DPOC: “A luta para conseguir respirar tornou-se constante”
Considerada como umas das principais causas de morbilidade e mortalidade em todo o mundo, a Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica é, de acordo com João Almeida, Pneumologista e membro da Fundação Portuguesa do Pulmão, “uma doença respiratória que causa diminuição do calibre das vias aéreas respiratórias e destruição do tecido pulmonar”. Tosse, expetoração e dificuldade respiratória são os principais sintomas.
“No meu caso, a doença é resultado do tabagismo. Fumei desde a adolescência, talvez desde os 15 anos até ao momento do diagnóstico”, começa por contar Luís que chegou a fumar, em média, 80 cigarros por dia.
Cansaço, descontrolo na respiração, dor no peito, “ataques convulsivos de tosse acompanhada de náusea” eram sintomas de uma doença que o acompanhava já há vários anos. “Porém até ter sofrido um primeiro episódio de dispneia aguda, eu conseguia dominar estes sintomas, melhor ou pior, interrompendo o esforço e descansando”, explica admitindo que “para quem soubesse (e quisesse) reconhecê-los, os sintomas estavam presentes vários anos antes do diagnóstico”.
Foi, porém, a sensação de falta de ar “quase incontrolável” e o pânico que a acompanhou que levaram este antigo professor de filosofia a procurar ajuda médica.
“Para um pneumologista os sintomas descritos são suficientes para um diagnóstico”, diz. No entanto, os exames – as provas da função respiratória e a TAC – permitem confirmá-lo e avaliar a gravidade da doença.
Luís tinha 45 anos quando em 1993 foi diagnosticado com DPOC. “Tinha uma vaga ideia de que a bronquite era resultado do fumar, mas não um conhecimento preciso da sua natureza, gravidade ou consequências. Quanto ao enfisema não tinha nenhuma ideia do que pudesse ser. O facto é que não me apercebi da gravidade da doença, nem imaginava até que ponto podia ser incapacitante”, recorda.
Talvez por isso tenha tido, na sua opinião, uma reação “inteiramente inadequada” quanto a este diagnóstico, ignorando completamente todos os conselhos médicos. “Nem deixei de fumar, nem passei a praticar regularmente atividade física. Limitei-me a cumprir a medicação prescrita”, refere.
“Mesmo quando os episódios de dispneia aguda se repetiam, em considerava-os estados passageiros atribuindo-os a constipações ou gripes, sem assumir que eram o sinal evidente do agravamento progressivo da doença”, acrescenta admitindo que, durante anos, não foi capaz de assumir que sofria de uma doença grave nem de relacionar as crises que ia vivendo com a DPOC.
Para Luís, os sintomas que experimentava deviam-se a tudo menos aos hábitos tabágicos que, entretanto, foi incapaz de deixar. “Como o médico me disse um dia, eu estava a apagar o fogo com petróleo”, recorda.
O agravamento da doença: “há males que vêm por bem”
“Nos 10 anos que se seguiram ao diagnóstico (entre 1993 e 2003) o meu estado foi-se agravando e, as crises esporádicas tornaram-se cada vez mais frequentes e a doença acabou por afetar de modo permanente toda a minha vida”, conta.
No início de 2003 Luís já não conseguia subir escadas, tinha dificuldades em falar – ao ponto de lhe ser cada vez mais difícil dar aulas – sofria de ataques de pânico em espaços apertados (mesmo dentro do seu próprio carro) e andar, ainda que distâncias curtas, passou a ser tarefa quase impossível. “A luta para conseguir respirar tornou-se constante, os músculos das costas, ombros e pescoço estavam permanentemente tensos”, recorda.
Porém, na sequência de uma forte gripe, nesse mesmo ano Luís decidiu deixar de fumar. “Há males que vêm por bem. Durante os 5 ou 6 dias em que estive doente decidi-me, não propriamente a deixar de fumar, mas adiar por um dia a retomar o hábito. Sempre e apenas por um dia. Esse dia. E, no dia seguinte, a mesma decisão. Até hoje”, explica.
Apesar da melhoria significativa do seu estado de saúde, a verdade é que, os danos causados pelo enfisema no tecido pulmonar eram já irreversíveis. “Um ano depois de deixar de fumar sofri um pneumotórax. No meu caso, por causa da DPOC, não resultaram as técnicas habituais para cicatrização e tornou-se necessária uma intervenção cirúrgica. E sendo necessária a cirurgia, os médicos propuseram-me remover a parte do tecido pulmonar disfuncional e inútil para que o restante pudesse cumprir mais eficazmente a sua função”, acrescenta admitindo que este foi o verdadeiro início da sua reabilitação.
Tratamento que ensina a respirar
O tratamento da DPOC depende dos sintomas e da gravidade da doença. De acordo com os especialistas muitos doentes não necessitam de tratamento crónico, necessitando apenas de recorrer a terapêutica aconselhada nos períodos de exacerbação da doença.
Os doentes com sintomas regulares necessitam habitualmente de tratamento com inaladores, que reduzem o estreitamento das vias aéreas, relaxando os músculos destas vias.
Já os doentes com obstrução grave das vias aéreas e com exacerbações frequentes podem ser tratados com corticosteróides inalados, na tentativa de redução da frequência destas exacerbações, podendo mesmo fazer corticosteróides orais nas exacerbações mais graves.
Nesta situações pode, igualmente, ser necessária a utilização de oxigénio, quer por pequenos períodos, quer de forma contínua quando há insuficiência respiratória crónica.
Para Luís Gottschalk, tão importante quanto a terapêutica, é a reabilitação respiratória. Um parte integrante do tratamento da doença mas que “infelizmente não está ainda suficientemente desenvolvida no nosso país e é pouco conhecida”.
“Basta dizer que durante os 10 ano anteriores à cirurgia a que fui submetido desconhecia por completo esta terapia e a sua importância para a manutenção da qualidade de vida”, justifica o doente.
A verdade é que, para um doente que sofre de enfisema e cuja capacidade se encontra diminuída é essencial manter os brônquios desobstruídos. “O terapeuta tem aqui uma função indispensável, não só porque aplica técnicas de drenagem, como ensina os exercícios respiratórios que o doente pode utilizar em casa, sozinho, diariamente, para assegurar a desobstrução”, afirma Luís.
A prática regular de exercício físico melhora o desempenho diário do doente
Por outro lado, acrescenta, que existem formas de respiração que facilitam e optimizam a utilização da parte saudável dos pulmões que necessitam de se apreendidas. “No meu caso, a aprendizagem da respiração diafragmática foi essencial. O controlo do ritmo da respiração e a sua sincronização com o esforço também é importante, mas necessita de ser aprendido”, explica.
Nos 10 anos que se seguiram à cirurgia e à reabilitação Luís, confessa, viveu um período excepcional, praticando exercício intensamente e sentindo-se como nunca.
No entanto, no final de 2013 é vítima de uma infeção respiratória que lhe traz de volta alguns dos sintomas controlados. “Voltei a recorrer à terapia de reabilitação respiratória”, recorda.
“Infelizmente, talvez porque não sou suficientemente cuidadoso a resguardar-me do frio, que raramente sinto, tive outras duas infeções no espaço de um ano (entre Janeiro de 2016 e Janeiro de 2017), estas mais graves e debilitantes e que exigiram ambas um curto período de internamento”, acrescenta referindo que, nos últimos dois anos, se viu obrigado a reduzir a atividade física “quase que apenas à terapia, com uma frequência variável, dependendo da gravidade dos sintomas”.
Ao dar o seu testemunho, Luís Gottschalk espera sensibilizar fumadores e não fumadores para uma patologia que afeta mais de 600 mil portugueses.
“Deixar de fumar é a condição primeira para readquirir a qualidade de vida. Não tenho qualquer dúvida de que os meus dias estavam contados ou que, pelo menos, iria em breve ficar incapacitado para exercer qualquer atividade, qualquer esforço, por mínimo e corriqueiro que fosse”, refere.
“Não se resignem à perda de qualidade de vida. A medicina e a reabilitação respiratória são uma opção real que pode recuperar, ao menos em grande medida, essa qualidade que dá à vida o seu sentido”, aconselha.