Esclerose Sistémica: doença reumática rara atinge sobretudo mulheres
Trata-se de uma doença reumática crónica caracterizada por alterações vasculares, produção de anticorpos dirigidos ao próprio organismo e aumento da produção de tecido fibroso quer na pele, quer em órgãos internos. Na Esclerose Sistémica “para além da pele, dos vasos periféricos e do tubo digestivo, os pulmões, o coração e os rins também são frequentemente envolvidos”, começa por explicar Isabel Almeida, especialista em Medicina Interna no Hospital de Santo António.
Embora as suas causas ainda sejam desconhecidas, “as alterações vasculares, a acumulação de colagénio e a ativação do sistema imune são consideradas as principais características da doença”. As infeções víricas ou bacterianas, irritantes do meio ambiente “como o tabaco” e a hiperlipidemia são alguns dos fatores que podem contribuir para o seu desenvolvimento.
Por outro lado, e à semelhança do que acontece com a maioria das doenças autoimunes, as Esclerose Sistémica atinge sobretudo o sexo feminino, pressupondo-se, deste modo, que o ambiente hormonal é um dos “fatores contributivos” ao seu desenvolvimento, “principalmente em mulheres após a menopausa”.
De acordo com a especialista, “as características clínicas são heterogéneas e a sua evolução é variável”.
“A esclerose, ou endurecimento, da pele é um sinal cardinal da doença, permitindo distinguir dois subtipos de acordo com a sua extensão: o limitado e o difuso”, esclarece.
O Fenómeno de Raynaud, que se caracteriza por uma descoloração das extremidades e, nos casos mais graves, por úlceras que demoram a sarar, “é observado em mais de 90% dos casos, sendo frequentemente o primeiro sinal da doença. As feridas nos dedos atingem cerca de metade do número total de casos.
“O atingimento gastrointestinal também afeta 90% dos doentes, sendo a sua extensão e gravidade variáveis. Apesar de todo o tubo digestivo poder estar envolvido, o esófago é o órgão mais atingido e associa-se à presença de pirose (azia) e alterações da deglutição”, acrescenta Isabel Almeida.
O diagnóstico é feito com base num exame físico rigoroso com “valorização dos sintomas e sinais referidos pelos doentes e no exame realizado pelo médico”.
Em fase muito precoce pode ser necessária a realização de exames auxiliares de diagnóstico para confirmar a suspeita da doença.
Tratamento alivia sintomas e evita progressão da doença
O tratamento para a Esclerose Sistémica baseia-se, essencialmente, “em medicamentos dirigidos aos vasos, como é o caso dos vasodilatores em doentes com Fenómeno de Raynaud; e às alterações imunológicas ou inflamatórias existentes nos diferentes órgãos, como os imunossupressores no caso de atingimento pulmonar intersticial”.
Por outro lado, a especialista adianta que os transplantes de medula óssea e pulmonar, indicados em casos muito específicos, têm vindo a ser cada vez mais utilizados.
Em fase de teste, os medicamentos usados para diminuir a fibrose (“por deposição excessiva de colagénio nos tecidos) apresentam-se como uma nova solução para alguns destes casos.
No que diz respeito à evolução da doença, esta depende essencialmente do subtipo acometido, sendo muito variável.
“As complicações mais frequentes relacionam-se com o atingimento vascular grave (aparecimento de úlceras nos dedos), gastrointestinal (azia, dificuldade em engolir) e pulmonar”, onde se destaca a dispneia ou falta de ar e o cansaço.
No entanto, o impacto desta doença vai para além das dificuldades físicas e dependem, claro está, do atingimento orgânico da patologia. “A existência de um Fenómeno de Raynaud grave, com úlceras digitais, pode impedir o doente de realizar tarefas tão simples como apertar um botão da camisa”, explica a especialista. Já um doente com dispneia (falta de ar) pode não conseguir ou ter bastante dificuldade em realizar tarefas da vida diária como vestir-se ou tomar banho.
“Para além da limitação física, a modificação da aparência pode alterar a autoestima dos doentes e condicionar a vida de relação a nível familiar, laboral ou social”, revela.
Sílvia Teixeira foi diagnosticada com Eslerodermia Difusa aos 38 anos. O apoio familiar é, na sua opinião, muito importante para o doente com Esclerose Sistémica
«É necessário muito apoio de retaguarda»
Cansaço extremo, refluxo gástrico e “mãos geladas e roxas” deram o sinal de alerta a Sílvia Teixeira que se viu a braços com o diagnóstico de uma doença da qual nunca tinha ouvido falar.
Aos 38 anos, e depois de ter recorrido a várias especialidades – Sílvia consultou um clínico geral, um reumatologista e só depois chegou à medicina interna -, soube que sofria de Esclerodermia Difusa “com fibrose pulmonar, envolvimento gástrico e Fenómeno de Raynaud com úlceras digitais”.
Nunca tendo “ouvido sequer o nome” desta patologia, admite que foram várias as dúvidas que a tomaram de assalto: “«E o que vai acontecer a seguir?», «É uma doença degenerativa?», «Forças psicológicas para ter uma doença rara e crónica?»”, recorda.
Entre as principais dificuldades, revela que “certos movimentos deixam de ser fáceis e são até impossíveis”, sendo “necessário muito apoio de retaguarda”. Aqui a família, os amigos e os colegas de trabalho são, na sua opinião, um apoio fundamental.
“Tudo passou a ser feito com muito, (mas mesmo muito!), menos velocidade”, revela acrescentando que não pode descurar o cuidado com a alimentação e tem de ter um cuidado redobrado com o frio, passando a ser vigiada em consulta, com bastante regularidade.
“Muita medicação e análises ou exames a tudo quanto está comprometido e ao que pode vir a estar” é a principal guia de tratamento indicado a um caso como o seu.
Tratando-se de uma doença rara “e com poucos «clientes» ”, Sílvia lamenta a falta de informação que existe e admite que sem “o apoio estatal é completamente impossível” lutar contra a doença. “Há alguns progressos, neste campo, graças à boa vontade e trabalho de alguns doentes e pessoas de alguma forma ligados a nós”, diz reforçando a importância da existência de entidades como a Associação Portuguesa de Doentes com Esclerodermia (APDE), que desenvolvem a sua atividade no apoio e na divulgação da patologia, com o objetivo de fazer ouvir a voz dos seus doentes.
Sem que a sua prevalência seja conhecida, estima-se que a Esclerose Sistémica atinja 250 pessoas por milhão de habitantes. Com base nesta estimativa, calcula-se que existam 250 casos em Portugal.
E, “embora o pico de incidência se situe entre os 35 e os 50 anos, a Esclerose Sistémica pode ocorrer em qualquer idade”, conclui Isabel Almeida, especialista em Medicina Interna.