Entrevista

Colangite Biliar Primária: “Em todos os países a doença é predominante no sexo feminino”

Atualizado: 
07/04/2017 - 16:48
À margem do Congresso Português de Hepatologia, organizado pela Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado e que se realizou no passado dia 1 de Abril, o Atlas da Saúde esteve à conversa com o Professor Albert Parés, hepatologista e gastrenterologista espanhol reconhecido internacionalmente por liderar várias investigações na área das doenças colestáticas do fígado. Em entrevista desvendou alguns dados sobre a Colangite Biliar Primária, uma doença rara que afeta sobretudo mulheres.

Atlas da Saúde – O que é a Colangite Biliar Primária e qual a sua incidência?

Prof. Albert Parés – A Colangite Biliar Primária é uma doença do fígado que afeta geralmente mulheres de meia idade e que produz uma inflamação das vias biliares microscópicas.

Quando a doença progride pode dar origem a uma cirrose, se bem que esta situação é, atualmente, pouco frequente. Este foi, aliás, o motivo pelo qual se trocou o nome da doença substituindo cirrose por colangite.

Não há dados exatos sobre a sua incidência mas sabe-se que é pouco frequente, sendo considerada como uma doença rara. Em Espanha, estimava-se que a prevalência seria de 30 casos em 1 milhão de habitantes mas, provavelmente, esta seria uma estimativa baixa, uma vez que atualmente se conhece melhor a doença e se diagnosticam mais casos.

A.S – Sabe-se que a doença afeta principalmente o sexo feminino? Existe alguma explicação?

Prof. Albert Parés - Este é um dado muito curioso e desconhecemos a razão. Em todos os países a doença é predominante no sexo feminino, rondando 90% dos casos. Tem-se especulado que este aspecto se deve a diferenças hormonais entre homens e mulheres, no entanto não foi possível estabeler nenhuma associação. Na verdade, os doentes do sexo masculino não apresentam nenhum transtorno hormonal.

A.S. – Quais são os principais sintomas da Colangite Biliar Primária?

Prof. Albert Parés - Hoje em dia, mais de 60% dos casos são assintomáticos. A doença é diagnosticada mediante alterações em análises laboratoriais que são realizadas por outras razões, incluindo em check-up de rotina.

Quando há sintomas, o mais frequente é o prurido, uma sensação de pele a picar. No entanto, também se tem considerado o cansaço como um sintoma próprio da doença. Se a Colangite Biliar Primária for diagnosticada numa fase mais avançada, o doente pode apresentar sintomas como icterícia ou urina escura.

A.S – A partir de que idade pode surgir?

Prof. Albert Parés - É frequente surgir entre os 40 e os 60 anos dia idade, no entanto, pode aparecer em pessoas mais novas ou diagnosticar-se em idosos. Um aspeto curioso é que a Colangite Biliar Primária nunca surge na infância.

A.S – Quais são as causas desta doença?

Prof. Albert Parés - As causas não são conhecidas. A Colangite Biliar Primária está incluída no grupo de doenças autoimunes. Ou seja, supõe-se que exista algum fator que modifique o sistema imunitário do doente afetando as células dos pequenos ductos biliares.

Entre os fatores desencadeantes pensa-se que estarão alguns agentes bacterianos ou víricos, no entanto, ainda não foi possível estabelecer esta relação.

Por outro lado, há uma teoria que supõe a ação de algum agente químico ambiental. Esta hipótese tem-se baseado em estudos epidemológicos que têm relacionado o verniz das unhas ou a coloração para cabelo com a doença.

De qualquer forma, o que sabemos é que desconhecemos a verdadeira causa da Colangite Biliar Primária, tal como acontece com a maioria das doenças de origem autoimune.

A.S. – Como é feito o seu diagnóstico? São necessários exames laboratoriais específicos?

Prof. Albert Parés - O diagnóstico é feito mediante a presença de uma alteração analítica que revela  dificuldade na eliminação da bilis, desde que se tenha confirmado, por meio de ecografia, que não existem anomalias nos grandes ductos, e pela presença de anticorpos antimitocondriais.

Quando estes dois elementos estão presentes, é possível confirmar-se o diagnóstico. No entanto, se faltar algum destes indicadores é necessário recorrer a uma biópsia hepática que mostre as lesões próprias da doença.

A.S. – Tendo em conta que nem sempre é fácil chegar a este diagnóstico, a que sintomas devemos estar atentos?

Prof. Albert Parés - O diagnóstico não é difícil se o médico estiver atento à possibilidade do doente poder sofrer de Colangite Biliar Primária, e, como referi anteriormente, a maioria dos doentes não apresenta sintomas.

Nos pacientes sintomáticos, a presença de prurido, sobretudo nos braços e pernas, mas também de modo generalizado e intenso, ao ponto de impedir o doente de dormir, é um aspeto a ter em atenção.

É muito comum o doente consultar primeiro um dermatologista por achar que a causa do prurido será uma doença de pele.

A.S. – Qual o prognóstico da doença?

Prof. Albert Parés - Hoje em dia, a maioria dos doentes apresenta um bom prognóstico uma vez que raramente a doença evolui para cirrose. Este foi, aliás, o motivo que levou a mudar o nome da patologia.

No entanto, existe um número considerável de doentes para o quem o tratamento standard não é suficiente e estes são os casos que apresentam pior prognóstico uma vez que a doença é progressiva.

A.S. – Qual é o tratamento mais utilizado? Que opções terapêuticas existem?

Prof. Albert Parés - Há mais de 30 anos que se utiliza o ácido ursodeoxicólico. Este tratamento é muito eficaz e deve ser prescrito em todos os casos, já que é expectável que seja eficaz em 60% dos doentes.

Quando o doente responde ao tratamento tem grande probabilidade de viver com se não tivesse a doença.

O que problema é que há doentes que não respondem adequadamente ao ácido ursodeoxicólico.

Para estes casos estão a ser testados diferentes medicamentos, alguns com eficácia demonstrada como é o caso do ácido obeticólico que está indicado a pacientes com resposta insuficiente ao tratamento standard.

O ácido obeticólico é administrado em associação ao ácido ursodeoxicólico, embora tenha demonstrado eficácia quando tomado isoladamente.

A.S. – O tratamento promove a cura ou é utilizado para impedir a progressão da doença?

Prof. Albert Parés – Os fármacos impedem que a doença progrida. Não proporcionam a cura uma vez que não atuam sobre a causa da doença que desconhecemos.

De qualquer forma, se o doente responde ao tratamento deve fazê-lo de forma continuada. Caso contrário, voltará  a apresentar alterações analíticas próprias da doença e, como consequência, ela irá progredir.

A.S – Quais são as principais complicações da doença?

Prof. Albert Parés – Se a doença estiver controlada, com o tratamento habitual ou com os novos fármacos, não devem existir complicações secundárias. No entanto, quando a dificuldade em eliminar a bílis é muito intensa e persistente pode ocorrer um défice vitamínico ou desenvolvimento de osteoporose, que é uma doença que se caracteriza por debilidade dos ossos e que favorece o aparecimento de fraturas.

Secura nos olhos, diminuição da produção de saliva e mau funcionamento da glândula tiroideia são alguns dos efeitos frequentes.

A.S. – Nas últimas décadas não têm existido qualquer inovação no tratamento farmacológico desta doença. O que representa a introdução do ácido obeticólico e quais as suas vantagens em relação a outros fármacos?

Prof. Albert Parés – Este novo fármaco representa a possibilidade de melhorar e impedir a progressão da Colangite Biliar Primária no doente que apresenta uma resposta inadequada ao tratamento convencional.

No que respeita às suas vantagens, apenas posso dizer não temos evidências suficientemente claras sobre a eficácia e segurança em relação a outros farmácos que estão a ser desenvolvidos. 

 

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Prof. Albert Parés