«As doenças reumáticas são mais comuns do que se julgava», afirma especialista
Estima-se que, em Portugal, mais de metade da população adulta sofra de doenças reumáticas. Que doenças são estas e quais as que mais atingem os portugueses?
As doenças reumáticas são um conjunto diverso de doenças que atingem as articulações, os ossos, os músculos, os tendões e os vasos. Existem mais de 100 subtipos diferentes que podem afetar homens e mulheres, ocorrem em qualquer faixa etária (desde a infância precoce até ao indivíduo idoso) e, nalguns casos, causam significativa incapacidade e perda de qualidade de vida. O estudo epidemiológico das doenças reumáticas em Portugal, EpiReumaPt, demonstrou que mais de metade da população portuguesa adulta sofre ou já sofreu de uma doença reumática. As mais frequentemente reportadas incluem a lombalgia, a osteoartrose, as tendinites e a osteoporose.
Qual a sua prevalência? E o que explica o crescente aumento do número de casos nos países desenvolvidos, sobretudo nas faixas etárias mais jovens?
A prevalência é muito variável, dependendo da doença reumática a que nos referimos. Por exemplo, uma patologia frequente é a peri-articular (como as tendinites, bursites ou síndromes neurocompressivos), que afecta 15.8% da população, ou a osteoartrose do joelho, que afecta 12.4%. Já outras doenças são menos frequentes, como a artrite reumatóide (0.7%) ou o lúpus eritematoso sistémico (0.1%), mas são potencialmente mais graves e incapacitantes. O crescente número de casos diagnosticados, não apenas nos mais jovens, está muito provavelmente relacionado com o maior conhecimento e melhores métodos usados para diagnosticar estas doenças, sobretudo em fases mais precoces. Por outro lado, tanto a população como os profissionais de saúde estão mais alerta para estas patologias, até então subvalorizadas e vistas como inevitáveis e não tratáveis. É também natural que, com o envelhecimento da população e o aumento dos estilos de vida sedentários, a patologia degenerativa osteoarticular aumente.
Os dados disponíveis mostram também que a artrite reumatóide, por exemplo, atinge três vezes mais mulheres do que homens. Como se caracteriza esta doença e quais os principais sintomas?
A artrite reumatóide é o paradigma da doença articular inflamatória onde o Reumatologista pode fazer toda a diferença. Trata-se de uma doença crónica, de causa ainda mal compreendida, em que o sistema imunitário desencadeia uma resposta contra a membrana sinovial, que reveste internamente as articulações e algumas bolsas e tendões. Em termos de sintomas, existe dor e inchaço das articulações das mãos e pés, assim como dos punhos, cotovelos, ombros e joelhos, que habitualmente são piores durante a manhã e com a imobilização, e melhoram ao longo do dia com o movimento. Fazem-se também acompanhar de rigidez articular matinal que pode durar várias horas. Mais raramente, a artrite reumatóide pode atingir outros órgãos, como a pele, o olho, o pulmão ou o sistema nervoso.
Quais as causas?
Como referi anteriormente, as causas da artrite reumatóide são ainda mal compreendidas. Sabemos que existem genes predisponentes, mas que a interação com fatores ambientais (tais como o tabagismo ou certas infeções virais) e hormonais é fundamental para desencadear a doença. O diagnóstico precoce é crucial pois, logo nos primeiros meses, muitos doentes desenvolvem destruição articular, que é irreversível e que se acumula ao longo do tempo, provocando incapacidade para as atividades laborais e de vida diária. Nos dias de hoje, dispomos de um vasto conjunto de alternativas terapêuticas que permite travar a evolução da artrite reumatóide, por isso, quanto mais cedo a diagnosticarmos, melhor será o prognóstico a médio e longo prazo.
Quais os tratamentos indicados para artrite reumatóide?
O tratamento da artrite reumatóide passa obrigatoriamente pela utilização de fármacos que permitam controlar a inflamação e travar a progressão da destruição articular. Podem ser usados anti-reumáticos convencionais, como o metotrexato ou a leflunomida, anti-reumáticos biotecnológicos, como os bloqueadores do TNF-alfa, ou os anti-reumáticos mais recentes, os inibidores da JAK. Além do tratamento farmacológico, é recomendado aos doentes com artrite reumatóide que mantenham estilos de vida saudáveis (incluindo alimentares e exercício físico), que cessem eventuais hábitos tabágicos (pioram o prognóstico da doença e a resposta ao tratamento) e controlem fatores de risco vasculares, como a diabetes ou a hipertensão arterial. Para alívio dos sintomas, podem também ser recomendados períodos de fisioterapia.
Que fatores podem condicionar o agravamento da doença? Qual a importância da prática de exercício físico ou da alimentação, por exemplo, neste âmbito?
O principal fator que condiciona o agravamento da doença é o não cumprimento do tratamento. O exercício físico permite manter a mobilidade articular e deverão ser evitadas atividades com traumatismo articular excessivo. Uma alimentação saudável deverá evitar o excesso de peso e a obesidade, que sobrecarregam adicionalmente articulações que têm já uma predisposição para a lesão. Apesar de alguns doentes se sentirem melhor evitando certos alimentos (como carnes vermelhas, lacticínios ou alimentos com glúten), a maioria não sente qualquer alteração do seu estado e não existe evidência científica suficiente que permita recomendar ou evitar determinados alimentos.
Quanto às Espondilartrites, sabe-se que estas acometem sobretudo o sexo masculino. Há alguma justificação para que afetem maioritariamente os homens?
Ainda não é conhecido com certeza o motivo pelo qual as espondilartrites afectam mais os homens do que as mulheres, mas fatores genéticos e hormonais serão provavelmente responsáveis.
Neste caso, pode-se falar em fatores de risco?
Sim, ser homem é um fator de risco para espondilartrites, assim como ter o gene HLA-B27, ter familiares com espondilartrites ou ter determinado tipo de infeções.
Que doenças fazem parte do grupo das Espondilartrites? Quais as principais manifestações clínicas?
As espondilartrites são um conjunto de doenças reumáticas inflamatórias crónicas que incluem as espondilartrites axiais (como a espondilite anquilosante), a artrite psoriásica, a artrite reativa, a espondilartrite associada a doença inflamatória intestinal, a espondilartrite indiferenciada e espondilartrite juvenil (entesite relacionada com artrite). Apesar de serem distintas entre si, apresentam características genéticas, clínicas e imagiológicas comuns. As principais manifestações clínicas incluem dor e inflamação nas enteses (inserções dos tendões, ligamentos ou cápsulas) e nas articulações, dores na coluna e nos glúteos, e outras manifestações não relacionadas com o sistema osteoarticular como psoríase, doenças inflamatórias do intestino (colite ulcerosa ou doença de Crohn), uretrite, uveíte ou conjuntivite.
Em termos gerais, no que diz respeito às Doenças Reumáticas, quais as principais complicações associadas a estas patologias?
As complicações vão depender da doença reumática de que estamos a falar. Por exemplo, nas doenças reumáticas inflamatórias podemos ter complicações relacionadas com a própria doença (como o atingimento de vários órgãos) ou relacionadas com o tratamento (como infecções ou toxicidade). As principais causas de morte nas doenças reumáticas inflamatórias são os eventos cardio e cerebrovasculares (enfartes e AVCs), e esta é também uma preocupação durante o seu tratamento. No global, quer sejam inflamatórias, degenerativas, microcristalinas ou osteometabólicas, as doenças reumáticas podem ter um impacto muito significativo a nível pessoal, familiar, laboral e social. São causa de dor crónica e incapacidade, com perda de função e qualidade de vida, com períodos de absentismo laboral prolongado, perda de produtividade, baixas médicas e reformas antecipadas.
Qual o seu impacto na sociedade, sobretudo a nível económico?
Não existe muita informação sobre o real impacto económico das doenças reumáticas em Portugal, mas estima-se que atinja muitos milhões de euros anualmente. Os custos são diretos, relacionados com o consumo de recursos de saúde (consultas, internamentos, episódios de urgência, fisioterapia) e medicamentos; e indiretos relacionados com perda de produtividade, baixas médicas e reformas antecipadas.
Para terminar, que mensagem gostaria de deixar no âmbito desta temática? Sobretudo no que diz respeito à população mais idosa, há cuidados especiais a ter?
A mensagem que gostaria de transmitir é a de que as doenças reumáticas são mais comuns do que se julgava, e muitas delas têm tratamento que melhora os sintomas e o desempenho das atividades diárias. Se tiver dor nas articulações com interferência no quotidiano, e sobretudo se tiver inchaço ou rigidez articular, deve consultar o seu médico assistente pois pode justificar-se uma referenciação a um reumatologista. Numa perspectiva mais preventiva, recomendaria como cuidados a ter, seja com a população idosa seja com a população mais jovem, manter uma alimentação diversificada, um peso normal e atividade física regular. Apesar de parecerem lugares-comuns, estas atitudes evitam o desgaste articular precoce, mantêm a saúde muscular, combatem a perda de massa óssea e trazem inúmeros outros benefícios para a saúde vascular e metabólica.