“A existência de uma pandemia não pode ser desculpa para deixar de lado os cuidados com o coração”
A existência de uma pandemia não pode ser desculpa para deixar de lado os cuidados com o coração. Devemos ficar atentos aos sinais e sintomas e nunca adiar a ida ao serviço de urgência ou ao cardiologista caso surjam.
A existência dos fatores de risco como hipertensão, colesterol elevado, obesidade, fumo de tabaco, diabetes, sedentarismo e a história familiar aumentam a probabilidade de evento cardiovascular, e são esses os principais fatores alvos na prevenção.
Outros fatores como etnias, questões sociodemográficas, alimentares e comportamentais também explicam a diferença de risco cardiovascular entre os países e ao longo da história.
O acesso a um serviço de saúde de qualidade, a preocupação da saúde pública com estilos de vida saudáveis e a prevenção cardiovascular são essenciais para o controle da doença cardiovascular em Portugal.
O evento coronariano agudo é muitas vezes a manifestação inicial da doença aterosclerótica. Desta forma, identificar as pessoas assintomáticas precocemente é o grande desafio da prevenção para mudar o curso da doença. Existem várias escalas para avaliação de risco em indivíduos, o mais conhecido é o de Framingham, que inclui a estimativa em 10 anos de surgimento de eventos coronarianos, cerebrovasculares, doença arterial periférica ou insuficiência cardíaca, levando em consideração vários fatores de risco: colesterol, hipertensão, idade, sexo, diabete e tabagismo.
Através destas escalas é possível determinar se o risco de eventos cardiovasculares é baixo, intermédio, alto ou muito alto e então propor uma terapêutica individualizada. Além disso, doentes que possuam vários fatores de risco ou já tiveram eventos cardiovasculares apresentam sempre risco elevado de novo evento e devem ser classificados de forma diferenciada.
São vários os fatores de risco modificáveis.
A dislipidemia (colesterol) é um deles, sendo a porção LDL o mais relevante fator de risco modificável para doenças da circulação. O seu aumento está diretamente relacionado com os hábitos alimentares e, em alguns casos, com alterações genéticas.
A principal terapia não farmacológica é a nutricional: perda de peso e a prática de atividade física regularmente. Quando essas mudanças não são suficientes então o cardiologista dispõe de medicações para ajudar a diminuir o colesterol, sendo importante ressaltar que o tratamento farmacológico não exclui a necessidade da terapia não farmacológica, pois elas são complementares.
Grandes estudos internacionais reforçam que uma dieta isenta de ácidos graxos trans trazem grandes benefícios para reduzir o risco cardiovascular. Outro vilão na dieta são os ácidos graxos saturados, que por mais importante que sejam para algumas funções biológicas o seu consumo elevado está associado a efeitos severos do ponto de vista metabólico e cardiovascular. A substituição parcial por ácidos graxos poli-insaturados (ómega 3 e ómega 6) mostrou uma redução de até 17% nos eventos cardiovasculares.
O modo de preparação de alguns alimentos tem grande influência no seu teor de poli-insaturados finais: o mesmo peixe pode ter uma diferença de 220x apenas mudando o seu tipo de confecionamento.
A “Dieta Mediterrânica”, muito conhecida para diminuição do colesterol, baseia-se num estilo de vida saudável que privilegia a atividade física regular e a ingestão de alimentos de origem vegetal. Nos outros patamares da pirâmide observam-se alimentos que devem ser menos consumidos, lembrando que a água
deve ser a bebida de eleição diária. Em Portugal adotou-se a “Roda dos Alimentos” ao invés do sistema de pirâmide, visto que a apresentação da dieta desta forma faz lembrar um prato e as refeições à mesa e em grupo, típicas da cultura mediterrânica.
A diabetes é outro grande fator de risco para as doenças do aparelho circulatório, devendo ser identificada o mais precoce possível a fim de evitar seus danos ao coração, como a fibrose do músculo cardíaco e as arteriopatias periféricas, complicação essa muito comum e que pode levar a amputação dos membros.
A hipertensão arterial (HTA) é a doença crónica mais relevante em todo o mundo, afetando cerca de 1/3 da população mundial. Em Portugal os números não são diferentes: estima-se que 30% da população seja hipertensa, desses apenas metade sabem que têm a doença e dos que sabem só 25% estão medicados. Esse número cai para 11% se formos avaliar os que estão efetivamente controlados.
A causa da HTA é multifatorial sendo influenciada por genes e por fatores ambientais. À medida que as pessoas envelhecem a sua tensão vai aumentando de forma expressiva. A grande dificuldade de um diagnóstico precoce é que a doença, na sua grande maioria, não apresenta sintomas. Esse é o motivo também da baixa adesão ao tratamento uma vez que na fase inicial não há alteração na qualidade de vida. Quando a doença se torna sintomática pode já estar numa fase mais avançada, causando tonturas, dores de cabeça e dores no peito.
Assim com a dislipidemia, o tratamento da HTA inicia com terapia não farmacológica, como atividade física regular, diminuição da ingestão de sal, hábitos alimentares, redução de stresse e redução de peso.
Algumas curiosidades:
1. O café, bebida muito presente no dia a dia dos Portugueses, apesar de ser rico em cafeína, uma substância com efeito pressórico agudo, possui polifenóis que favorecem a redução da pressão arterial. Estudos recentes mostram que a ingestão em baixa quantidade não está associada a incidência de hipertensão nem a elevação da pressão arterial.
2. O alho possui vários componentes bioativos que podem fazer uma discreta redução dos níveis tensóricos.
3. O chocolate amargo, com pelo menos 70% de cacau, também pode promover uma discreta redução da pressão arterial devido à alta taxa de poliferóis.
4. O consumo regular de álcool está associado a um aumento, de forma linear, dos níveis pressóricos.
5. Alguns estudos mostraram relação da doença hipertensiva em doentes com deficit de vitamina D, entretanto não se observou melhoria dos níveis tensóricos após reposição vitamínica.
Um aspeto importante é saber como medir a nossa tensão arterial, visto não termos o mesmo nível durante o dia todo. A nossa tensão é oscilável e influenciada por vários fatores externos, os quais temos que tentar reduzir quando formos aferi-la.
Em primeiro lugar devemos estar num ambiente tranquilo e com temperatura amena. Devemos repousar pelo menos 10-15 minutos, sentados e com pernas descruzadas antes de verificá-la. Não devemos ter consumido substâncias estimulantes 30 minutos antes, como café, álcool, tabaco ou refrigerantes nem ter realizado atividade física nos 60 minutos anteriores. Devemos evitar as roupas apertadas e a bexiga deve estar vazia. O braço deve estar sempre apoiado sobre a mesa. Os medidores de braço são preferíveis aos de pulso.
Uma tensão de 130/80 é considerada normal dependendo da idade.
O tabagismo está correlacionado com aumento de risco em mais de 25 doenças, inclusive as cardiovasculares que aumentam 2 a 4 vezes nos fumadores. Portugal possui uma alta incidência de tabagismo: cerca de 20-26% da sua população. Sabe-se que os fumadores têm em média 10 anos a menos de vida comparados com os não fumadores, uma vez que mesmo após a cessação tabágica as substâncias tóxicas e cancerígenas atuam até 5-10 anos.
O tabagismo é considerado a causa de morte mais evitável em todo o mundo. Entretanto sabe-se que não é fácil parar, o apoio familiar e de amigos no início é essencial. Algumas mudanças de rotina ajudam a diminuir a dependência psicológica, já a dependência química por vezes é mais difícil de se ultrapassar sozinho, necessitando nesses casos de medicamentos que diminuem os sintomas da abstinência como: irritabilidade, depressão, insónia e aumento do apetite.
O Enfare do Miocárdio
A principal complicação da doença aterosclerótica é o enfare do miocárdio.
O enfarte do miocárdio ocorre quando há uma obstrução das artérias coronárias, responsáveis por levar oxigénio e nutrientes ao músculo cardíaco, o faz com que essas células do coração morram caso a ausência do fluxo não seja reestabelecida com urgência. O enfarte do miocárdio é uma emergência médica e deve ser tratado de imediato: a sua mortalidade pode chegar a 10%.
O reconhecimento dos sintomas é de grande importância para o tratamento precoce, uma vez que antes de haver a obstrução total da artéria o coração já dá sinais de que não está a receber sangue suficiente.
O principal sintoma é a dor no peito tipo aperto, geralmente relacionada com esforços. Pode haver irradiação para dorso, pescoço, braço e mandíbula. Além desses sintomas podem estar associadas náuseas, suores frios, falta de ar, sensação de desmaios e tonturas. Entretanto uma população específica (mulheres, idosos e diabéticos) podem apresentar sintomas totalmente atípicos como dor epigastro ou na barriga.
Deve procurar-se um serviço de urgência ou ligar ao INEM caso esses sintomas persistam por mais de 5 minutos em repouso. O tratamento consiste em desobstruir a artéria coronariana, hoje tendo como principal método o cateterismo cardíaco associado a angioplastia, que se baseia no implante do “Stent” a fim de reestabelecer o fluxo de sangue. O grande fator prognóstico da doença é o tempo entre reconhecer o enfarte e a realização da angioplastia. Dizemos na cardiologia que o “tempo é músculo”. Quanto mais rápido agirmos, mais rápido se reestabelece o fluxo para o coração e, desta forma, menos músculo cardíaco é afetado, minimizando os danos ao coração e a sua força de contração.
As cirurgias cardíacas de revascularização (bypass) são reservadas àqueles doentes com várias lesões das artérias coronárias ou naqueles onde não se consegue realizar a angioplastia.
As consultas regulares com o cardiologista, assim como exames periódicos, como o ecocardiograma e a prova de esforço, são capazes de detetar precocemente a doença aterosclerótica antes que haja a obstrução total da artéria.
Recomenda-se pelo menos uma consulta anual com um médico cardiologista para pessoas de baixo risco. Já os doentes com vários fatores associados ou que já tiveram algum enfarte devem consultar o médico especialista pelo menos 2 a 3 vezes por ano para um controlo mais rigoroso dos seus fatores de risco.