As principais infeções durante a gravidez
As infeções na gravidez permanecem, ainda hoje, como uma importante causa de morte materna, sendo responsáveis por inúmeras complicações, quer para a grávida quer para o bebé.
Estando mais suscetível a infeções, graças às inúmeras alterações fisológicas – hormonais, fisícas e imunológicas - é importante que a grávida tenha alguns cuidados, sobretudo, no que diz respeito ao contacto ou exposição a vírus ou bactérias.
De acordo com Rosália Marques, especialista em Enfermagem de Saúde Materna, o sistema imunitário, responsável pelo combate a agentes agressores, sejam eles “vírus, bactérias, fungos, corpos estranhos, tumores ou reações inflamatórias”, sofre profundas transformações.
Sendo a gravidez um evento clínico particular, “em que o produto gestacional contém metade do seu material genético de origem materna e metade de origem paterna” - e por isso estranho ao sistema imune da mãe - , é necessário que o organismo se adapte de modo a não desencadear uma “resposta de expulsão”.
Desta forma, “existe toda uma adapatação do sistema imunológico materno, modulada por alterações hormonais, de forma a garantir um ambiente favorável ao desenvolvimento do feto”, começa por explicar uma das coordenadoras da obra “Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica” publicada pela editora LIDEL.
“Os esteroides modulam a atividade das células apresentadoras de antigénios (CAA), tanto da linhagem mieloide quanto linfoide; a progesterona suprime a função das células T; ocorre um aumento da produção de macrófagos (melhoram a resposta de anticorpos e ajudam na proteção contra bactérias, embora eles não garantam a proteção contra infeções bacterianas); dá-se a diminuição da atividade das células NK (natural killer, que matam as células que foram infetadas por vírus) e a diminuição da produção de citocinas (que são liberadas a partir de células do sistema imunológico para recrutar outras células para ajudar a combater a infeção)”, enumera.
Dependendo da fase da gravidez em que ocorrem ou do tipo de agente infeccioso, entre outras condicionantes, as infeções podem causar malformações congénitas, aborto ou morte fetal, sendo ainda responsáveis por atraso de crescimento intrauterino, rotura prematura de membranas, parto pré-termo ou infeção neonatal.
“São múltiplos os fatores que podem influenciar a extensão das lesões causadas, entre eles: o patogénico em causa, as citoquinas produzidas, duração de exposição, duração de doença, idade gestacional em que ocorre, agressões paralelas (episódios de hipoxia e isquemia), variáveis demográficas (sexo, grupo étnico), fatores maternos (corticosteroides pré-natais, hábitos tabágicos) e determinantes genéticos e epigenéticos”, acrescenta Rosália Marques.
Entre as infeções que podem comprometer a gravidez e a saúde do feto, a especialista destaca as infeções do trato genito-urinário e as do grupo TORCH – “Toxoplamose, Outras (Chlamydia Trachomatis, Gonorreia, Sífilis e Varicela), Rubéola, Citomegalovirus e Herpes Simplex”. Os vírus da Hepatite, VIH, Malária e o Estreptococos do Grupo B são também referenciados como comprometores da saúde materna e fetal.
Rosália Marques apesar de referir a importância dos rastreios serológicos, que permitem o diagnóstico precoce “e tratamento correto e atempado, reduzindo o risco das complicações, diminuindo a morbilidade e a mortalidade perinatal e infantil”, reforça o papel da prevenção.
“Prevenir é fundamental e começa a nível pré-concecional. É recomendável que toda a mulher que deseja engravidar se submeta, previamente, a uma consulta pré-concecional para avaliação do seu estado de saúde geral e risco materno fetal e do seu estado de base serológico”, refere a especialista.
Neste âmbito, a Direção-Geral de Saúde recomenda “que todas as grávidas façam rastreio da sífilis, da rubéola, o rastreio da toxoplasmose, da infeção pelo vírus da imunodeficiência adquirida humana (VIH), rastreio da Hepatite B, da bacteriúria assintomátoca e do Streptococcus β hemolítico do grupo B”.
Principais riscos e complicações
De acordo com Margarida Amado Batista, enfermeira e co-autora do manual “Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica”, a Toxoplasmose está associada a uma maior incidência de aborto espontâneo, morte fetal, anomalias fetais, restrição do crescimento fetal e parto prematuro.
“É uma infeção perinatal de etiologia parasitária, causada pelo Toxoplasma gondii, um protozoário intracelular”, começa por explicar adiantando que uma grande variedade de animais, incluindo o ser humano, podem ser hospedeiros intermediários deste parasita. No entanto, refere que os hospedeiros definitivos são os gatos e outros felinos.
“A passagem do hospedeiro definitivo para o intermédio ocorre através da ingestão de oocistos em alimentos contaminados ou em locais onde possam existir fezes de felinos”, explica, referindo a importância de ter alguns cuidados com estes animais de estimação.
A Rubéola “é uma infeção viral causada por um ARN vírus, transmissível por via respiratória, sendo o ser humano o seu único reservatório.
Caracterizada pelo desenvolvimento de rash cutâneo, febre, atralgias e linfadenopatias retro auriculares e suboccipitais, pode, no entanto, ser assintomática em 50 a 30% dos casos. “Tem um período de incubação que varia entre 14 a 21 dias e a janela de contágio ocorre uma semana antes e uma semana depois do aparecimento do rash cutâneo”, refere Manuela Nené, também responsável pelo manual publicado pela editora LIDEL.
No caso desta infeção o maior risco centra-se no feto. Para além do aborto espontâneo ou morte fetal, a rubéola pode provocar malformações congénitas. “As anomalias fetais têm sido divididas em transitórias - mas que podem persistir para além de seis meses - permanentes ou tardias”, acrescenta Rosália Marques.
Surdez, cardiopatias, defeitos oculares e encefalopatia com atraso mental e défice motor, assim como endocrinopatias e certas anomalias vasculares são as principais complicações.
“Em Portugal a rubéola e a rubéola congénita são doenças de declaração obrigatória”, registando, de acordo com Manuela Néne, uma taxa de mortalidade entre 10 a 34%.
Relativamente à Varicela, as suas consequências variam de acordo com a idade gestacional, “podendo ocorrer síndrome de varicela congénita (caracterizada por lesões cutâneas, hipoplasia dos membros), lesão neurológica (microcefalia, hidrocefalia e atrofia cortical), lesão ocular (microftalmia, coriorretinite e cataratas) e ainda hipoplasia muscular, atraso no desenvolvimento psicomotor, anomalias gastrointestinais, genito-urinárias e cardiovasculares, bem como varicela neonatal”.
Com o contacto sexual podem surgir infeções bacterianas como Chlamydia Trachomatis, Gonorreia, Sífilis e infeções virais como Citomegalovirus, Herpes Simplex, Hepatite B e Vírus da Imunodeficiência Adquirida (VIH).
“São diversas as complicações consoante a etiologia, mas as principais são a doença inflamatória pélvica, gravidez ectópica, infertilidade, aborto espontâneo ou recorrente, rutura prematura de membranas, corioamnionite, restrição do crescimento fetal, parto prematuro, infeção puerperal ou no recém-nascido. No caso da sífilis pode ocorrer morte fetal”, explica a enfermeira Margarida Batista.
A infeção neonatal, adquirida intraparto ou pós-parto, por Citomegalovírus, pode ser dividida em três tipos de gravidade crescente: infeção da pele, olhos e boca; infeção do sistema nervoso central e infeção sistémica, envolvendo múltiplos órgãos. “A infeção intrauterina apresenta um prognóstico muito grave, sendo a mortalidade muito elevada e as sequelas graves nos que sobrevivem”, refere a especialista.
O mesmo acontece no caso de infeção por Herpes Simplex, que apresenta uma taxa de mortalidade de 50% e nos casos em que há cura, permanecem, com frequência, graves sequelas neurológicas.
Quanto à Hepatite e VIH, “a principal preocupação à infeção pelo HBV durante a gravidez é a sua potencial transmissão ao feto por via transplacentária no final da mesma e, através do contacto com sangue e fluídos maternos, no momento do parto”, bem como o efeito da medicação no feto.
De acordo com Margarida Batista a infeção por VIH é uma das causas de rotura prematuras, parto pré-termo e de atraso no crescimento intrauterino.
Principais recomendações
De acordo com as três especialistas em Enfermagem de Saúde Materna, a prevenção e adoção de hábitos saudáveis são essenciais para uma gravidez livre de riscos ou complicações, quer para a grávida, quer para o bebé.
“As orientações sobre a promoção da saúde a este nível devem ocorrer ainda na fase pré-concecional. Deverá ser nesta altura que a vigilância da saúde se deverá efetuar, uma vez que existem patologias infeciosas que são debeladas numa percentagem muito significativa com a vacinação ou atividades do quotidiano”, começa por dizer Manuela Néne.
Por isso, a especialista reforça que, quando pensa em engravidar, a mulher “deverá recorrer aos profissionais de saúde, nomeadamente, aos enfermeiros especialistas de saúde materna e obstétrica ou ao médico assistente” para avaliar o seu estado de saúde.
Já durante a gravidez deverá evitar comportamentos de risco e evitar exposição a vírus ou bactérias.
Evitar o contato intímo ou próximo com adultos e crianças que apresentem sintomas respiratórios ou similares a gripe, lavar as mãos com frequência, evitar o consumo de carne crua ou mal cozida, não consumir produtos lácteos não pasteurizados ou consumir produtos dentro do prazo de validade, assim como fruta descascada ou bem lavada são algumas das medidas referidas por estas especialistas.
Por outro lado, afirmam que “deverá cumprir a sua presença nas consultas, efetuar os exames que lhe são solicitados e, no seu dia-a-dia ter os cuidados de acordo com a educação para a saúde” promovidos por estes profissionais.
E foi a pensar na importância do acompanhamento profissional e do cuidado especializado durante esta fase da vida de uma mulher, que nasceu o manual “Enfermagem de Saúde Materna”.
“Em Portugal este é o primeiro livro dedicado a enfermeiros especialistas de saúde materna e obstétrica elaborado maioritariamente por enfermeiros”, onde estes encontram orientações para o melhor exercício da profissão.
“Esta obra surge como necessidade (...) que se fazia sentir quer na área da formação especializada quer como apoio para a prática clínica, como forma de partilhar como todos os interessados uma informação atual, pertinente e rigorosa, apoiada na evidência cientifica e nas orienteções da entidade reguladoras nacionais e internacionais”, justifica Manuela Néne.
Para concluir, e uma vez que cada patologia tem consequências muito diferentes para o feto e para a grávida, as três coordenadores da obra “Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica” apelam a que “as futuras mães vejam na vigilância da gravidez e da sua saúde um meio para a melhoria dos indicadores de saúde em portugal”.