Compreender a doença

Obesidade: está na altura de acabar com os velhos mitos

Atualizado: 
27/05/2020 - 15:39
A obesidade está associada a mais de 200 doenças, apresentando um elevado impacto socioeconómico. Não só o seu tratamento acarreta custos, diretos e indiretos, bastante elevados, como a doença impacta negativamente a vida de quem dela padece, pelo estigma a ela associado. Por isso, na opinião de Paula Freitas, Presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, “temos de agir rapidamente para inverter esta pandemia, sob pena de estarmos a hipotecar a saúde e o futuro dos portugueses”. O primeiro passo é desmistificar o excesso de peso e a obesidade.

A obesidade é a única doença que tem aumentado em todos os países do mundo, quer nos desenvolvidos, quer nos em vias de desenvolvimento. Em Portugal, o excesso de peso atinge já mais de metade da população. Uma situação que, para a endocrinologista Paula Freitas, tem de mudar o quanto antes.

“A obesidade está associada a mais de 200 outras doenças, como pré-diabetes, diabetes, dislipidemia, hipertensão arterial, síndrome de apneia obstrutiva do sono, embolismo pulmonar, síndrome metabólica, doenças cardiovasculares (enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca), doenças renais, incontinência urinária, gota, artroses e outras doenças musculoesqueléticas, infertilidade, cálculos biliares, esteatose hepática (“fígado gordo”), esteatohepatite, cirrose e mesmo cancro hepático, mais de 10 outros tipos de cancro, depressão, diminuição da qualidade de vida e do tempo médio de vida”, começa por dizer Paula Freitas, da SPEO.

Em termos económicos, a doença e o tratamento destas comorbilidades apresentam custos elevadíssimos. Tanto diretos como indiretos, “relacionados com a perda de produtividade por absentismo laboral, atribuição de pensões de invalidez e morte prematura”. Por outro lado, tal como explica a especialista, “obesidade pode ainda ter outras consequências que afetam os resultados económicos como, por exemplo, a estigmatização e discriminação social com impacto, entre outros, na procura de emprego”.

Há que por isso, entender que a obesidade não acontece apenas porque o doente come em excesso. Trata-se, antes, de uma doença crónica e complexa, condicionada por múltiplos fatores. “A obesidade vai muito para além dos fatores individuais, em que a ingestão energética é muito superior ao dispêndio energético (ou seja, má prática alimentar associada ao sedentarismo). De um ponto de vista mais global, a obesidade está associada a problemas genéticos, psicológicos, à toma de determinados fármacos, a disruptores endócrinos, sendo ainda influenciada por problemas da sociedade (disponibilidade alimentar, publicidade, meios de comunicação social, arquitetura e segurança das cidades), políticas de saúde, entre muitos outros”, explica Paula Freitas.

No entanto, embora uma pequena percentagem de casos – entre 5 a 10% - se deva a causas genéticas ou endócrinas, a sua maioria está associada, sobretudo, aos maus hábitos de vida. E é por aqui que devemos começar em matéria de prevenção.

“Temos de implementar estratégias de prevenção primária, ou seja, dirigidas a toda a população, com excesso de peso ou não, de modo a fazer uma educação para a saúde a longo prazo, com enfâse na alimentação equilibrada e na prática regular de exercício físico”, refere a presidente da SPEO. Para além disso, acrescenta, é essencial implementar programas de prevenção secundária, para aqueles já com pré-obesidade e que estão em risco de progressão para a obesidade, e outros programas para as formas mais graves de obesidade.

Paula Freitas deveria existir ainda, “acesso generalizado a consultas de prevenção da obesidade ou prevenção da progressão para obesidade naqueles com pré-obesidade, e dirigidas ao tratamento da obesidade nos cuidados primários”. Segundo a presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, “uma das grandes barreiras que o doente com obesidade enfrenta é que, muitas vezes, os profissionais de saúde (até por limitação de tempo) tratam todas as outras doenças, inclusivamente aquelas que já são consequência da obesidade, mas não abordam o problema de raiz. E, muitas vezes, o doente também não aborda espontaneamente com o médico de família o problema da obesidade”.   

O tratamento da obesidade assenta em pilares fundamentais: modificação comportamental, terapêutica farmacológica e cirúrgica

Segundo Paula Freita, atualmente só existem 3 fármacos aprovados para o tratamento da obesidade em Portugal e na Europa. São eles, o orlistato, o liraglutido 3.0 mg e a combinação naltrexona/bupropiom, que, para além de se mostrarem seguros e eficazes no tratamento da obesidade, mostram benefícios quanto ao controlo ou reversão de comorbilidades associadas à doença, como é o caso da diabetes, dislipidemia e a apneia do sono. Apesar de, como todos os outros fármacos, apresentarem algumas contraindicações, o grande problema da terapêutica médica é a “falta de comparticipação dos fármacos aprovados para o tratamento da obesidade, o que limita a acessibilidade dos doentes, particularmente daqueles de classes socioeconómicas mais desfavorecidas, onde a prevalência da obesidade é mais elevada”.

“Nos casos mais graves, com IMC superior a 40 kg/m2 ou 35 Kg/m2 com doenças associadas, ou no caso de diabetes de difícil controlo, mesmo com IMC inferior a 35 Kg/m2 é de considerar a possibilidade do tratamento cirúrgico da obesidade, a denominada cirurgia bariátrica ou metabólica”, acrescenta a especialista.

Mitos associados condicionam o sucesso do tratamento

Para Paula Freitas, há que desmistificar o conceito de “peso ideal”. E explica: muitas vezes quer os doentes, quer os profissionais de saúde, pensam que é necessário atingir o “peso ideal” ou que são necessárias perdas de peso médias de 16 a 17% para definir sucesso na perda ponderal. Na realidade, pequenas ou modestas perdas de peso já podem ter inúmeras vantagens para a saúde. Perdas de peso da ordem dos 5 a 10% estão associadas  a redução do risco da diabetes mellitus tipo 2, melhoria do controlo da diabetes, redução das doses de medicação antidiabética oral ou unidades de insulina, ou até mesmo remissão da diabetes; redução dos fatores de risco cardiovascular, melhoria do perfil lipídico (redução do colesterol e dos triglicerídeos), da pressão arterial, da esteatose hepática e da esteatohepatite não alcoólica, síndrome de ovário poliquístico, bem como melhoria dos sintomas de refluxo gastrointestinal, asma, apneia do sono, doença renal e da qualidade de vida.

Por outro lado, refere que “as pessoas com obesidade por vezes não têm a perceção de que a obesidade é uma doença crónica e, como tal, o tratamento é para ser cumprido de forma vitalícia”. Ou seja, existe o mito ou perceção errada de que os cuidados alimentares são apenas para fazer num período limitado de tempo e que os resultados são rápidos. “Não! Os cuidados com a alimentação – dieta equilibrada, variada e ajustadas às necessidades energéticas do indivíduo – e a prática regular de atividade física são regras de ouro para toda a vida!”, alerta chamando a atenção para as regras gerais de uma dieta saudável: limitar a ingestão de sal, gorduras sólidas, gorduras trans, produtos com açúcares adicionados, grãos refinados, bebidas açucaradas, álcool, devendo-se se apostar no consumo de vegetais, frutos, leguminosas, leite e derivados magros, carnes brancas e pescado.

Para tratar a obesidade, a presidente da SPEO afirma ainda que “temos de perceber que seja qual for o tratamento da obesidade, cirúrgico ou farmacológico, a modificação do comportamento alimentar e a prática de atividade física regular são a base ou os alicerces destes tratamentos”.  E acrescenta: “qualquer que seja o tratamento instituído, só existe perda de peso se existir um défice energético negativo, ou seja, se o dispêndio energético for superior ao consumo energético”.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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