Profissionais reconhecem dificuldades na intervenção em casos de violência sexual
“Reconhecem que há aqui uma sub-identificação dos problemas e um desconhecimento ou algumas dificuldades de o sistema dar resposta adequada a estas situações e a estas vítimas”, afirmou a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, na apresentação dos resultados do estudo.
Questionada pela Lusa, Rosa Monteiro considerou que este reconhecimento “é muito importante para uma boa intervenção” e para que “os serviços procurem ajustar a formação dos seus profissionais, integrando estas matérias de forma explícita, porque se existem têm de ser trabalhadas e têm de ser tratadas”.
Segundo a secretária de Estado, é fundamental “dar visibilidade para que se assuma, se reconheça e se intervenha sobre o problema”.
O diagnóstico hoje apresentado sublinha a associação das questões da violência sexual a assuntos da esfera privada, do foro íntimo, quase secreto, e o reconhecimento de que há limitações na capacidade de resposta e na resposta que é dada as vítimas de violência sexual, por parte do sistema.
A esta realidade “não são alheios estereótipos de género”, considerou a secretária de Estado, questionando: “Quantas vítimas de violência sexual numa relação de intimidade saberão que são de facto vítimas, que têm direitos e que podem pedir ajuda?”.
Rosa Monteiro referiu que esta investigação “dá um contributo fundamental à política pública nesta área, que agora vai alimentar as fases posteriores do projeto”.
Essas fases “vão focalizar um trabalho mais estreito com os próprios serviços das principais áreas da administração pública e com os seus profissionais, no sentido de criar referenciais de atuação, fornecer informação e instrumentos que permitam garantir uma maior resposta às pessoas que são vítimas e que, relatando situações de violência doméstica, nem sempre são capazes de relatar uma situação cumulativa de violência sexual”, disse.
Dar continuidade a este projeto, que tem uma duração de 30 meses, é o objetivo da equipa que o desenvolveu, coordenada pela investigadora Sofia Neves, do Instituto Universitário da Maia, por iniciativa da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género.
“Vamos avançar para a produção de materiais informativos, de referenciais de intervenção e com um trabalho muito estreito de capacitação de profissionais em vários setores das cinco áreas decisivas da administração central”, afirmou Rosa Monteiro.
“Há todo um investimento que está a ser feito na capacitação de profissionais no geral, no âmbito da estratégia nacional de igualdade e não discriminação, especialmente no plano de ação de combate à violência contra as mulheres e violência doméstica e que aposta muito no setor da justiça, na educação e saúde, além das forças de segurança que têm um papel de primeira linha no atendimento e apoio a estas situações”, disse a secretária de Estado.
Referiu o estabelecimento de “vários protocolos muito focados e que integram o setor da justiça, desde a formação para oficiais de justiça, capacitação e apoio a magistrados até à questão da especialização de advogados, em parceria estreita com a Ordem”.
“O nosso foco é trabalhar de uma forma multidimensional, muito apostada no dar visibilidade aos problemas, mas uma visibilidade suportada por conhecimento produzido através de estudos, mas também muito através do trabalho fundamental das organizações não-governamentais (ONG) que estão no terreno”, acrescentou.
O estudo revela que esta forma de violência íntima praticada sobretudo no contexto do casamento e do namoro é vista como um tema “complexo e de difícil abordagem”.
Um questionário respondido por 795 funcionários em cinco áreas (saúde, justiça, segurança social, educação e forças de segurança) mostra que metade dos inquiridos acredita que “a intervenção levada a cabo pelas instituições onde trabalham não é eficaz”, enquanto 70% responderam que “as mesmas não dispõem de recursos humanos adequados”.
Já entre os 277 profissionais que participaram em 28 grupos de discussão, o sistema público é descrito de um modo geral como “desumanizado e inoperante, não garantindo a efetiva proteção das vítimas e, mais do que isso, deixando-as ainda mais vulneráveis”.