Prevenção e tratamento

“A doença cardiovascular pode ser completamente assintomática em doentes diabéticos”

Atualizado: 
12/03/2021 - 12:08
A Diabetes Mellitus (DM) é um importante fator de risco Cardiovascular, estando frequentemente associada, entre outras, à doença cardiovascular aterosclerótica ou à insuficiência cardíaca. Uma relação perigosa e que segundo Paula Freitas, Endocrinologista no Centro Hospital Universitário São João, vitima uma pessoa a cada sete segundos.

As complicações cardiovasculares figuram entre as principais causas de morte entre os doentes diabéticos, e tendo em conta que estas são, frequentemente, assintomáticas, torna-se imperioso prevenir e tratar os fatores de risco cardiovascular – como a hiperglicemia, dislipidemia, hipertensão, obesidade, ou hiperuricemia – tão cedo quanto possível.

De acordo com a Presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, Paula Freitas, todos os territórios macro e microvasculares podem ser atingidos pela diabetes. “Cerca de 50% dos doentes com DM morre por doença cardiovascular, cerca de 16% das pessoas com idade superior a 65 anos com DM morrem por AVC e aproximadamente 60% de todas as amputações não traumáticas dos membros inferiores ocorrem em doentes com DM”, começa por explicar a especialista acrescentado ainda que “44% dos novos casos de insuficiência renal são provocados pela diabetes e 29% das pessoas com idade igual ou superior a 40 anos têm retinopatia diabética”.

Doença coronária isquémica, AVC e Insuficiência Cardíaca estão entre as complicações mais frequentes entre este grupo de doentes. A este respeito, Paula Freitas explica que o doente diabético corre 2 a 4 vezes mais o risco de desenvolver insuficiência cardíaca. Por outro lado, o doente com insuficiência cardíaca tem “um risco aumentado de 2 a 3 vezes de ter DM”, o que faz deste um perigoso ciclo vicioso. “Se além da DM, o indivíduo tiver obesidade e hipertensão arterial, o seu risco cumulativo de vir a desenvolver IC aos 55 anos pode ser de 60%”, revela a especialista explicando que existem vários fatores para que tal aconteça, como a ativação do sistema nervoso simpático, disfunção endotelial, microangioapatia, inflamação, fibrose, obesidade e a insulinorresistência, hiperglicemia, retenção de sódio, hipervolémia, ativação neurohumoral e isquemia. “Podemos ainda somar outros fatores de risco cardiovascular como a hipertensão arterial e a dislipidemia”, acrescenta.

Segundo Paula Freitas, “outro ciclo vicioso é o impacto da insuficiência cardíaca na doença renal crónica e vice-versa, ou seja, alterações hemodinâmicas no rim ou no coração contribuem para a disfunção do outro”.

Isto quer que todo o doente diabético é considerado um doente de risco quanto à doença cardiovascular. Risco esse calculado mediante a sua história clínica. “Se Segundo as guidelines da Sociedade Europeia de Cardiologia, um doente com DM tipo 1 com menos de 35 anos ou com DM tipo 2 com menos de 50 anos, com uma duração de diabetes inferior a 10 anos, mesmo sem qualquer outro fator de risco cardiovascular, já é considerado de risco moderado. Um doente com DM com 10 ou mais anos de duração, mesmo sem qualquer atingimento de órgão alvo e qualquer outro fator de risco adicional, é considerado de alto risco. São considerados de muito alto risco os doentes com DM com doença cardiovascular já estabelecida ou com dano em qualquer órgão alvo (proteinúria, insuficiência renal com TFG<30mL/min/1.73 m2, hipertrofia ventricular esquerda ou retinopatia) ou doentes com 3 ou mais fatores de risco major (idade, hipertensão arterial, dislipidemia, tabagismo, obesidade) ou doentes com DM tipo 1 com uma duração superior a 20 anos”, explica Paula Freitas sublinhando que o este risco é um continuum pelo que deve ser avaliado sempre que considerado necessário.

“Temos de considerar investigação para doença arterial coronária se houver sintomas cardíacos atípicos (p.e.  dispneia inexplicada, desconforto torácico), sinais e sintomas de doença vascular associada (p.e. sopros carotídeos, acidente isquémico transitório, acidente vascular cerebral, claudicação intermitente ou doença arterial periférica ou anomalias no eletrocardiograma (ECG), por exemplo, ondas Q)”, acrescenta a especialista.

Por outro lado, refere que as recomendações da ESC referem que a avaliação por rotina da albuminúria deve ser feita em todos os doentes em risco de vir a desenvolver disfunção renal e/ou DCV”. “O ECG em repouso está indicado em todos os doentes com DM e HTA ou se suspeita de DCV. Outros exames, como o ecocardiograma transtorácico, score de cálcio arterial coronário ou o índice tornozelo-braço podem ser testes a considerar para avaliar doença cardíaca estrutural em doentes com elevado risco de DCV. Em certas circunstâncias, o doente deve ser avaliado pela Cardiologia”, esclarece.

Tratamento e prevenção

Segundo Paula Freitas, existem diversos fármacos para a hiperglicemia “que demonstraram segurança CV e benefícios cardiovasculares e renais, e outros que estão associados a efeitos deletérios do ponto de vista CV”. “Por exemplo, as glitazonas (só temos disponível a pioglitazona) e dois iDPP4 (saxagliptina e alogliptina) podem estar associadas a um aumento de hospitalizações por IC enquanto os novos fármacos como os iSGLT2 estão associados a redução de hospitalizações por Insuficiência Cardíaca”, exemplifica.

“A metformina, que é um fármaco que reduz a insulinorresistência, no UKPDS demonstrou redução das complicações microvasculares no estudo inicial e no UKPDS a 10 anos redução da DCV e da mortalidade.  Quer os agonistas de recetor do GLP-1, quer os iSGLT2, podem estar a associados a redução dos MACE (eventos CV major, isto é, morte cardiovascular, enfarte agudo do miocárdio, AVC). Com os iSGLT2, a redução dos eventos CV ocorre naqueles já em “prevenção secundária”, ou seja, naqueles com antecedentes de DCV aterosclerótica e a redução das hospitalizações por IC e os benefícios renais ocorre tanto em doentes em “prevenção primária” como “secundária”, conclui.

Em matéria de prevenção, a especialista sublinha a importância de manter hábitos de vida saudáveis. “Além das modificações do estilo de vida - dieta equilibrada, exercício físico, redução do sedentarismo, cessação tabágica, perda de peso e redução da ingestão de sal, controlar todos os outros fatores de risco CV como a dislipidemia, a hipertensão arterial, entre outros -, também podemos e devemos escolher fármacos modificadores do prognóstico”, revela acrescentando que “hoje, além de tratar com um fármaco potente a A1c, também queremos que esse fármaco atue na hipertensão arterial, no peso, que reduza o risco ou faça regressão da doença renal e reduza o risco de hospitalizações por IC. Tudo isto conseguimos com os iSGLT2, e também com o novo membro desta classe – a ertuglifozina - que é dos mais seletivos SGLT2/SGLT1, mas também dos mais potentes a reduzir a A1c quer em monoterapia quer em terapêutica combinada”.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
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