“Há muito que o AVC deixou de ser uma doença de velhos”
Considera a principal causa de morte em Portugal, o Acidente Vascular Cerebral é responsável por seis milhões de mortes, por ano, em todo o mundo. Estima-se que quase metade dos sobreviventes vivam com graves sequelas.
António Conceição tinha 41 anos quando sofreu um AVC. Profissionalmente ativo, tinha regressado de férias, quando tudo aconteceu. “Era gerente bancário, estava até num dia calmo. Tinha regressado de férias e estava a trabalhar”, começa por contar.
“Atendia um telefonema quando senti a voz “entaramelada”, recorda acrescentando que, numa questão de segundos, já não conseguiu acabar uma anotação perdendo os movimentos do lado direito do corpo.
“Claro que os colegas se aperceberam de imediato e chamaram logo os bombeiros”, afirma garantindo que recebeu rapidamente assistência médica. “Foi só uma questão de breve minutos para receber assistência de uma viatura de Emergência do INEM que contatou e accionou a Via Verde do AVC”, diz.
Já no hopistal foi-lhe administrada a trombólise e, poucas horas depois, António recuperou a mobilidade. “Parecia que tinha sido um susto”, comenta. No entanto, o pior ainda estava para vir.
“Nessa noite, o AVC isquémico degenerou em hemorrágico e aí é que o quadro ficou verdadeiramente negro. Fiquei seriamente afetado. Não tinha nenhum movimento em todo lado direito, a boca de lado, e com dificuldades tremendas em me expressar. Só o pensamento ficou quase intacto”, recorda.
O prognóstico da sua recuperação era pouco favorável, tendo os médicos previsto que talvez só conseguisse voltar a andar com o apoio de um andarilho.
“E eu nem sabia o que era, ou quais as implicações de um AVC!”, recorda o choque da notícia.
Sem se considerar um doente de risco, António estava longe de imaginar que passaria por esta experiência.
“Não era hipertenso, não fumava regularmente. É verdade que tinha um pouco de excesso de peso mas prativa desporto com regularidade. As análises acusavam um pouco de colesterol mas, enfim, nada de extraordinário, pensava eu...”, tenta justificar.
Hoje, no entanto, deixa o alerta: “O AVC não escolhe idades. Há muito que deixou de ser (se é que o foi!) uma doença de velhos”.
“Há sempre uma maneira de ultrapassar ou contornar os obstáculos”
A recuperação foi lenta mas intensiva, sobretudo, graças à sua força de vontade e persistência. António não estava preparado para se deixar vencer pelas sequelas da doença.
“Estive internado um mês no hospital e pouco mais de três meses no Centro de Reabilitação até que, a meu pedido, me deram alta. Não aguentava mais estar fora do conforto do lar”, recorda.
A ritmo intensivo, como descreve, continuou a terapia realizando inúmeras sessões de fisioterapia, terapia ocupacional e da fala. “Cheguei a ter, por prescrição médica e por minha iniciativa, fisioterapia três vezes por dia”, afirma admitindo que, apesar de ter sido bem acompanhado por todos os profissionais de saúde ao longo da sua recuperação, foi a sua obstinação que o ajudou a alcançar os melhores resultados possíveis.
“Sinto, e sei, que muito do conseguido beneficiou da minha força de vontade e persistência, durante largos meses, a raiar a «inconsciência» dos objetivos traçados e a «forçar» os progressos”, afiança.
Admite, no entanto, que a vida não voltou a ser exatamente a mesma. “Muitas das capacidades, sobretudo físicas, não são recuperáveis. Tenho ainda sérias dificuldades de mobilidade. O meu braço direito, quando muito, serve apenas de auxiliar em pequenas tarefas. E ainda tenho algumas dificuldades na comunicação oral...”, explica.
Já do ponto de vista familiar, social e laboral garante que recuperou toda a sua autonomia.
“Foi possível retomar uma atividade profissional (em funções muito menos exigentes que as anteriores...), voltei a conduzir e retomei a minha vida pessoal, familiar e social. Montei tudo de uma forma que parece que sou perfeitamente autónomo”, descreve António Conceição afirmando que “há sempre uma maneira de ultrapassar ou contornar os obstáculos que estas surpresas da vida nos reservam”.
Não esquece, no entanto, que o sucesso da sua recuperação também se deve, em parte, à família que tanto o apoiou.
“O papel da família é fundamental em vários sentidos – na criação de um ambiente confortável (antes de mais, psicologicamente), respeitando o espaço próprio (que era e deve continuar a ser seu), incentivando e valorizando as conquistas, integrando o sobrevivente de AVC nas atividades familiares e facilitando o acesso aos meios de recuperação ao dispôr”, revela.
No seu caso, enaltece sobretudo o apoio prestado pela mulher que mostrou, ao longo deste difícil processo, ser uma cuidadora por excelência. “Soube estar sempre atenta às minhas necessidades, mas respeitando o espírito autónomo, as minhas conquistas. É uma grande mulher”, afiança.
Inclusão precisa-se!
António Conceição pertence a um grupo privilegiado e, talvez por isso, saiba o que falta fazer no que diz respeito aos apoios disponíveis a estes sobreviventes.
“Eu considero-me um felizardo porque tenho um sistema de saúde, proporcionado pela atividade profissional, claramente acima da média. Mas, infelizmente, não é assim com a maioria da população. Há uma tremenda lacuna no acesso e mesmo na informação disponível”, afirma.
A integração social é, na sua opinião, essencial. “Faz muita falta, antes de mais, e neste esforço de integração social – que tem de ser mútuo – a capacidade de sermos, cada vez mais, uma sociedade inclusiva onde, a todos os níveis, se encara a diferença e as limitações com naturalidade”, refere.
Por outro lado, identifica algumas lacunas em matéria de reabilitação e empregabilidade.
Neste primeiro aspeto, António considera urgente que a reabilitação seja considerada, por parte do Estado, como um investimento e não um custo. “Não interessa fazer de conta, cumprir determinado número de sessões, pôr um carimbo e já está”, diz.
“Estou plenamente convencido que o Estado tem de encarar este ponto muito mais como um investimento. Pode significar a diferença entre ficar com um cidadão, por dezenas de anos, que só pode ser sujeito passivo no nosso sistema de Segurança Social, ou um cidadão ativo, contribuinte, ainda que com algumas limitações”, explica.
Quanto à questão relacionada com o emprego, adianta que os dados são preocupantes uma vez que o número de AVC que atinge pessoas em idade ativa tem aumentado “exponencialmente”.
“Até o emprego a tempo parcial, muitas vezes uma exigência das próprias sequelas, é também economicamente uma mais valia em relação à alternativa atual para uma grande percentagem de doentes” que se encontram inativos e com consequentes complicações psicológicas associadas.
Portugal AVC: dar voz aos sobreviventes
“A ideia de criar uma entidade associativa que agregasse sobreviventes de AVC, e também seus familiares/cuidadores, profissionais de saúde e mais pessoas com interesse por esta causa, há muito que era uma necessidade”, começa por explicar o presidente da Portugal AVC.
Mais e melhor informação, assim como mais e melhor apoio são as principais premissas de uma associação que foi constituída há pouco mais de seis meses e cujo crescimento tem superado todas as expectativas.
“Não temos sede. E ainda bem! Queremos ter uma presença que se faça sentir em todo o território nacional, porque nos merece igual consideração um sobrevivente, ou sua família, seja ele de onde for”, afirma António acrescentando, com orgulho, que a sua ação alcança já o país inteiro.
“Nestes seis meses de existência podemos dizer, com muita alegria, que já se faz sentir a nossa presença, com associados e atividades, do Alto Minho ao Algarve, do Litoral ao Interior”, revela.
No âmbito dia Nacional do Doente com AVC que se assinala hoje, António Conceição destaca a prática de exercício físico regular e uma dieta saudável e equilibrada como aspetos essenciais na prevenção do AVC.
“Ao longo da vida, um em cada seis portugueses vai ser vítima de um AVC”, refere reforçando a necessidade de estarmos atentos aos sinais. “Em especial, dificuldade na fala, desvio da face ou falta de força num braço e/ou numa perna. Em si e nos outros! Não hesite. Chame o 112 porque quanto mais rápida a assistência, menores as sequelas. Tempo é cérebro”, explica.
Aos sobreviventes pede esperança e otimismo. “Não viva, nem alimente comparações. Assim como não há duas pessoas iguais, também não há duas recuperações iguais”, afirma relembrando que a recuperação depende, em parte, da força de vontade e “capacidade de sacrifício” de cada um.
“É certo que os primeiros meses após o AVC são, muitas vezes, fulcrais e muito importantes. Mas não desista de continuar a recuperar ao longo da sua vida. Mesmo progressos sem grande significado médico podem ser ganhos muito importantes para si”, afiança concluindo que “com o AVC a vida não cessa, quando muito, adequa-se”.