! As pessoas podem atingir o recovery com este tipo de perturbação, podendo sentir-se novamente úteis na sociedade, quer a nível profissional, quer educacional, familiar ou outros.

O sucesso da superação desta doença depende muito de caso para caso e depende sempre de muitos fatores, nomeadamente, da sociedade em que vivemos estar ou não sensível e direcionada para a inclusão destas pessoas e dos seus cuidadores de uma forma verdadeiramente justa, equitativa e dignificadora dos seus direitos, liberdades e garantias!

Autor: 
Dr. Miguel Durães - Presidente da Recovery IPSS
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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