Um terço dos idosos estão desidratados e 15% estão em risco de desnutrição
A maior parte dos idosos sofre de défice de vitamina D, de excesso de peso ou obesidade, uma fatia significativa está desidratada e a esmagadora maioria consome demasiado sal. Os dados que permitem esboçar esta espécie de retrato dos idosos ditos saudáveis (foram excluídos os internados em hospitais ou a viver em lares) encontram-se nos resultados ainda parcelares do projeto Nutrition UP –Nutritional Strategies Facing and Older Demography que esta quarta-feira vai ser apresentado no Porto e a que o jornal Público teve acesso.
Desenvolvido pela Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto com o financiamento da Islândia, Liechtenstein e Noruega, através dos EEA Grants (Programa Iniciativas de Saúde Pública), o projeto partiu da avaliação de uma amostra estratificada (por sexo, intervalos de idades, níveis de escolaridade e regiões) de 1500 idosos, tendo sido colhidas amostras de sangue e de urina para avaliar uma série de parâmetros.
Primeiro: mais de dois terços (68,9%) dos idosos apresentavam deficiência de vitamina D, resultado que mais preocupa os responsáveis por este projeto. “Apenas 8% estão com níveis considerados normais”, lamenta Nuno Borges, um dos investigadores do Nutrition UP 65, que se confessa “preocupadíssimo” porque é necessário somar ainda aos que apresentam um défice total aqueles que têm níveis considerados “insuficientes”.
“A vitamina D é muito importante para que o cálcio seja bem absorvido e depois incorporado no tecido mineral ósseo”, explica o investigador, lembrando que pode ser sintetizada através da exposição solar, mas que este efeito apenas é passível de ser produzido entre Maio e Setembro. A síntese depende não só da duração da exposição ao sol mas também do tom da pele. O problema, frisa Nuno Borges, é que a exposição solar prolongada tem sido desaconselhada por poder causar, a longo prazo, melanoma, a forma mais grave de cancro de pele.
Em alternativa, há outras fontes de vitamina D, como os alimentos que a contêm, nomeadamente o peixe gordo – cavala, sardinha, salmão – a gema de ovo, o fígado, o óleo de fígado de bacalhau, mas estes são relativamente pouco consumidos. em Portugal. Outra fonte de vitamina D são os produtos enriquecidos, como o leite, e resta o último recurso, o dos suplementos.
Mais de 90% dos homens consomem sal a mais
Mas os investigadores deste projeto que pretendeu conhecer o estado nutricional dos idosos portugueses estudaram muitas outras variáveis. Como a do consumo de sal, que também revelou resultados pouco animadores. Nesta faixa etária, 85% dos inquiridos consumiam sal em excesso e, a este nível, os homens surgiam em destaque, com uma proporção mais elevada do que as mulheres (91,8% e 80,4%, respetivamente).
Preocupante é também o facto de uma fatia significativa dos inquiridos – mais de um terço – estar desidratado, e de apenas um quarto não apresentar critérios de diagnóstico de fragilidade, além de um décimo sofrer de sarcopenia (estado clínico de depauperação de reservas musculares). São resultados que afetam o desempenho e o rendimento global dos idosos . “É como acontece com os atletas, o rendimento é muito inferior”, compara o investigador.
Pela positiva, e quanto à desnutrição, foi encontrado um valor relativamente baixo (perto de 15% dos inquiridos encontravam-se em risco de desnutrição e apenas 19 pessoas estavam mesmo desnutridas). “O risco de desnutrição está mais ou menos em linha com os resultados de outros países europeus”, sublinha Nuno Borges.
Já a proporção de idosos com excesso de peso ou obesidade é extremamente elevada, com valores muito acima dos encontrados para a população adulta em geral em Portugal. Mais de 44% apresentava excesso de peso e 38,7% era mesmo obeso. “O que é impressionante é que encontramos pessoas obesas em risco de ficar desnutridas”, destaca o investigador. Pode parecer um paradoxo, mas não é. “São pessoas que comem por exemplo muitas bolachas e pão, bebem muito álcool”, ilustra.
“Estes dados ainda são muito crus”, avisa Nuno Borges, que sublinha que com o projeto se pretende ir muito para além deste primeiro estudo. Já foi possível entretanto avançar com sessões de formação para profissionais de saúde (350) e uma rede de voluntários de Norte a Sul do continente e nos Açores levou a cabo ações de formação “mais simples”, quer para os próprios idosos (821), quer para alguns cuidadores (120).
Falta ainda a parte científica propriamente dita. Há muitos dados para trabalhar até porque foram mais de 100 as variáveis estudadas, enfatiza o investigador, que nota que é necessário, porém, mais financiamento para se poder avançar.