Anemia de células falciformes

“Doente com Drepanocitose pode ter uma vida «normal»”

Atualizado: 
23/06/2017 - 11:41
Dor severa e anemia são os sintomas mais frequentes de uma doença que afeta cerca de 4 milhões de pessoas em todo o mundo. A Drepanocitose apresenta, no entanto, uma sintomatologia diversa que varia de caso para caso. Manuel Pratas, presidente da Associação Portuguesa de Pais e Doentes com Hemoglobinopatias (APPDH), apela aos doentes para que “não vivam apenas agarrados à dor”.

Apresentando uma evolução variável, que pode cursar com complicações agudas que afetam vários órgãos, a Drepanocitose é uma doença genética que afeta cerca de 4 milhões de pessoas em todo o mundo.

Segundo a explicação da pediatra Anabela Ferrão, esta doença “causa uma Hemoglobina anormal – Hemoglobina S – resultando daí anemia crónica e falciformação dos eritrócitos”.

“Este processo de falciformação causa a oclusão vascular, base fisiopatológica da doença”, acrescenta.

As suas manifestações podem surgir logo no primeiro ano de vida. Dor severa, anemia e infeções são as formas de apresentação mais frequente.

Manuel Pratas tinha três anos quando lhe foi diagnosticada a patologia. “O aparecimento de uma coloração meio esverdeada da esclera do olho e dores abdominais fortes” levaram-no ao médico.

“A médica que me acompanhava na altura decidiu realizar exames para poder chegar a um diagnóstico”, revela o presidente da APPDH admitindo que, na época, pouco se sabia sobre a doença.

“Até conseguirmos perceber o que era a Drepanocitose e como ela teria chegado até mim, foi um período bastante complicado...”, afirma.

“Passei a ser acompanhado no Hospital Pediátrico Dona Estefânia onde já havia conhecimento, ainda que muito reduzido, sobre estas doenças”, recorda.

Com uma evolução variável, a Drepanocitose tem como principais complicações, para além das crises dolorosas ou infeção, a síndrome torácica aguda ou acidente vascular cerebral, em resultado das sucessivas oclusões micro e macrovasculares. Por outro lado, pode dar ainda origem a problemas ósseos, pulmonares, cardíacos, pancreáticos ou hepáticos.

“Quem tem esta doença sabe que corre sempre alguns riscos, nomeadamente o do aparecimento rápido de crises de dor. Mas um doente com esta patologia tem de ter alguns cuidados a monitorizar o seu organismo”, alerta o presidente da APPDH.

De acordo com Anabela Ferrão, pediatra no Centro Hospitalar Lisboa Norte, “existem tratamentos específicos dirigidos para as complicações e tratamentos mais gerais dirigidos para a doença”, como a utilização de hidroxiureia, as transfusões sanguíneas e a transplantação de células hematopoiéticas progenitoras.

No entanto, adverte, “todas as terapêuticas têm benefícios e indicações mas não são isentas de riscos”.

A hidroxiureia, por exemplo, pode causar doenças hematológicas malignas e infertilidade. “As transfusões sanguíneas podem causar doença hepática crónica por sobrecarga de Ferro e os transplantes de medula óssea devem ser realizados em Centros de referência pela morbilidade associada”, refere a especialista que enumera os principais cuidados a ter. “O doente deve seguir com rigor o plano de vigilância determinado pelo seu médico. Existem recomendações de seguimento em consultas de especialidade, realização de exames complementares periódicos e indicações para terapêuticas que devem ser cumpridas”, aconselha.

“Ao longo da vida vamos aprendendo a conviver com a doença”

“Quando me foi diagnosticada a doença, e segundo a experiência que havia na altura, as três décadas de vida seriam um limite de tempo a que deveria estar preparado, contudo, os avanços das terapêuticas, das novas técnicas clínicas e um acompanhamento multidisciplinar mais regular mudou completamente esse panorama temporal”, recorda Manuel Pratas quanto ao seu prognóstico clínico.

Tratando-se de uma doença crónica, cujos sintomas variam de doente para doente, o dia-a-dia de quem dela padece é afetado de forma distinta.  

“Esta patologia tem uma característica que é a de ser diferente na sua manifestação de doente para doente... No meu caso, e ao longo dos anos, ela tem variado nomeadamente nos fatores que desencadeam as crises, sendo a desidratação, o esforço físico e as mudanças significativas e constantes do clima as principais causas do aparecimento das crises”, começa por explicar.

De acordo com o presidente da APPDH, o stress, os estados de ansiedade e “outros aspetos do foro psicológico” são ainda algumas das complicações de uma doença que, em Portugal, afeta cerca de 600 pessoas, de todas as idades.

“Ao longo da vida vamos sabendo e aprendendo a conviver com esta doença complicada e que causa um desgaste físico e psicológico bastante acentuado”, afirma apelando a olhar o futuro com “otimismo e esperança”.

“Como doente há mais de quatro décadas, e que já ultrapassou muitas fases na sua vida, gostaria de sublinhar que viver com esta doença não é fácil (mesmo nada!)”, no entanto, refere que a vida tem muito mais para lhes dar do que dor.

“Há alturas muito complicadas, mas estes doentes são especiais! É fundamental que o seu olhar esteja sempre na esperança de um futuro melhor e que, com mais ou menos dificuldade, conseguirão atingir os sonhos que procuram”, afirma.

APPDH a unir doentes

A Associação Portuguesa de Pais e Doentes com Hemoglobinopatias foi constituída com o objetivo de “unir as pessoas, os doentes, as famílias e com eles procurar encontrar a resolução dos problemas que os afetam diariamente”.

A troca de experiências e informação ajuda a que  “a doença seja entendida” e que cada doente não se sinta tão “só” na sua condição.

Por outro lado, esta associação “dentro dos seus parcos recursos financeiros e humanos”, tenta possibilitar aos seus doentes o acesso à cultura, ao desporto, ao trabalho e a uma escolaridade “normal”.

“Foi através da Associação que se conseguiu o despacho de isenção de pagamento dos medicamentos comparticipados ou a isenção do pagamento das taxa moderadoras” (entretanto retirada à maioria dos doentes crónicos por decisão governamental em 2012), explica o presidente da APPDH.

“Sem a existência da Associação cada doente estaria hoje a lutar sozinho com todos os seus problemas e com todo o sofrimento inerente a quem tem uma doença física muito difícil”, refere Manuel Pratas.

 

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Manuel Pratas