Lei da gestação de substituição reforça discriminação contra casais LGBT
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"A gestação de substituição foi aprovada recentemente, mas com fortíssimas restrições - apenas para casos em que há uma grave lesão ou ausência de útero. Isso introduz uma discriminação que já lá estava, mas que é apenas reforçada", disse à agência Lusa Ana Cristina Santos, coordenadora do projeto Intimate, que organiza em Coimbra a 2.ª Conferência Internacional "Queering Parenting", hoje e sexta-feira.
O projeto de investigação analisou as questões das parentalidades da comunidade LGBTQ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgéneros e Queer), nomeadamente sobre a procriação medicamente assistida e a gestação de substituição em Portugal, Espanha e Itália, com recurso a entrevistas de profundidade por pessoas LGBTQ que são ou querem ser pais e mães.
O estudo conclui que continua a haver "restrições aos direitos reprodutivos", o que leva a que a parentalidade não possa ser vista como "uma escolha", mas como um privilégio, sublinhou a investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.
Apesar da remoção de muitos obstáculos, como é o caso da coadoção ou do alargamento da Procriação Medicamente Assistida (PMA), "a parentalidade continua a ser um privilégio", notou, sublinhando que seria "importante" alterar a lei da gestação de substituição.
"Mantém-se uma hierarquia entre as pessoas que podem aceder a técnicas de reprodução medicamente assistidas e outras banidas pela sua natureza, porque não encaixam num critério apertado, que é um critério clínico, e isso inclui, por exemplo, os casais de homens", realçou Ana Cristina Santos.
A atual lei da gestação de substituição está associada a "uma patologia" e transforma a "gestação num mal necessário. Não deve ser um mal necessário, mas mais uma forma de se aceder à parentalidade", defendeu a investigadora.
O projeto de investigação, que está previsto terminar em 2019, também conclui que a parentalidade na comunidade LGBTQ não é "um acidente" ou fruto do acaso.
"Estes pais e estas mães são pais e mães intencionais, que programaram e planearam as suas vidas em função do projeto da parentalidade", constatou a coordenadora do projeto, considerando "muito leviano" e desligado da realidade quando se diz que "a criança não está no centro das preocupações destes pais e destas mães".
O estudo nota ainda que, em termos de homofobia em contexto familiar, a gravidez acaba por ser o momento escolhido "para haver uma reconciliação com a família de origem", referiu.
De acordo com Ana Cristina Santos, o estudo em torno da parentalidade envolveu cinco entrevistas de profundidade para cada um dos dois temas (PMA e gestação de substituição) e em cada uma das cidades: Lisboa, Madrid e Roma.
Além das entrevistas a pais e mães LGBTQ, o projeto contou ainda com entrevistas semiestruturadas a peritos de diferentes áreas, como a saúde, direito ou política.
Entre hoje e sexta-feira, realiza-se em Coimbra a segunda conferência internacional do projeto, contando com a presença de académicos, políticos e profissionais das áreas da saúde e do direito de vários países da Europa, mas também do México, Nigéria, Colômbia e Brasil, entre outros.
O projeto Intimate - A Micropolítica da Intimidade na Europa do Sul arrancou em 2014 e termina em 2019, abordando a cidadania íntima LGBTQ em Portugal, Espanha e Itália, em torno de temas como a conjugalidade lésbica, poliamor, procriação medicamente assistida e redes de amizade, entre outros temas.