Distrofia Muscular de Duchenne

“O que mais me assusta é os meus filhos ficarem presos a uma cama”

Atualizado: 
07/09/2016 - 10:12
No dia em que se apela mundialmente à sensibilização e consciencialização da Distrofia Muscular de Duchenne, contamos-lhe a história de André e Tomás, dois irmãos que sofrem da doença. Progressiva e sem cura, esta é a causa mais comum de distrofia muscular, afetanto crianças do sexo masculino. Na sua origem está um defeito genético, transmitido por via materna, que leva à necrose e perda progressiva das fibras musculares.

A Distrofia Muscular de Duchenne é a causa mais comum de distrofia muscular e representa cerca de um terço dos doentes em consulta de doenças neuromusculares pediátrica, afetando 1 em cada 3500 recém-nascidos do sexo masculino.

Com origem num defeito genético, transmitido por via materna, é diagnosticada através uma simples análise ao sangue integrada num estudo genético.

“A Distrofia Muscular de Duchenne é uma forma de distrofia muscular ocasionada pela inexistência de distrofina no músculo, levando a uma necrose e perda progressiva de fibras musculares e substituição por fibrose e tecido adiposo”, começa por explicar a especialista em Neuropediatria do Hospital de Santo António, no Porto, Manuela Santos.

“Para o normal funcionamento das fibras musculares é necessário que as proteínas que a constituem sejam produzidas normalmente”, adianta.

“Na Distrofia de Duchenne existe um defeito genético no gene da distrofina ou gene DMD, não sendo produzida a proteína distrofina”, afirma a neurologista explicando a sua importância para o normal funcionamento da fibra muscular. “A sua ausência ocasiona uma perda progressiva das fibras musculares e incapacidade de sua  regeneração levando a fraqueza muscular”, revela.

Apesar de, na maioria dos casos, ser “herdada” por via materna, esta mutação genética pode surgir de forma espontânea sem causa hereditária. Estima-se que estes casos, embora menos comuns, atinjam um terço dos doentes.

“O gene da distrofia, ou gene DMD, encontra-se no cromossoma X e, por isso, esta doença afeta o sexo masculino”, revela a especialista acrescentando que como no sexo masculino apenas existe  “um cromossoma X”, caso este seja portador da mutação, a doença irá manifestar-se.

“No sexo feminino existem dois cromossomas X e usualmente o cromossoma X portador da doença é inativo. Contudo, algumas meninas ou mulheres podem apresentar sintomas como mialgia, caibras, graus variáveis de fraqueza muscular e cardiomiopatia pelo que deverão ser referenciadas para uma consulta de neuromusculares”, afirma.

Estima-se que, sendo portadora da mutação do gene DMD, a mulher corre um risco de 50 por cento, em cada gravidez, de ter um filho com a doença.

Foi o que aconteceu a Teresa Morais: dois dos seus quatro filhos sofrem de Distrofia Muscular de Duchenne.

Portadora desta mutação genética, Teresa também herdou a alteração da sua mãe. “Tive quatro irmãos com a doença que morreram entre os 15 e os 30 anos”, recorda acrescentando que antes de casar fez o teste que lhe confirmou a pesada herança.

“Soube na altura que tinha uma grande probabilidade de transmitir a doença aos meus filhos”, conta.

Ainda assim, Teresa teve quatro filhos. “O André tem 22 anos e o Tomás tem seis”, ambos com esta distrofia. “Quando o André nasceu fez o teste do pézinho e foi logo pedido um teste específico para ver se tinha este defeito genético”, conta a mãe.

De acordo com a especialista em Neuropediatria, Manuela Santos, “perante a suspeita clínica é efetuado o doseamento de uma enzima muscular – creatina cinase (Ck) – que está muito elevada neste caso. Em seguida é pedido um estudo genético e/ou biópsia muscular que confirmam a doença”.

Dificuldade em andar, atraso na aquisição de marcha,  marcha instável, dificuldade em subir e descer escadas ou levantar do chão são, de acordo com a especialista, alguns dos principais sintomas desta doença. “A maioria dos doentes manifesta os primeiros sintomas no início do segundo ano de vida. Frequentemente a família nota que tendem a andar em pontas dos pés e que os músculos das pernas (gémeos) são mais volumosos e duros. Alguns doentes têm atraso de linguagem e podem ter dificuldades de aprendizagem. Outros podem ter alterações de comportamento”, descreve Manuela Santos.  

André não foi excepção. "Tinha muita dificuldade em andar, correr, subir escadas... Aos dois anos tinha todos os sintomas e rapidamente perdeu todas essas capacidade", recorda a mãe, Teresa. 

“Queixava-se de dores e estava sempre muito cansado. Aos 9 anos começou a andar de cadeira de rodas”, recorda explicando que André deixou de andar depois de ter partido um pé na escola. “Depois de tirar o gesso disse-me que não queria andar mais. Acho que perdeu a força para andar. Desistiu!”, revela.

Apesar de não ter feito qualquer medicação – “a médica que o acompanhou achou que no seu estado não era necessário e na altura as coisas eram diferentes” – fez fisioterapia e andou na natação. “Mas foi sempre muito complicado. Acho que o meu filho desistiu de tudo... Nunca fala sobre a doença mas nós pais sentimos que é muito revoltado”, lamenta justificando a sua atitude. “Mesmo na natação quando puxavam por ele, ele não reagia. Desistia”, afiança.

Hoje com 22 anos frequenta uma instituição onde tem terapia ocupacional e recebe uma pequena reforma por invalidez.

“A evolução da doença é progressiva e pelos 10 a 14 anos os doentes perdem a marcha. Posteriormente surge fraqueza dos membros superiores, com incapacidade para os levantar, depois de levar a mão à boca e fraqueza em agarrar objetos com as mãos. Os músculos de sustentação do tronco vão ficando fracos e surge frequentemente escoliose. Os músculos cardíacos vão ficando afetados ocasionando um grau maior ou menor de insuficiência cardíaca”, descreve a neurologista. O mesmo acontece com os músculos respiratórios, podendo haver necessidade de recorrer ao apoio ventilatório.

“Felizmente a parte cardíaca e respiratória não tem alterações significativas. Está a ser vigiado, mas durante a noite, por exemplo, não tem posição para estar. Eu acordo várias vezes para o ajeitar na cama, colocar uma almofada,... não é fácil para ninguém”, revela Teresa Morais.

Quanto ao filho mais novo - Tomás, de 6 anos – este ainda anda e ainda corre, longe das limitações do irmão.

“O Tomás começou a andar cedo. Mas também me fui apercebendo que tinha algumas dificuldades comparativamente a outras crianças”, conta.

“Quando surgiram os primeiros sintomas da doença ao Tomás, que consistia em falta de força, eu entrei em negação. Eu não queria que o meu filho sofresse da doença”, revela admitindo que deixou arrastar-se no tempo por não querer aceitar a realidade.  

“Eu não queria acreditar, não queria descobrir que ele estaria doente”, revela. No entanto, foi como se sempre o soubesse “Nós mães temos uma intuição qualquer... No dia em que ele nasceu reparei que tinha um músculo de uma das pernas mais saliente mas tive receio de estar a exagerar e não quis pensar mais nisso”, justifica.

O diagnóstido de Tomás chegou no início deste ano. “Fez uma análise ao sangue e o resultado demorou três semanas a chegar”, explica acrescentando que fez ainda uma biópsia para ver se o seu caso é viável para tratamento. “Um tratamento que consiste em injeções e medicação oral para atrasar o desenvolvimento da doença e que será gratuito”, conta.

Sem cura, o tratamento consiste em melhorar a qualidade de vida destes doentes, tentando combater tanto quanto possível a sua progressão.

“Nas últimas décadas tem sido preconizado o uso de esteroides, de preferência de uso diário e sendo iniciados quando surgem os sintomas. Contudo, nem todos os doentes respondem de forma favorável a este tratamento”, revela Manuela Santos.

No entanto, a especialista admite que tem existido um enorme esforço a nível internacional, incluindo da indústria farmacêutica, para a descoberta de novas terapêuticas, havendo já vários ensaios clínicos em curso em busca de uma cura. 

A par da medicação que a mãe espera que possa tomar, Tomás irá fazer fisioterapia. “Já foi à consulta de reabilitação e estamos à espera para começar a  fisioterapia”, avança Teresa que aos 53 anos se vê a braços com mais uma dura batalha.

“O Tomás já veio fora do tempo e foi muito difícil descobrir que tinha esta doença. Eu tive uma depressão porque eu só pensava que com a idade que tenho eu já não estaria cá para acompanhar a doença do meu filho. O que iria ser dele?”, revela. “Agora já estou mentalizada e tenho de andar para a frente. Não pensar e aceitar”, acrescenta.

Atualmente desempregada, Teresa faz o que pode para dar o melhor aos filhos. Sobretudo ao André e ao Tomás.

“O que mais me assusta é os meus filhos ficarem presos a uma cama”, confessa.

“Não tem sido fácil. Se um já custa, imagine dois...”, lamenta sem saber o que lhes reserva o futuro. 

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
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