Epilepsia refratária: quando a medicação falha
A epilepsia é uma doença que tem ponto de partida numa perturbação do funcionamento do cérebro, devido a uma descarga anormal de alguns ou da quase totalidade dos neurónios cerebrais. De início súbito e imprevisível, esta descarga é, geralmente, de curta duração, não excedendo os 15 minutos, após a qual se restabelece o normal funcionamento cerebral. Estas crises tendem a repetir-se no tempo, no entanto, existe uma enorme variabilidade entre doentes. O mesmo acontece quanto à forma como se manifestam.
De acordo com Joana J. Ribeiro, neurologista do Centro Hospitalar de Leiria e Cristina Pereira, Neuropediatra do Hospital Pediátrico de Coimbra, “os sintomas de uma epilepsia são variáveis e dependem da região do cérebro que é afetada. As crises epiléticas traduzem uma descarga elétrica anormal e excessiva numa determinada região do nosso cérebro, provocando alterações clínicas que podem incluir perda de consciência (ex. ausências), manifestações motoras (ex. clonias, automatismos) e não motoras (ex. autonómicas, sensitivas)”.
Quanto às causas, as especialistas explicam que “de acordo com acordo com a Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE)”, estas podem ser de “causa estrutural (ex. tumores cerebrais, malformações do desenvolvimento cortical”; causa genética (ex. cromossoma 20 em anel); causa infeciosa (ex. meningoencefalite); causas metabólicas (ex. epilepsia dependente de piridoxina); causa imunes (ex. síndrome de Rasmussen); ou de causa desconhecida. Esta últimas designadas de Idiopáticas ou Primárias.
Tendo em conta estes fatores, a imprevisibilidade da doença torna essencial o diagnóstico precoce “de forma a poder direcionar o tratamento medicamentoso e minimizar o impacto ou as consequências de outras eventuais crises epiléticas”.
“O diagnóstico de epilepsia é clínico, sendo apoiado por exames complementares de diagnóstico, nomeadamente electroencefalograma (EEG). A obtenção de uma cuidadosa história clínica é essencial. É necessário apurar a existência de crises epiléticas recorrentes e não provocadas, descrever as suas características e fatores desencadeantes, bem como identificar fatores de risco para epilepsia (intercorrências na gravidez/parto, traumatismos cranioencefálicos, infeções do sistema nervoso central, história familiar de epilepsia)”, explicam as especialistas acrescentando que “a realização de um EEG e de um exame de imagem cerebral (ex. ressonância magnética) são pontos decisivos no diagnóstico, no sentido de classificar o tipo de crises, o tipo de epilepsia e sobretudo identificar a sua causa”.
Quanto ao tratamento, esclarecem que existem, atualmente, várias opções. “Existem vários medicamentos antiepiléticos com um bom perfil de segurança, e que podem ser escolhidos consoante o tipo de crise epilética /epilepsia. Destaca-se ainda que existem formas de epilepsia tratáveis com vitaminas como a epilepsia dependente de piridoxina”, referem ressalvando que “o melhor tratamento será sempre aquele que se adequar especificamente a cada doente, de acordo com o tipo de epilepsia, frequência das crises epiléticas, comorbilidades”, entre outros fatores. Contudo, e apesar de na maioria dos casos se conseguir um controlo absoluto da doença, estima-se que cerca de um terço dos casos não responde ao tratamento.
“Os doentes com formas de epilepsia refratárias, isto é, que não respondem aos diferentes esquemas terapêuticos, sofrem de todas as consequências de uma doença crónica incapacitante: nas suas vertentes social, psicológica, pessoal, familiar, entre outras”, revelam. Nestes casos, a sua independência pode ficar comprometida, para além de verem associadas outras complicações. “O tipo de epilepsia e por consequência do tipo de crises epiléticas podem condicionar diferentes riscos, nomeadamente as crises com queda ou as crises com convulsão podem levar a que o doente se magoe durante o evento. Para além das crises, estes doentes podem apresentar também outras comorbilidades, nomeadamente dificuldades intelectuais e de aprendizagem, alterações cognitivas, psicopatologia e alterações de comportamento, com diferentes repercussões na sua vida diária, podendo levar com frequência a discriminação e exclusão social”, enumeram as especialistas quanto ao impacto da epilepsia refratária.
A cirurgia é, muitas vezes, a única opção de tratamento viável para estes doentes, a par da dieta cetogénica ou da colocação de implantes.
No entanto, e embora cirurgia tenha beneficiado de grandes avanços nos últimos 20 anos, “graças ao desenvolvimento da neuroimagem e da monitorização vídeo-EEG prolongada”, esta opção terapêutica apresenta ainda alguns desafios. De acordo com Joana Ribeiro e Cristina Pereira, o acesso a uma avaliação pré-cirúrgica abrangente por parte de todos os potenciais candidatos é um dos principais desafios. “Isto pode dever-se a um desconhecimento dos critérios de elegibilidade para a cirurgia e a ausência uma prática clínica padronizada neste sentido”, explicam.
Por lado, acrescentam, “muitos doentes são operados de forma tardia, com epilepsias com vários anos de evolução, contribuindo para uma maior morbilidade e mortalidade destes doentes e prejudicando o benefício da cirurgia”.
Síndrome de West e Síndrome de Dravet: as síndromes epiléticas de difícil controlo com maior prevalência no país
De acordo com as especialistas Joana Ribeiro e Cristina Pereira, embora não seja possível prever a refratariedade de uma epilepsia em todos os doentes, “existem certos síndromes epiléticos (síndrome de West, síndrome de Lennox-Gastaut) e algumas causas de epilepsia, nomeadamente estruturais (malformações do desenvolvimento cortical), genéticas (Complexo Esclerose Tuberosa) ou imunes (síndrome de Rasmussen) que reconhecidamente podem associar-se a epilepsias de difícil controlo”.
Em Portugal, entre as síndromes epiléticas de difícil controlo encontram-se a Síndrome de West e a Síndrome de Dravet.
A síndrome de West “é uma síndrome do primeiro ano de vida caracterizado pela tríade de espasmos epiléticos, padrão eletroencefalográfico de hipsarritmia e regressão ou paragem do desenvolvimento psicomotor”, e cuja incidência é de 3-4,5 em 10000 nados-vivos. “A resposta à medicação antiepilética depende da causa e da instituição precoce do tratamento. Nas situações em que a síndrome de West é de causa tratável (ex. lesão cerebral com possibilidade cirúrgica) ou genética (ex. trissomia 21) a resposta aos fármacos e o prognóstico são melhores”, esclarecem acrescentando que já no caso das síndromes de West “devido a asfixia perinatal ou malformações extensas do desenvolvimento cortical, a remissão completa de crises é rara”. Nestes casos, habitualmente, o tratamento proposto é a dieta cetogénica ou a cirurgia da epilepsia.
Quanto à Síndrome de Dravet, as especialistas explicam que esta tem uma causa genética e uma incidência de 1 para 30000 crianças. “Caracteriza-se pela existência no primeiro ano de vida de convulsões febris precoces, frequentes, unilaterais e duração superior a 30 minutos (estado de mal febril) e nos anos seguintes associam-se outros tipos de crises (crises mioclónicas, clónicas unilaterais, ausência atípicas) desencadeadas por banho, calor ou estímulos fóticos e declínio cognitivo”, explicam adiantando que, “apesar de existir um medicamento órfão específico para esta epilepsia (estiripentol) a maioria evolui para uma epilepsia refratária com deficiência intelectual”.