Neuromodulação Sagrada devolve qualidade de vida aos doentes

Incontinência Fecal é mais comum do que se pensa

Atualizado: 
10/04/2018 - 17:40
Apesar de não existirem dados concretos sobre a sua incidência, estima-se que a Incontinência Fecal afete até 10% da população adulta, atingindo maioritariamente o sexo feminino. Vergonha e falta de informação dificultam o diagnóstico. Joana Paredes e Benilde Lopes dão voz a uma condição que deixa marcas profundas na vida de quem dela padece e falam do tratamento que lhes mudou a vida: a Neuromodulação Sagrada.

Considerada um assunto “tabu”, poucos são os que dão a cara para falar de uma condição que apresenta graves repercussões na qualidade de vida dos que dela sofrem.  A Incontinência Fecal atinge sobretudo mulheres e é bem mais frequente do que imaginamos.

Na verdade, “desconhece-se a real dimensão do problema, porque muitos doentes têm vergonha de procurar ajuda e isolam-se”, começa por dizer o especialista em Cirurgia Geral, José de Assunção Gonçalves.

Estima-se, no entanto, que a IF atinja até 10% da população adulta, “numa relação de 2:1 feminino/masculino”. “Quando se trata de idosos institucionalizados, cerca de 50% sofre de incontinência fecal”, acrescenta.

Caracterizada por fuga ou perda involuntária do conteúdo intestinal, incluindo a libertação de gases, que é repetida ou contínua num período prolongado de tempo, a Incontinência Fecal apresenta como causa mais frequente o trauma obstétrico, ou seja, o traumatismo provocado pelo parto vaginal.

“Outras causas são os traumatismos ou alterações anatómicas e funcionais provocadas por cirurgias, alterações de motilidade intestinal e doenças degenerativas que provoquem alterações da força e sensibilidade”, esclarece o especialista.  

A IF pode ser classificada como incontinência de urgência, “quando o doente não consegue diferir o tempo necessário a vontade de evacuar”, e como incontinência passiva quando as fezes são expelidas sem que a pessoa se aperceba. De acordo com o especialista em Cirurgia Geral, é frequente as duas formas coexistirem.

Joana Paredes, de 41 anos, e Benilde Lopes, 67, contam hoje a sua história para que outros, como elas, ganhem coragem para pedir ajuda.

Foi um traumatismo obstétrico, provocado por cinco partos naturais, que esteve na origem na Incontinência Fecal de Benilde. “A minha incontinência surgiu como consequência de um prolapso ao qual acabei por ser operada”, começa por contar Benilde esclarecendo que, muito embora a cirurgia tenha sido um sucesso, por si só não foi suficiente para tratar a incontinência.  

“Eu não tinha controlo nas fezes. Parecia que me estavam a abrir as nádegas para sair”, recorda explicando que deixou de sair de casa com medo de se sujar. “Era uma vergonha. Não tem explicação.  Eu não falava disto a ninguém, nem mesmo à minha família”, acrescenta adiantando que o companheiro foi a única pessoa, durante sete anos, a acompanhar de perto a sua angústia.

Já Joana, apesar de mais nova e ter uma vida profissional bastante ativa, não descansou enquanto não encontrou uma solução para o problema. “Mesmo sendo um assunto «tabu», procurei desde cedo ajuda, porque achava impossível não existir uma solução médica e não estava disposta, face à minha idade, a viver o resto da vida com este problema e com todas as suas consequências” explica. “Imagine-se ter 30 e poucos anos, ser uma mulher vaidosa, ativa e sofrer de perdas quando menos espera...”, diz.

Joana tinha 34 anos quando, na sequência de uma cirurgia a uma fístula perianal, passou a sofrer de incontinência fecal. “Tinha dificuldade em conseguir controlar as fezes (tenho o colón irritável por isso tenho episódios frequentes de diarreia) e a sensação de que nunca estava limpa após a ida à casa de banho, mesmo quando tomava todas as medidas de higiene possíveis”, recorda.


"A partir dos 65 anos, a incidência da IF aumenta progressivamente", esclarece Assunção Gonçalves 

Estimulação nervosa é solução mais eficaz

O tratamento da IF depende da gravidade e da causa subjacente a esta condição. Neste contexto, os problemas ligeiros podem ser tratados de uma forma simples com o recurso a drogas obstipantes e com mudança nos hábitos alimentares.

Podem ainda ser indicados exercícios para fortalecimento dos músculos desta área através da electro-estimulação ou pela realização de “biofeedback”, em que o doente re-aprende a defecar e controlar as fezes, fortalecendo, ao mesmo tempo, os esfíncteres anais.

“O tratamento cirúrgico tem indicação quando o tratamento médico conservador/não invasivo não é eficaz. Compreende diferentes opções técnicas, desde a reparação do esfíncter anal à confeção de uma colostomia, passando pela neuromodulação sagrada”, explica o cirurgião geral, Assunção Gonçalves.

Benilde foi a primeira paciente a realizar uma neuromodulação sagrada. “O resultado foi imediato”, garante. Joana, “esperou” seis anos pela intervenção. “Em primeiro lugar foi proposta a cirurgia de reconstituição do esfíncter e depois ainda uma estimulação, que não resultaram em nada, apenas adiaram a solução”, conta.

Tratando-se de um procedimento minimamente invasivo e que é realizado em regime ambulatório com recurso a anestesia local, esta opção terapêutica é bem tolerada e sem intercorrências nem complicações. E, dentro das opções cirúrgicas atuais disponíveis, esta é, na opinão do especialista,  “aquela que oferece melhor eficácia, em termos de restauração da adequada continência e qualidade de vida, com resultados consolidados ao longo dos anos, a médio e a longo prazo”, e que consiste na colocação de um elétrodo na raiz dos nervos sagrados que controlam o intestino, com o objetivo de corrigir as mensagens desaquadas, indesejadas ou mesmo incorretas enviadas através das vias nervosas.

“Está indicada para os doentes que não respondem satisfatoriamente à terapêutica médica conservadora, e que tenham um esfíncter anal com potencial para ser estimulado”, explica Assunção Gonçalves.

Médico aconselha a não ter vergonha nem pudor

Muito mais comum do que se pode esperar, esta é uma condição que pode condicionar totalmente a vida social, a vida afetiva e a vida profissional do doente. “Para além da incontinência em si, está invariavelmente associada a sindromes depressivos graves e ao isolamento social. Nos casos mais graves, é comum ser causa de divórcio, de despedimento, de baixas prolongadas e reformas antecipadas”, revela o cirurgião quanto ao seu impacto.

Por isso, também este apela a que se fale sobre o tema. “Hoje em dia existem soluções eficazes para o tratamento da incontinência fecal, e quem sofre desta condição deve saber que não está condenado a viver isolado com fraldas, sem poder sair de casa”, diz.

Joana vai mais longe e reafirma a importância da criação de uma associação de doentes “que permita a quem padece desta situação sentir-se apoiado, informado e encaminhado para quem pode solucionar de forma definitiva a sua condição”.

“Quem passou por um processo destes sente necessidade de partilhar a sua experiência e dar esperança de que existe uma saída para o problema”, acrescenta realçando que muitos pacientes não falam nem com os seus familiares mais próximos por vergonha. Benilde só abriu o jogo com os filhos depois do problema estar solucionado.

“Eu não fazia ideia que existiam mais pessoas com este problema. Os meus filhos perguntaram-me porque é que eu o tinha escondido...”, revela.

“O neuroestimulador dá a qualidade de vida a quem já não sabe o que isso é, traz a segurança de poder voltar a realizar todas as tarefas normais e comuns sem quaisquer receios de perdas e constrangimentos”, afiança Joana Paredes, para quem a mensagem mais importante a deixar é  “não baixar os braços”.

A primeira Associação de Doentes com Incontinência Fecal, pode ser, para já, contactada através do email [email protected].

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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