Melanoma Avançado: novos agentes terapêuticos revelam-se mais eficazes
Estima-se que, em Portugal, sejam diagnosticados anualmente cerca de 1000 novos casos de melanoma. Quais as suas causas e principais fatores de risco?
Atualmente, em Portugal diagnosticam-se cerca de 1.000 novos casos de melanoma por ano e a sua incidência situa-se entre os 6-8 casos/100.000 habitantes, semelhante à verificada nos países do sul da Europa, como Espanha e Itália.
As causas são múltiplas (ambientais, genéticas) e os principais fatores de risco de melanoma estão bem estabelecidos. As pessoas de pele clara, sardentas, ruivas ou louras, de olhos claros, nevos atípicos, com história de exposição solar (ou em solários) intensa e intermitente (escaldões), sobretudo na infância, têm um maior risco de desenvolver melanoma. Salienta-se a importância dos antecedentes pessoais e familiares de melanoma.
A imunossupressão representa também um fator de risco para o desenvolvimento de melanoma e contribui para um comportamento mais agressivo da doença.
O que torna o melanoma um dos mais temidos cancros de pele?
Nas últimas três décadas, a incidência de Melanoma Maligno (MM) cutâneo tem aumentado - cerca de 3% por ano - em todo o mundo. Na Europa, registou-se um aumento de cerca de 5% de casos, com uma subida de incidência nos adultos jovens e nas mulheres.
De todos os tumores da pele, o melanoma é o menos frequente, mas o que tem um comportamento biológico mais agressivo, sendo responsável por cerca de 75% das mortes por cancro cutâneo.
No decurso da doença, uma percentagem significativa destes doentes desenvolve doença localmente avançada irressecável e/ou metastizada, e em 2-5% dos casos pode apresentar-se, à data do diagnóstico, já em estádio IV. Neste contexto, a probabilidade de cura é baixa e a sobrevivência global aos 5 anos é inferior a 10%.
Atinge pessoas de todos os grupos etários e em fase avançada pode invadir qualquer órgão, podendo levar à morte.
Os melanomas são todos iguais?
Os melanomas não são todos iguais. O aspeto das lesões variam com a espessura e o subtipo, podendo ser de extensão superficial, nodular, lentigo maligno e acrolentiginoso.
No início, a maior parte apresenta-se como uma mancha (sinal) pigmentada. Cerca de 70% dos casos são melanomas de extensão superficial.
Quais os principais sintomas? E a que sinais devemos estar atentos?
Em geral, não há sintomas. Os primeiros “sinais de alarme” que podem levar ao diagnóstico clínico de melanoma consistem na alteração das dimensões, forma, cor, de um nevo ou “sinal” já existente. O melanoma pode aparecer em qualquer localização do corpo, mesmo em áreas não expostas ao sol, como as palmas das mãos e plantas dos pés.
Existem diferenças morfológicas que ajudam a distinguir as lesões dermatológicas suspeitas, através de critérios ABCDE:
Assimetria
Bordo irregular
Coloração castanha escura ou negra sobre um nevo atípico que sugere a sua transformação em melanoma
Diâmetro superior a 6mm pode corresponder a malignidade, pelo que estas lesões devem ser excisadas e analisadas.
Evolução – o “sinal “suspeito aumenta de tamanho, altera a sua forma e muda de cor ou aspeto, ou cresce numa área de pele, antes normal.
Figura 1 - Ricardo Vieira e Maria José Passos em Manual de Formação
Como é feito o seu diagnóstico e qual a importância do diagnóstico precoce? Qual o tratamento indicado?
O melanoma, quando diagnosticado precocemente, pode curar-se em cerca de 95% dos casos, apenas com cirurgia, removendo o tumor primário com uma margem de segurança adequada. Pelo contrário, se o diagnóstico for tardio torna-se agressivo e pode ser fatal, pois tem a capacidade de metastizar, por via linfática e hematogénica, podendo atingir qualquer órgão.
O diagnóstico deve ser efetuado por um patologista experiente após a biópsia excisional em que é retirada a lesão de melanoma na sua totalidade. A biópsia é necessária para determinar a espessura do tumor (Breslow) e a ulceração, dois importantes fatores de prognóstico, para além do envolvimento ganglionar.
Relativamente ao melanoma avançado, qual o seu prognóstico?
Apesar dos recentes avanços no tratamento do melanoma avançado a doença metastática tem ainda um prognóstico reservado.
Existem fatores determinantes de uma menor sobrevivência, como acontece com a localização da doença metastática. A progressão da doença é, geralmente, mais lenta nos doentes com metástases cutâneas, subcutâneas, dos tecidos moles ou em gânglios linfáticos, sendo este subgrupo o que inclui os melhores candidatos à obtenção de respostas terapêuticas à quimioterapia clássica e à imunoterapia.
O prognóstico das metástases pulmonares fica num grupo intermédio e o grupo que inclui todas as outras localizações viscerais (cérebro, fígado) é o de pior prognóstico. Um segundo fator que influencia o prognóstico é a elevação dos níveis séricos de desidrogenase lática (LDH), que continua a assumir o papel de único biomarcador de prognóstico e preditivo de resposta ao tratamento nestes doentes.
Uma revisão sistemática recente da literatura, que incluiu estudos de 9 países europeus, mostrou uma sobrevivência global aos 5 anos entre 9-28% para o estádio IV. Verificou-se que há grandes diferenças consoante os países, em termos de sobrevivência global e intervalo livre de recorrência para cada estádio.
Que opções terapêuticas estão atualmente disponíveis?
Atualmente, o melanoma localmente avançado/metastizado, não mutado, é tratado em 1ª linha com imunoterapia com anti-PD1 e em 2ª linha com ipilimumab.
Nos doentes com melanoma avançado BRAF+, o tratamento de escolha é a terapêutica dirigida anti BRAF+ anti MEK e em 2ª linha imunoterapia com anti-PD1.
A dacarbazina foi destronada para 3ª linha por ser menos eficaz.
Quais as últimas inovações na área? Existem novas propostas terapêuticas em discussão?
Os resultados mais recentes e muito promissores estão relacionados com o regime de combinação ipilimumab + anti-PD1, sobretudo no tratamento da metastização cerebral de melanoma.
Há vários ensaios clínicos em curso com várias combinações sinérgicas, cujos resultados se aguardam com grande expectativa. São exemplo, a combinação de T-VEC + pembrolizumab em 1ª linha no melanoma Estádio IIIC/IV; pembrolizumab + epacadostat em 2ª linha em doentes com melanoma avançado e as combinações triplas com anti-PD1 ou anti-PD-L1 + terapêuticas dirigidas, em 1ª linha em doentes com melanoma avançado com mutação BRAF. Há que esperar com calma pelos resultados.
Quais as principais vantagens das novas armas terapêuticas, nomeadamente a imunoterapia, em relação a outros tratamentos como a quimioterapia, por exemplo?
Durante mais de três décadas, as opções terapêuticas em melanoma avançado foram escassas e pouco eficazes, mas, nos últimos anos, graças aos progressos da genética, biologia molecular e da imunoterapia foi possível alterar radicalmente este panorama tão sombrio.
De 1975 até 2010, o tratamento mais utilizado na prática clínica foi a dacarbazina, um agente alquilante, que nunca demonstrou aumento de sobrevivência global em ensaios de fase III e cujas taxas de resposta não ultrapassavam os 15-20%.
Desde 2011 até agora, dispomos de novas estratégias de tratamento mais eficazes, com destaque para os agentes imunomoduladores e as terapêuticas alvo.
Os estudos de fase 3 realizados com os novos agentes todos demonstraram, um aumento estatisticamente significativo da sobrevivência global em doentes com melanoma avançado, o que nunca aconteceu com a quimioterapia antineoplásica.
Desde 2011, o tratamento do melanoma metastático tem evoluído rapidamente, dando origem a uma “onda” de novos agentes terapêuticos, com diferentes mecanismos de ação, que alteraram para sempre a abordagem terapêutica do melanoma avançado.
No caso do melanoma avançado para que serve esta terapêutica? Como funciona?
A imunoterapia, em oncologia, ao contrário da quimioterapia antineoplásica e das terapêuticas dirigidas, atua sobre o hospedeiro e não diretamente sobre o tumor, modulando as respostas imunológicas do organismo, de modo a que este consiga lutar de forma eficaz e duradoura contra o tumor. O mecanismo de ação dos diferentes agentes imunológicos condiciona as respostas clínicas e também os efeitos adversos que são de causa autoimune.
É o que acontece com o melanoma, um dos tumores mais imunogénicos e o pioneiro do sucesso da imunoterapia, sobretudo com os inibidores de checkpoint: ipilimumab e mais recentemente anti-PD1, utilizados no tratamento do melanoma em estádios III irressecável e IV.
O ipilimumab foi o primeiro fármaco que demonstrou um aumento de sobrevivência global em ensaios de fase III, em melanoma localmente avançado/ metastizado, com respostas duradouras na ordem dos 20%, ao fim de mais de 10 anos de tratamento.
Trata-se de um anticorpo monoclonal IgG1, humanizado, da categoria dos modificadores de resposta biológica, que bloqueia a atividade do CTLA-4 (linfócito T citotóxico - associado a Antigénio 4), um regulador negativo das funções das células T. Este expressa-se à superfície dos linfócitos T CD4 e CD8 ativados, levando à inibição da interação entre o CTLA4 e os ligandos alvo CD80/CD86.
O bloqueio de CTLA4 permite restaurar a função das células T por períodos longos, levando à ativação e proliferação das respostas imunitárias T. Foi aprovado pela FDA, em 2011, e pela EMA em 2012, tendo por base dois estudos aleatórios de fase III em melanoma localmente avançado irressecável/metastático.
Mais recentemente, surgiram outras moléculas inibidoras de outros checkpoints imunológicos, como o PD1 (programmed cell death protein 1), com resultados recentes surpreendentes, no âmbito de ensaios clínicos, em melanoma avançado, tanto em monoterapia, e sobretudo em combinação. Os anti PD1 são mais eficazes, atuam mais rapidamente e apresentam um perfil de toxicidade mais favorável do que o ipilimumab.
O PD1 diminui a atividade das células T em várias fases da resposta imunitária, através da interação com os seus ligandos PD-L1 e PD-L2. Esta inibição dá-se nos tecidos periféricos e a nível do tumor, graças à atividade de fosfatases que inibem as vias de sinalização, dependentes das cinases que vão estimular as células T. O PD1 expressa-se também nas células B e natural killer (NK), o que não acontece com o CTLA4.
Qual a importância da comparticipação e facilidade de acesso a estes novos tratamentos?
É muito importante que os fármacos inovadores com eficácia confirmada obtenham reembolso, e que os doentes tenham acesso a estes medicamentos, a nível nacional.
É preciso que os profissionais de Saúde (médicos, enfermeiros e farmacêuticos hospitalares) conheçam bem as indicações, o mecanismo de ação e o perfil de segurança dos diferentes fármacos. É importante que, no mundo real, ou seja, nos nossos hospitais, as toxicidades raras e frequentes sejam diagnosticadas e tratadas precocemente, da forma adequada.
Em matéria de prevenção, diagnóstico e tratamento que considerações finais gostaria de fazer?
Apesar do excelente trabalho desenvolvido, desde há muitos anos, pelos dermatologistas portugueses na área da prevenção e diagnóstico precoce, ainda nos aparecem muitos casos de melanoma diagnosticados em fase avançada e negligenciados durante anos.
É preciso continuar a trabalhar desenvolvendo novas estratégias de intervenção (prevenção) e, sobretudo, contribuir para a educação/formação em melanoma, da sociedade civil e dos profissionais de saúde, nomeadamente os clínicos gerais.
Apesar dos recentes avanços terapêuticos, o diagnóstico precoce do melanoma continua a ser crucial para um prognóstico favorável: a taxa de sobrevivência ao fim de 5 anos é de cerca de 95% para o estádio I, com espessura inferior ou igual a 1mm, mas cai para 62% quando há envolvimento ganglionar regional, e para 20% nos tumores em estádio IV, o que é elucidativo.