A pandemia de Covid-19 está a tirar-nos o sono
O inevitável aumento do uso de telemóvel, tablet, computador, a alteração das rotinas associada a um aumento da ansiedade e stress provocado pela pandemia, estão a levar ao atraso de fase do sono (adiamento da hora de início do sono) da maioria dos indivíduos. Dito de outra forma, as pessoas demoram mais tempo a adormecer, passam mais tempo na cama, mas pioram a qualidade do seu sono. Nos indivíduos mais sensíveis, estes fatores desencadeiam frequentemente insónia crónica.
Esta alteração de comportamento, ganha contornos preocupantes, quando verificamos que está a haver um aumento generalizado do consumo de medicamentos para dormir, por toda a Europa. Mas, o mais dramático, do meu ponto de vista, é o facto destas alterações se estarem a instalar num “terreno já de si pandémico”. As doenças do sono são uma verdadeira “pandemia” na nossa população, dada a sua elevada prevalência. Apenas a título de exemplo, a síndroma de apneia do sono tem uma incidência de 9-24% da população, a insónia crónica atinge 5-11% das pessoas ao longo da vida e as pernas inquietas 2-6% ... e a pandemia atrasou ainda mais o seu diagnóstico e tratamento.
No início da pandemia registou-se uma diminuição da procura de consultas e exames de sono. Para agravar a situação, as nossas recomendações eram no sentido do encerramento dos laboratórios do sono e da redução dos estudos feitos no domicílio. Na base desta medida esteve o desconhecimento dos modos de transmissão do vírus e o desvio de recursos materiais e humanos para o combate na doença aguda.
Neste momento, o nível de conhecimento, já nos permite garantir a segurança tanto nos exames do sono como nas consultas. Mas, a atividade diagnóstica continua limitada, pois os dispositivos utilizados apesar de serem desinfetados, não podem ser utilizados nas 72 horas seguintes. Deste modo a produção de exames reduziu-se de forma avassaladora, mais de 50% a nível europeu.
O tratamento também esteve condicionado pela pandemia. O caso da síndroma de apneia do sono, em que o tratamento mais eficaz é o CPAP (aparelho que proporciona pressão positiva na via aérea) é um bom exemplo disso: suspenderam-se os novos tratamentos, o apoio domiciliário foi interrompido, pois estes dispositivos podem provocar dispersão de partículas em aerossol, dos doentes ou portadores assintomáticos, contaminando desta forma os conviventes e os próprios prestadores de cuidados respiratórios domiciliários.
Na nossa opinião, um dos pontos a melhorar nesta fase é a higiene do sono. Que temos verificado estar comprometida na maior parte dos indivíduos. Assim, apesar de todos os constrangimentos podemos minimizar o problema:
- adotando um horário regular de sono, deitar e levantar aproximadamente à mesma hora.
- deve ser evitada a atividade física nas duas horas que precedem o sono.
- nos trinta minutos que antecedem a ida para a cama deve procurar uma rotina que inclua atividades calmas e pouca luz, evitando écrans.
A Pandemia alterou a medicina do sono de uma forma multifatorial e nas três frentes: doença, diagnóstico e tratamento. Neste momento pode dizer-se que os serviços de saúde souberam adaptar-se e que é seguro procurar ajuda para este problema.