Já ouviu falar em Hipercolesterolemia Familiar?
Ao contrário da comum dislipidémia (excesso de colesterol e/ou triglicéridos circulantes), que resulta de múltiplos factores ambientais e genéticos, a hipercolesterolémia familiar (HF) trata-se de uma doença de carácter genético, com hereditariedade autossómica dominante. É causada pela mutação de um dos genes responsáveis pelo catabolismo (degradação) das moléculas do colesterol LDLc (low density lipoprotein cholesterol), com níveis normais de triglicéridos. Existem mais de 1000 mutações documentadas deste gene do recetor das moléculas de LDLc. A expressão clínica (fenotípica) é diversa, podendo variar entre diferentes graus de gravidade. A sua importância advém do facto de acarretar um risco cardiovascular acrescido pela propensão ao início precoce de doença aterosclerótica.
Alguns números
A forma homozigota (vide infra-) afeta cerca de 1 em cada milhão de indivíduos a nível mundial. A forma heterozigota da doença afeta cerca de 1 em cada 500 indivíduos em todo o mundo, tornando-a uma das doenças monogénicas mais comuns. A nível europeu, a prevalência de global de HF ronda os 1/200-250 indivíduos.
Sintomas e diagnóstico
Os doentes com HF apresentam défices na metabolização das moléculas de colesterol LDLc desde o seu nascimento. No entanto, podem ser assintomáticos durante muitos anos. Este achado prende-se com o facto de os indivíduos poderem ter dois alelos do mesmo gene mutado (homozigotos) que tendencialmente terão expressão mais precoce da doença, ou heterozigotos (apenas um alelo do mesmo gene mutado). Para além disso, as consequências de um excesso de colesterol em circulação podem demorar anos até poderem ser clinicamente evidentes.
O diagnóstico tem por base a combinação de uma anamnese e exame físicos detalhados. Como a doença é de hereditariedade dominante, na forma homozigota a presença de doença cardiovascular prematura está presente nos dois progenitores. Na forma heterozigota, um dos pais e 50% dos irmãos do doente apresentam também hipercolesterolemia.
Os sinais iniciais, muitas vezes evidentes ainda na infância, são a presença de depósitos cutâneos de colesterol. As localizações mais frequentes são as pálpebras (xantelasmas), mãos, pulsos, cotovelos, joelhos, calcanhares e nádegas (xantomas). Normalmente associam-se a níveis circulantes de colesterol total >500mg/dL. Os sinais mais tardios, resultam do desenvolvimento de doença aterosclerótica acelerada, podendo estar presentes a partir da segunda década de vida, e afetam vasos como as artérias coronárias, ou a raiz da artéria aorta.
O diagnóstico de HF obriga à exclusão de outras patologias que concorrem para o aumento de LDLc, tais como o hipotiroidismo, a síndrome nefrótica e a doença hepática obstrutiva.
Quem rastrear
A Direção Geral de Saúde, assim como algumas sociedades científicas, recomenda o rastreio de dislipidémia entre os 2 e os 4 anos de idade apenas se existirem antecedentes familiares (primeiro e segundo grau) de doença cardiovascular precoce ou perfil lipídico alterado. É considerada doença cardiovascular precoce a ocorrência de angor ou enfarte agudo do miocárdio, AVC, doença arterial periférica e morte súbita antes dos 65 anos nas mulheres e 55 anos nos homens.
Tratamento
Importa ressalvar que os doentes com HF têm excelente prognóstico desde que atempadamente diagnosticados e tratados. Ao contrário da dislipidémia comum, as mudanças de estilo de vida (alimentação) e a prática de exercício físico regular, embora possam ajudar e devam ser recomendadas, não são suficientes para reduzir os valores de LDLc de forma significativa.
A primeira opção farmacológica são as conhecidas estatinas. Frequentemente são necessários também outros fármacos adjuvantes para atingir o alvo terapêutico. Em casos mais raros de formas de homozigotia da doença pode ser necessário também o recurso à “LDLc-aférese”, um procedimento semelhante à diálise, que depura as moléculas de colesterol da circulação sanguínea. Recentemente foram desenvolvidos também dois anticorpos injetáveis, ainda que com uso limitado e sem evidência costo-efetiva.
Bibliografia
2019 Guidelines on Dyslipideamias (European Society of Cardioloy)
2018 Guideline on the management of blood cholesterol (American Heart Association)
2013 Programa nacional de saúde infantil e juvenil (Direção-Geral da Saúde)
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